Acórdão Nº 5008092-36.2021.8.24.0054 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 03-05-2022

Número do processo5008092-36.2021.8.24.0054
Data03 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008092-36.2021.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: MARIA IVONE BUTZKE (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Maria Ivone Butzke interpôs Recurso de Apelação (Evento 22, APELAÇÃO1) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na Unidade Estadual de Direito Bancário que, nos autos da "AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO E DANOS MORAIS", ajuizada em face de Banco BMG S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na inicial proposta por MARIA IVONE BUTZKE contra BANCO BMG S.A, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança fica sobrestada em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3°, do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.

Em caso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

(Evento 18, SENT1)

Em suas razões recursais, a Requerente aduziu, em apertada síntese, que: (a) "não há dúvidas que a instituição bancária fraudou o contrato apresentado, de modo que se comprova que a consumidora foi induzida a contratar empréstimo consignado em modalidade diversa da realmente pretendida"; (b) "demonstra-se que no momento da contratação a real intenção da apelante era a pactuação de empréstimo comum, caso contrário, teria utilizado o cartão para compras"; (c) "A pretensão da parte recorrente é de ver declarada a nulidade e/ou inexistência de contrato de aquisição de cartão de crédito, com a condenação do banco recorrido ao pagamento de indenização por danos morais, devolução em dobro dos valores pagos, tudo com base na existência de vício de consentimento (induzimento em erro), abusividade do contrato, falta de informação ao consumidor, extrema vantagem da casa bancária em face do consumidor"; (d) "não há outra conclusão senão a de que a consumidora foi maliciosamente redirecionada à convenção de modalidade de crédito diversa daquela efetivamente pretendida, devendo ser reconhecida a nulidade da relação jurídica entre as partes, bem como do contrato de cartão de crédito consignado" e; (e) "O ato ilícito praticado pelo apelado está para muito além de mero dissabor e aborrecimento cotidiano, pois o banco debita mensalmente parcela de natureza salarial da apelante por um serviço nunca contratado, além de imobilizar a margem consignável que teria disponível, mostrando toda a sua desídia e má-fé perante o consumidor, protagonizando um verdadeiro desserviço".

Empós o oferecimento das contrarrazões (Evento 27, CONTRAZ1) ascenderam os autos a este grau de jurisdição e distribuídos a esta relatoria.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em outubro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

A Demandante ajuizou "AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES EM DOBRO E DANOS MORAIS" em face do Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que a Autora almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento; e (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular (Evento 18, SENT1).

No caderno processual é incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto a Autora sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que a Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "Termo de adesão cartão de crédito consignado banco BMG S.A e autorização para desconto em folha de pagamento" (Evento 12, CONTR6).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Gizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário da Autora do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade da Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

A Autora é idosa, aposentada e beneficiária da gratuidade da Justiça.

Da análise do extrato de empréstimos consignados do benefício n. 048.178.064-5 da Requerente ( Evento 1, EXTR12 e Evento 1, EXTR13), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; (b) uma margem disponível para empréstimos; e (c) descontos a título de empréstimo RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente da Autora - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Outrossim, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito à Autora e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Destaco que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que a Consumidora efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

Brota não ser lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - a Aposentada realmente estava disposta a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Enfatizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha de pagamento apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que a Consumidora possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que a Hipossuficiente - acostumada a contrair consignado comum - tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

O Pergaminho Consumerista considera tais situações abusivas à luz do que dispõe o art. 39, incisos I, III e IV, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou...

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