Acórdão Nº 5008074-60.2020.8.24.0018 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 23-06-2022

Número do processo5008074-60.2020.8.24.0018
Data23 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008074-60.2020.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: MARCOS FELIPPI (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Marcos Felippi interpôs recurso de apelação cível em face da sentença, que, proferida pelo magistrado Ederson Tortelli do juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Chapecó, julgou improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória cumulada com indenizatória por ele ajuizada em face da instituição financeira apelada, Banco Cetelem SA, nos seguintes termos (evento 26, autos do 1º grau):

1) RELATÓRIO

MARCOS FELIPPI aforou(aram) AÇÃO DECLARATÓRIA contra BANCO CETELEM S.A., já qualificado(s). já qualificado(s). Em sua petição inicial (ev(s). 01), alegou(aram) que: 1) recebe benefício previdenciário; 2) sofreu desconto indevido em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável relativa à cartão de crédito, porém, não contratou tal produto; 3) sofreu dano moral. Requereu(ram): 1) a inversão do ônus da prova; 2) a concessão do benefício da Justiça Gratuita; 3) a prioridade na tramitação da ação; 4) a concessão de tutela provisória de urgência consistente na determinação à parte ré para que se abstenha de promover descontos de seu benefício previdenciário; 5) a declaração do(a)(s) inexistência do contrato de cartão de crédito com RMC; 6) a condenação do(a)(s) parte ré ao pagamento em dobro de R$3.344,00, a título de descontos realizados em seu benefício previdenciário; 7) a dispensa da audiência conciliatória; 8) a condenação do(a)(s) parte ré ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$10.000,00; 9) a condenação do(a)(s) parte ré ao pagamento dos encargos da sucumbência.

No(a) decisão ao(s) ev(s). 07, foi(ram): 1) determinada a emenda da inicial; 2) deferido o benefício da Justiça Gratuita.

Houve emenda à petição inicial (ev(s). 10), por meio da qual (o)(a)(s) autor(a)(s) documentos de identificação pessoal.

No(a) decisão ao(s) ev(s). 12, foi(ram): 1) indeferido o pedido liminar; 2) dispensada a audiência conciliatória; 3) determinada a citação da parte ré.

O(a)(s) réu(ré)(s) foi(ram) citados pessoalmente (ev(s). 17).

O(a)(s) réu(ré)(s) apresentou(aram) contestação (ev(s). 18, doc. 01). Aduziu(ram): 1) ausência de interesse processual; 2) a parte autora contratou cartão de crédito e autorizou expressamente o desconto das parcelas em seu benefício previdenciário; 3) os valores contratados foram efetivamente disponibilizados à parte autora; 4) a reserva de margem consignável é operação lícita; 5) não houve conduta ilegal de sua parte e não há provas em sentido oposto; 6) não há possibilidade de repetição. Requereu(ram): 1) o acolhimento da preliminar aventada; 2) a improcedência dos pedidos; 3) a condenação da autora em ônus sucumbenciais.

O(a)(s) autor(a)(es) apresentou(aram) réplica à contestação do(a)(s) réu (ev(s). 24). Requereu(ram) a procedência dos pedidos iniciais.

Conclusos os autos.

É o relatório necessário.

2) EXPOSIÇÃO DE RAZÕES

RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC)

A contratação de mútuo com reserva de margem consignável (RMC), na modalidade de cartão de crédito, configura operação de crédito por meio da qual há desconto direto no valor de benefício pago pela Previdência Social e destinado exclusivamente para "a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito" ou "a utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito". (Lei n. 10.820/2003, alterada pela Lei n. 13.172/2015, art. 6.º, caput e § 5.º, I e II).

Tal desconto encontra-se regulamentado pela Instrução Normativa INSS/Pres n. 28/2008 (e suas alterações posteriores), oriunda da Presidência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Com efeito, via de regra, não há ilegalidade na contratação desse tipo de operação, enquanto garantia para o recebimento de um crédito.

No caso sob escrutínio, apesar das alegações da parte autora, observo que houve, de fato, a contratação da reserva de mútuo com reserva de margem consignável, na modalidade de cartão de crédito, consoante documentos ao(à)(s) ev(s). 18, doc(s). 06.

Por sua vez, a mera alegação, genérica e não demonstrada, de vício de vontade, fraude, falta de informação, "venda casada", vulnerabilidade, hipossuficiência ou situações equivalentes, não é suficiente para eivar de ilicitude o negócio jurídico.

Não se olvida os inúmeros julgados que estabelecem a condição de ilegalidade, praticamente presumida, desse tipo de operação de crédito. Este Órgão Judiciário, entretanto, filia-se à corrente jurisprudencial contrária.

