Acórdão Nº 5008005-15.2021.8.24.0011 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 27-09-2022

Número do processo5008005-15.2021.8.24.0011
Data27 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008005-15.2021.8.24.0011/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: LIANA MUELLER (AUTOR) ADVOGADO: CLAUDIO PANHOTTA FREIRE (OAB MG142958) APELANTE: BANCO CETELEM S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

LIANA MUELLER ajuizou ação de restituição de valores c/c indenização por dano moral, com pedido de tutela provisória de urgência antecipada (RMC) em face de BANCO CETELEM S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 10).

Contestação apresentada (evento 17).

Réplica no evento 22.

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento 32):

Ante o exposto, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, para: a) DECLARAR a inexistência de relação jurídica havida entre as partes, objeto da presente demanda; b) CONDENAR o requerido BANCO CETELEM S.A., ao pagamento da repetição de indébito em dobro, dos valores que foram indevidamente descontados do benefício da requerente, valor que deverá ser corrigido pelos índices divulgados pela CGJ/SC (Provimento n. 13/1995), desde a data de cada desconto, nos termos da Súmula 43 do STJ, e acrescido de juros de mora à razão de 1% (um por cento) ao mês (art. 406 do CC c/c art. 161, § 1.º, do CTN), desde a citação, nos termos do art. 405 do CC, e as demais prestações que tiverem sido descontadas no curso do presente feito, nos termos do art. 323 do CPC.

Advirta-se à requerente que deverá depositar o valor que foi depositado em sua conta corrente em conta vinculada a esse processo, após o que deverá o banco requerido ser instado a informar conta para a qual deverá tal numerário ser transferido. Cumpridas as diligências, expeça-se o respectivo alvará em favor do banco requerido.

Em razão do princípio da sucumbência, condeno as partes ao pagamento proporcional de 50% (cinquenta por cento) das despesas processuais pendentes, cada uma, conforme arts. 86 e 87 do CPC.

Condeno o requerido ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor do advogado da requerente, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, devidamente corrigido, nos termos do art. 85, § 2.º, do CPC.

Em razão da sucumbência recíproca, condeno a requerente ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor do advogado do requerido, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor que sucumbiu de seu pedido condenatório, devidamente corrigido, nos termos do art. 85, § 2.º, do CPC.

A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à requerente, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da gratuidade da justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei n. 1.060/1950.

Havendo custas processuais quitadas e não utilizadas, autorizo, desde já, sua restituição à parte que efetuou o seu pagamento.

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação, no qual requereu: a) a condenação da adversa ao pagamento de danos morais; b) a desnecessidade de devolver os valores recebidos; c) a inversão da sucumbência.

Por sua vez, a casa bancária ré pleiteou: a) a declaração de legalidade da contratação; b) afastamento da repetição em dobro do indébito.

Sem Contrarrazões.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ambas as partes litigantes contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou parcialmente procedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Alega a casa bancária apelante que a sentença singular deve ser reformada tendo em vista que ficou comprovado que a parte autora realizou a contratação da operação de empréstimo consignado na modalidade "cartão de crédito consignado" e, por consectário, autorizou os descontos efetuados no seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável. Sustenta, ademais, que a modalidade possui previsão legal e não deve ser considerada como modalidade abusiva.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento acostado no evento 17.

Entretanto, apesar do referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura do requerente, ora apelado, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da parte demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo de dinheiro, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que ao analisar a documentação autuada pela casa bancária, constatou-se que o cartão de crédito, supostamente requerido, jamais fora utilizado pela parte demandante para realizar a aquisição de produtos ou pagamento de serviços.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte recorrente, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC).

A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

"Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT