Acórdão Nº 5008188-33.2019.8.24.0018 do Quinta Câmara de Direito Público, 22-11-2022

Número do processo5008188-33.2019.8.24.0018
Data22 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008188-33.2019.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ANA LAURA BREANSINI (AUTOR) E OUTRO APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

RELATÓRIO

Na origem, a causa foi relatada assim:

MARIA EDUARDA PAULA e ANA LAURA BREANSINI ajuizaram AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS contra ESTADO DE SANTA CATARINA.

Como fundamento do pedido, alegaram na inicial, em síntese, que: em 20/05/2018, Guilherme José Paula, irmão das autoras, estava na "Arena Motor Quente", local destinado a realização de competições automobilísticas, no interior do município de Cordilheira Alta/SC, onde conduziam motocicletas; por volta das 17h30min foram abordados por uma guarnição da polícia militar, que, após procederam a identificação dos jovens, constatou que não possuíam Carteira Nacional de Habilitação - CNH; após a autuação, a guarnição da polícia militar ordenou de forma arbitrária e ilegal que os adolescentes empurrassem as motocicletas; ocorre que Guilherme José Paula, desde o nascimento, apresentava problemas cardíacos, necessitando fazer o uso de medicamentos e acompanhamento médico constante, tendo inclusive passado por cirurgia cardíaca com cinco meses de vida; devido ao repentino esforço físico que foi forçado a realizar ao acatar a ordem policial, teve um mal súbito e faleceu no local; os policiais declararam que não havia local para a guarda das motocicletas, por isso os adolescentes deveriam empurrá-las até suas residências; a autoridade policial concluiu que Guilherme José Paula teve um mal súbito enquanto empurrava sua motocicleta; Guilherme faleceu no interior de Cordilheira Alta/SC, quando era forçado a empurrar sua motocicleta em sentido oposto à sua moradia, o que presume que não estaria se direcionando até sua residência, situação que desqualifica a tese dos policiais militares que participaram no evento; o conjunto familiar era composto pela autora, seu filho Guilherme José Paula, Maria Eduarda Paula e Ana Laura Breansini, irmãs do de cujus e pelo padrasto de Guilherme, Ederson Breansini, todos dependentes financeiramente dos proventos de Guilherme, pois ele e a autora eram os únicos responsáveis pelo sustento da família. Requereram a condenação do réu ao pagamento de danos morais em favor dos autores. Ao final, postularam a produção ampla de provas e a procedência dos pedidos iniciais. Formularam os demais requerimentos de praxe, valoraram a causa e juntaram documentos.

Citado, o réu ofereceu contestação, arguindo, em suma, que: a diligência foi realizada por solicitação do COPOM/Chapecó, pois alguns jovens estariam efetuando manobras perigosas e perturbando os moradores com as motocicletas; os policiais militares não utilizaram de qualquer meio capaz de causar mal aos adolescentes, apenas orientaram quanto à impossibilidade de se permitir que pilotassem as motocicletas, ante a falta de habilitação; não há responsabilidade estatal quando inexiste a demonstração de uma conduta antijurídica, como na hipótese em que os policiais atuaram no estrito cumprimento do dever legal; a atuação policial se deu dentro dos parâmetros legais e gozam de presunção de legitimidade e veracidade; inexistência de nexo de causalidade e culpa exclusiva da vítima ou subsidiariamente, concorrente da vítima; imprevisibilidade e inevitabilidade do fato, caso fortuito ou força maior; não há comprovação de dano moral e o valor pretendido é exorbitante. Requereu a improcedência dos pedidos.

Houve réplica.

O Ministério Público postulou o saneamento do feito.

As partes especificaram provas.

Em decisão saneadora, consignou-se que os documentos necessários ao deslinde da causa já foram analisados nos autos relacionados (n. 5005546-87.2019.8.24.0018) e que as provas de ambos os processos serão analisadas conjuntamente para proferição da sentença.

Na audiência de instrução e julgamento realizada nos autos relacionados foram ouvidas seis testemunhas arroladas pelas partes.

As partes apresentaram alegações finais.

Os pedidos foram julgados improcedentes.

As autoras, então, recorrem.

Insistem que a morte de seu irmão ocorreu em virtude da atuação estatal, pois só se deu em razão de esforço físico exacerbado para cumprir punição vexatória imposta pelas autoridades policiais (de empurrar a motocicleta por longo período) após ele ter sido pego dirigindo sem carteira de habilitação. Defendem que a atuação dos agentes públicos foi ilegal, porque cometida com evidente abuso e excesso, sobretudo porque o Código Nacional de Trânsito "não autoriza a realização de outra medida administrativa que não seja a retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado". Em outros termos, os policiais não poderiam ter determinado que o rapaz empurrasse a motocicleta (fato que causou o mal súbito pelo enorme esforço físico realizado). Deveriam ter retido o veículo até a chegada de condutor habilitado ou, em última hipótese, removido a motocicleta para depósito apropriado. Inclusive, o fato de inexistir local para apreensão também não exime o Poder Público, uma vez que "proporcionar local adequado para aguarda de veículos apreendidos compreende obrigação específicas do ente público". Quer dizer, caso o réu "não fosse omisso e possuísse a estrutura adequada para fiscalização de transito, o falecido não iria precisar empurrar sua moto e consequentemente não sofreria o mal súbito".

Nas contrarrazões se defendeu a manutenção da sentença.

A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo conhecimento e provimento do recurso.

VOTO

1. O Juiz Rogério Carlos Demarchi fez esta análise dos fatos:

É incontroverso que após a abordagem policial e a constatação de que Guilherme e outros adolescentes que estavam no local com motocicletas sem a devida habilitação, houve orientação policial de que não poderiam conduzi-las, ocasião em que o Guilherme e outros dois adolescentes saíram empurrando suas motos, enquanto o pai de outro adolescente carregou outras duas em seu veículo, o que foi autorizado pelos policiais.

Todavia, após o distanciamento dos policiais da ocorrência, Guilherme teria tido um mal súbito e veio a óbito no local.

As divergências residem sobre como foi a abordagem e as razões pelas quais Guilherme precisou empurrar sua motocicleta para sair do local, bem como se houve excessos praticados pela guarnição que atendeu a ocorrência.

Do Boletim de Ocorrência extrai-se (Evento 1, out14, p. 4):

"Este plantão recebeu a ligação da central de emergência da polícia militar informando que havia um homem de aproximadamente 20 anos que havia tido um mal súbito enquanto empurrava sua motocicleta em uma estrada de chão, acesso a SC 157. Que foi chamado o IML, chegando ao local foi feito contato com os policiais militares que informaram que haviam abordado um grupo de jovens e que estes teriam que empurrar as motocicletas até em casa. Que logo que a viatura saiu do local, Guilherme José Paula estava empurrando a sua motocicleta aproximadamente 40 m atrás de seus dois amigos, quando veio a cair ao lado da motocicleta. Que em contato com o amigo que estava no local, este informou que escutou um barulho e quando olhou para trás viu seu amigo caído, convulsionando. Que chamou a polícia, porém eles não escutaram . Que ligaram para o corpo de bombeiros porém relata que seu amigo convulsionou por aproximadamente 5 minutos. Que em contato com o pai Adão no local e uma conhecida da família que trabalha no posto de saúde, informaram que o Guilherme tinha problemas de insuficiência cardíaca e...

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