Acórdão Nº 5007886-33.2021.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 31-08-2021

Número do processo5007886-33.2021.8.24.0018
Data31 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5007886-33.2021.8.24.0018/SC

RELATORA: Desembargadora JANICE GOULART GARCIA UBIALLI

APELANTE: SUSANA MARIA SIMIONI (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação cível interposta por Susana Maria Simioni da sentença proferida nos autos da "Ação Declaratória de Nulidade c/c Repetição de Indébito e Indenização por Danos Morais" n. 5007886-33.2021.8.24.0018, ajuizada em desfavor de Banco BMG SA. O decisório recorrido contou com a seguinte parte dispositiva (doc 22):

Assim sendo, rejeito os pedidos formulados na inicial e, com fundamento no inciso I do artigo 487 do CPC, decido o processo com apreciação do mérito.

Via de consequência, condeno a parte autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, os quais arbitro equitativamente em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja execução deverá observar o disposto no § 3º do artigo 98 do Novo Código de Processo Civil, uma vez que é beneficiária da justiça gratuita.

Publique-se. Registre-se e intimem-se.

A apelante sustenta, em síntese, que: a) "não foram observados no caso em tela, os preceitos basilares contidos na legislação consumerista, mais especificamente os princípios da informação e transparência" (doc 23, p. 3); b) "que ao realizar empréstimo consignado junto ao Banco Apelado, teve ilegalmente descontado em seu benefício previdenciário a RESERVA DE MARGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO - RMC" (doc 23, p. 3); c) "apenas foi solicitado e autorizado empréstimo consignado" (doc 23, p. 4); d) "o Banco Apelado não trouxe aos autos o suposto contrato devidamente assinado pelas partes" (doc 23, p. 4); e) "os descontos mensalmente efetuados no benefício da Apelante, sequer abatem o saldo devedor, uma vez que o desconto mínimo vinculado, cobre apenas os juros e encargos mensais de um cartão de crédito" (doc 23, p. 5); f) "jamais houve a utilização do suposto cartão, nem mesmo efetuação de qualquer compra ou desbloqueio" (doc 23, p. 6); g) "os ditos saques de valores alegados pela Instituição Financeira se tratam de meros depósitos das quantias diretamente na conta corrente da Apelante, conforme prática costumeira dos empréstimos consignados normais" (doc 23, p. 6); h) "a disponibilização de serviço não contratado, tal qual ocorrido no caso em tela, configura manifesto ato ilícito, consoante art. 39, III, do CDC" (doc 23, p. 8); i) "o Banco Apelado promoveu uma venda casada, pois a intenção nunca foi de adquirir uma linha de crédito rotativo, mas tão somente um empréstimo puro e simples" (doc 23, p. 8); j) deve a parte apelada "restituir em dobro a parte Apelante dos valores descontados em seu benefício previdenciário" (doc 23, p. 9); k) "a ilicitude da conduta da parte Apelada resta induvidosa, pois lançou mão de artifício comercial ardiloso, desleal, com o claro intuito de obter maior lucratividade, lesando INTENCIONALMENTE a consumidora, desrespeitando assim a boa-fé objetiva e impondo ao cliente desvantagem excessiva" (doc 23, p. 10); l) a "prática abusiva ultrapassou o terreno de meros aborrecimentos, pois gerou angústias, sofrimentos, sem contar os incômodos decorrentes das diversas providências necessárias para o efetivo cancelamento do cartão e débitos indevidos" (doc 23, p. 10); m) "necessária a inversão do ônus probatório" (doc 23, p. 14).

Com as contrarrazões (doc 24), ascenderam os autos a esta Corte.

Vieram-me os autos conclusos.

VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos, conheço do recurso.

Inicialmente, cumpre destacar que irrelevante a discussão acerca da inversão do ônus da prova, uma vez que o banco apelado colacionou aos autos o contrato objeto da demanda (doc 19).

Regularidade da Contratação

Os contratos de Empréstimo Consignado e de Cartão de Crédito com Margem Consignada em benefícios pagos a servidor público civil ou militar do Estado de Santa Catarina foram institucionalizados pelo art. 97 da Lei n. 6.745/1985 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de Santa Catarina) e pelo art. 52, VI, da Lei Complementar n. 412/2008. A fim de regulamentar as consignações em folha de pagamento, fora editado o Decreto n. 080/2011.

Do art. 8º desse diploma colhe-se o seguinte:

Art. 8º A soma mensal das consignações facultativas de cada servidor não poderá exceder ao valor equivalente a 40% (quarenta por cento) do resultado encontrado pela subtração das consignações compulsórias da remuneração bruta.

[...]

§ 2º Será admitida liberação da margem adicional equivalente a 10 % (dez por cento), além, da margem consignável prevista no caput deste artigo, destinada exclusivamente para:

I - desconto de valores resultante de convênios com instituições financeiras administradoras de cartão de crédito; e

II - desconto de valores decorrentes de convênios para aquisição de medicamentos.

Como se vê, a norma determina que os descontos para contratação de empréstimo consignado e de cartão de crédito devem ficar limitados a 50% (cinquenta por cento) do valor do benefício auferido pelo consumidor.

A lei também é clara quando prevê que o beneficiário dispõe de 40% de margem consignável para a adesão a empréstimo consignado e de 10% para a contratação de cartão de crédito. Aquele, mais benéfico ao consumidor.

Portanto, são duas modalidades distintas de contratação:

- No empréstimo consignado o banco tem assegurado o recebimento da totalidade do valor financiado em número determinado de parcelas.

- Já no cartão de crédito com reserva de margem consignada, a garantia só existe em relação ao valor mínimo (10% da margem consignável). Essa circunstância tem reflexo direto nas taxas de juros que incidem nas duas modalidades.

No caso, consta nos autos documentos assinados pela recorrente que comprovam o negócio firmado entre as partes (doc 19). Nesses documentos, cuja autenticidade não foi impugnada, há informação de que a forma de pagamento do "saque" seria por meio da consignação em folha de pagamento.

Portanto, diferente do que quer fazer crer a apelante, as provas indispensáveis foram juntadas ao feito.

Feitas essas considerações, deve-se analisar se há, nos autos, elementos probatórios passíveis de declarar a nulidade ou mesmo a anulabilidade da relação contratual, ou, ainda, unilateralmente, transformá-la em relação diversa (empréstimo consignado), seja quanto aos encargos, seja quanto ao tempo e modo de pagamento.

O caso cuida de relação contratual, de modo que há pluralidade de leis e fontes que possuem campo de aplicação ora coincidentes ora não. Portanto, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor não implica afastamento de outros diplomas legais (diálogo das fontes), notadamente o Código Civil (MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelo Diálogo das Fontes: o modelo brasileiro de coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe, Aracaju, SE, v. 7, p. 15-54, 2004).

Há muito já definia o jurista Romano Ulpiano que o contrato é o mútuo consenso das partes sobre o mesmo objeto - est pactio duorum pluriumve in idem placitum consensus. O contrato cria normas entre as partes, as quais, salvo raras exceções, devem ser cumpridas.

Entre as inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 está o princípio da conservação dos negócios jurídicos, fazendo um alinhamento das disposições da...

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