Em verdade, os contratos devem ser cumpridos, sejam eles de índole consumerista ou não, mesmo que pessoas ditas hipossuficientes por mera ficção ou presunção legal estejam envolvidas. Tais instrumentos existem para facilitar as negociações, para possibilitar a circulação efetiva de bens e direitos e para garantir o mínimo de segurança jurídica entre os contratantes, sob pena de milhões e milhões de ações aportarem ao Poder Judiciário sob o pálio das mais variadas hipossuficiências, vulnerabilidades e princípios dissonantes da realidade objetiva.

Pensar o contrário significaria dizer que, em casos como o presente, nunca seria possível estabelecer qualquer cláusula de reserva de margem consignável (cartão de crédito), porquanto sempre estaria presumida a ilegalidade a despeito de existir norma legal expressa e autorizadora da operação (Lei n. 10.820/2003, regulamentada pela IN INSS/Pres n. 28/2008). Isto é: toda e qualquer operação de empréstimo com RMC derivativa de cartão de crédito poderia, por si mesma, ser motivo de invalidação ou anulação judicial, sob o sempre alvitrado motivo de hipossuficiência universal presumida que tanto contribui para o congestionamento do Poder Judiciário e, consequentemente, para dificultar o efetivo acesso à Justiça à população.

No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, a questão já se encontra pacificada por meio do Enunciado n. XIV da Turma de Uniformização de Santa Catarina, que assim proclama (sem grifo):

Observados os termos da Lei n. 10.820/03 a da Instrução Normativa n. 28/2008-INSS, é válido o contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em benefício previdenciário, não havendo dano moral presumível no caso de sua contratação com inobservância daquelas regras.



O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a legalidade desse tipo de contratação:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. RECONSIDERAÇÃO.

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO COM DESCONTO EM FOLHA. ILICITUDE NÃO CONSTATADA.

SUMULAS 5 E 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA CONHECER DO AGRAVO A FIM DE NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

1. A decisão que não conheceu do agravo, em razão de intempestividade do recurso especial, mostra-se equivocada por ter desconsiderado a data de publicação do v. acórdão proferido nos embargos de declaração. Reconsideração.

2. No caso, o Tribunal de origem afastou a índole abusiva do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignada e declarou a legitimidade das cobranças promovidas, por concluir que a prova documental apresentada pela instituição financeira demonstrou a autorização para desconto em folha de pagamento do valor mínimo da fatura e a efetiva utilização do cartão de crédito pela autora.

3. Para derruir as conclusões a que chegou o Tribunal de origem e acolher a pretensão recursal, no sentido de se atribuir a nulidade do contrato firmado, por estar evidenciada contratação onerosa ao consumidor, seria necessário o revolvimento das provas constantes dos autos, bem como a interpretação das previsões contratuais, providências vedadas em sede de recurso especial, ante os óbices estabelecidos pelas Súmulas 5 e 7 do STJ.

4. Agravo interno provido para conhecer do agravo a fim de negar provimento ao recurso especial.

(STJ. AgInt no AREsp 1512052/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2019, DJe 08/11/2019. Sem grifo).

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CONTRATAÇÃO COMPROVADA POR PROVA DOCUMENTAL.

EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O Tribunal a quo expressamente consignou que a prova documental acostada nos autos comprova que o recorrente celebrou, através do sistema de autoatendimento e mediante utilização de cartão magnético e senha pessoal, contrato de reserva de consignação. Aduziu, ainda, que a reserva de margem consignável constituiu exercício regular de direito do banco recorrido resultante da contratação do serviço de cartão de crédito, consignando expressamente que em momento algum foi realizado qualquer desconto no benefício previdenciário do recorrente referente à reserva de margem consignável. Alterar esse entendimento demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial. Incidência da Súmula 7/STJ.

2. Agravo interno a que se nega provimento.

(STJ. AgInt no AREsp 1349476/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 11/04/2019. Sem grifo).

E do Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE COM PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES E DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AJUIZADA NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. CRÉDITO OBTIDO POR MEIO DE SAQUE EM CARTÃO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNADA. AUTOR QUE PRETENDE A DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DA OPERAÇÃO COM BASE EM VÍCIO NA AUTONOMIA DA VONTADE, SUSTENTANDO, PARA TANTO, TER SIDO LUDIBRIADO COM A PACTUAÇÃO DE CARTÃO, QUANDO, NA VERDADE, PRETENDIA APENAS A CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO PESSOAL CONSIGNADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.

RECURSO DO AUTOR.

ALEGADA A IRREGULARIDADE E INVALIDADE DO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES. TESE QUE SE MOSTRA DISSOCIADA DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS CONTIDOS NOS AUTOS...

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