Acórdão Nº 5007941-35.2022.8.24.0022 do Quinta Câmara Criminal, 24-11-2022

Número do processo5007941-35.2022.8.24.0022
Data24 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão
Recurso em Sentido Estrito Nº 5007941-35.2022.8.24.0022/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

RECORRENTE: JOSE MIGUEL GELINSKI (RECORRIDO) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Jose Miguel Gelinski contra a decisão do Juízo da Vara Criminal da Comarca de Curitibanos que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, IV e VI, § 2º-A, I e II, e § 7º, III, do CP, art. 147 do CP e arts. 12 e 16, § 1º, I, ambos da Lei n. 10.826/03, determinando que fosse submetido à julgamento pelo Tribunal do Júri.

O recorrente pugna que seja afastada a qualificadora relativa ao recurso que dificultou ou tomou impossível a defesa da vítima, pois a hipótese descrita na denúncia não subsome ao dispositivo legal. Requer ainda o afastamento da causa de aumento de pena prevista no artigo art. 121, § 7º, III, do Código Penal por ausência de fundamentação válida e por ser manifestamente contrária a prova dos autos (evento 01, INIC1 dos autos de origem).

O Ministério Público apresentou as contrarrazões (evento 01, CONTRAZ2 dos autos de origem) e, na sequência, a magistrada singular manteve a decisão por seus próprios e jurídicos fundamentos (evento 01, DESPADEC7 dos autos de origem), ascendendo os autos a este egrégio Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Sr. Henrique Limongi, manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto (evento 08 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

O recurso deve ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade.

Como sumariado, trata-se de recurso em sentido estrito interposto por Jose Miguel Gelinski contra a decisão do Juízo da Vara Criminal da Comarca de Curitibanos que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, IV e VI, § 2º-A, I e II, e § 7º, III, do CP, art. 147 do CP e arts. 12 e 16, § 1º, I, ambos da Lei n. 10.826/03, determinando que fosse submetido à julgamento pelo Tribunal do Júri.

Pugna o recorrente que a qualificadora do recurso que dificultou ou tomou impossível a defesa da ofendida (art. 121, § 2º, IV, do CP) seja afastada, sob o argumento de que "'disparo à curta distância' ou 'no aconchego de seu lar' não se trata de hipótese análoga à descrita no art. 121, §2º, III, do Código Penal".

Alega ainda que "considerar presente a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima significaria banalizar a qualificadora de tal modo a reconhecê-la em todo e qualquer homicídio que ocorrer no âmbito doméstico que não contar com reação defensiva da vítima".

Pois bem.

É cediço que na decisão de pronúncia não há lugar para a averiguação exaustiva da prova produzida, o magistrado deve se limitar a análise perfunctória sobre o convencimento acerca da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, autorizadora ou não da submissão do acusado ao Conselho de Sentença.

É o que determina o caput e o §1º do art. 413 do Código de Processo Penal:

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

Desta forma, a exclusão de circunstâncias qualificadoras na fase de pronúncia deve ocorrer somente quando foram manifestamente improcedentes, ou seja, quando a prova determinar que as qualificadoras em questão forem de impossível configuração.

Neste sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

Somente é cabível a exclusão das qualificadoras da sentença de pronúncia quando manifestamente improcedentes e descabidas, porquanto a decisão acerca da sua caracterização ou não deve ficar a cargo do Conselho de Sentença (HC n. 471.476/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 25/6/2019).

Sobre a qualificadora do recurso que dificultou/impossibilitou a defesa da vítima, infere-se da decisão de pronúncia (evento 01, SENT3 dos autos de origem):

Feita esta breve digressão, não se demonstra a impertinência da qualificadora relativa ao recurso que dificultou ou tomou impossível a defesa do ofendida (art. 121, § 2º, IV, do CP), porquanto, da análise sumária do feito - mormente da prova testemunhal e pericial -, observa-se que a vítima estava, em tese, em sua própria residência quando, no período noturno, foi surpreendida pelo marido na posse de arma de fogo, sendo atingida em sua cabeça, descabendo, neste momento - ao contrário do disposto pela defesa em sede de alegações finais (evento 102) -, falar na absoluta incongruência da qualificadora, nem mesmo que o seu reconhecimento acarreta sua banalização, posto que a sua pertinência encontra-se adstrita ao caso concreto em análise (grifos no original).

Dito isso, da prova oral, colhe-se o depoimento extrajudicial da mãe da vítima, a Sra. Ivanir Almeida Oliveira, a qual declarou que presenciou o momento em que o réu disparou com a arma de fogo contra sua filha:

[...] Autoridade Policial: O que a senhora é da Ângela Alves de Souza? Vítima: Mãe. Autoridade Policial: A senhora estava morando com ela e com o seu José Miguel Gelinski? Vítima: Morava. Autoridade Policial: Onde vocês moravam? Vítima: Nós morávamos no Monte Alegre. Autoridade Policial: E agora por último? Vítima: Eu fui lá para o sítio. Autoridade Policial: Para morar junto com a Ângela? Vítima: Sim, ela que cuida de mim. Autoridade Policial: O José Miguel é o que dela? Vítima: Marido. Autoridade Policial: São amasiados? Não são casados no papel? Vítima: Não. Autoridade Policial: A senhora sabe há quanto tempo eles estão juntos? Vítima: Faz seis anos. Autoridade Policial: A Ângela e ele viviam bem? Vítima: Não. Autoridade Policial: Nunca viveram bem? Vítima: Nunca. Autoridade Policial: O que aconteceu essa noite lá na casa? Vítima: Ele começou a brigar com ela, ela disse: "pare, eu não estou fazendo nada para você", ele disse: "se você não está fazendo para mim, eu vou fazer" e deu o tiro. Autoridade Policial: Deu um tiro nela? Vítima: Deu. Autoridade Policial: A senhora presenciou ele atirando nela? Vítima: Sim. Autoridade Policial: Quando ele atirou nela, o que a senhora fez? Vítima: Ele disse para mim: "você chegue lá e fale direito, não minta", eu disse: "não vou mentir". Autoridade Policial: Ele tentou atirar contra a senhora também? Lhe ameaçou? Vítima: Sim. Autoridade Policial: O que ele disse para a senhora? Vítima: Com o perdão da palavra, disse: "velha suja, vagabunda, eu dou um tiro em você". Autoridade Policial: Ele chegou a apontar a arma para a senhora? Vítima: Sim. Autoridade Policial: Isso foi antes ou depois de ele dar um tiro nela? Vítima: Foi antes. Autoridade Policial: A senhora pedia para ele manter a calma? Vítima: Sim, eu disse: "não faça assim, você é doente", foi aí que ele ficou bravo comigo, disse: "o que você está pensando? Velha suja". Autoridade Policial: E o que ele fez? Vítima: Deu um tiro nela e correu para o quarto, disse: "pode chamar a polícia, eu não tenho medo". Autoridade Policial: Ficou no quarto, e ela caída? Vítima: Sim. Autoridade Policial: A senhora viu ela atirada? Vítima: Vi. Autoridade Policial: Ela ainda estava com vida? Estava respirando? Vítima: Estava. Autoridade Policial: O que a senhora fez? Vítima: Quando ele prometeu de me atirar, eu fugi para fora, fui na casa de um vizinho meu e pedi ajuda. Autoridade Policial: Esse vizinho é longe de onde foi os fatos? Vítima: Uns 4 km. Autoridade Policial: A senhora caminhou tudo isso a pé e de madrugada? Vítima: Sim. Autoridade Policial: Que horas eram? Vítima: Eu saí de casa eram 06h. Autoridade Policial: Da manhã? Vítima: Sim. Autoridade Policial: E a briga começou que horas? Vítima: Diz ele que foi 04h, logo o galo já cantou. Autoridade Policial: A senhora caminhou 4 km até conseguir ajuda de um vizinho? Vítima: Sim. Autoridade Policial: O que o vizinho fez? Vítima: Ele disse: "dona Ivanir, isso aí precisa de polícia, ela está machucada". Autoridade Policial: Ele chamou a polícia? Vítima: Chamou. Autoridade Policial: Ele disse que iria ficar no local? Vítima: Ele disse que iria ficar, mas não fica, ele "corre". Autoridade Policial: Ele fugiu? Vítima: Sim. Autoridade Policial: A senhora o viu fugindo? Vítima: Não. Autoridade Policial: A senhora fugiu antes? Vítima: Quando ele ficou deitado eu saí correndo. Autoridade Policial: De medo? Vítima: De medo. Autoridade Policial: A senhora saiu de pé descalço e tudo? Vítima: Tudo, meus pés estão sujos. Autoridade Policial: Quem é esse vizinho que lhe ajudou? A senhora sabe o nome? Vítima: Ele mora lá no sítio da mãe dele. Autoridade Policial: Não lembra o nome? Vítima: Não. Autoridade Policial: Ele chamou a polícia? Vítima: Chamou. Autoridade Policial: O José já costumava brigar com a sua filha Ângela? Vítima: Já. Autoridade Policial: A senhora viu que arma ele usou para atirar nela? Como era a arma? Vítima: Era uma espingarda. Ele me disse: "vou te dar um tiro, quero te mostrar o que é te matar". Autoridade Policial: Vocês sabiam que ele tinha essas armas em casa? Vítima: Não, porque quando ele bebe, ele atira, deu um tiro no pé. Autoridade Policial: Ele atirou no pé dela em outra ocasião, é isso? Vítima: Sim. Autoridade Policial: Sabe quando foi isso? Vítima: Faz dois meses. Autoridade Policial: E ela nunca procurou a polícia? Vítima: Não, ele não deixa. Autoridade Policial: Não deixava nem ela sair lá do sítio? Vítima: Não. Autoridade Policial: Ele fazia algum outro tipo de violência contra ela? Batia? Agredia? Vítima: Sim, batia. Autoridade Policial: Tudo na sua frente? Vítima: Sim, na minha frente. Autoridade Policial: A senhora tentava intervir e ele não deixava, é...

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