Acórdão Nº 5008336-61.2021.8.24.0022 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 14-07-2022

Número do processo5008336-61.2021.8.24.0022
Data14 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008336-61.2021.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ELIZABETE TEREZINHA FERREIRA (AUTOR) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

ELIZABETE TEREZINHA FERREIRA interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Elton Vitor Zuquelo, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO PAN S.A., em curso perante o juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Curitibanos, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Elizabete Terezinha Ferreira qualificada, ajuizou AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL, CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS contra Banco Pan S.A. também qualificado, ao argumento de que percebe benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez, NB: 515.667.618-5 e, nesta condição, realizou contratos de empréstimos consignados em vários Bancos, inclusive junto ao Réu. Relata que acreditava estar realizando mais um empréstimo nesta modalidade, sendo informada que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício, conforme sistemática de pagamento dos empréstimos consignados. Entretanto, informa que foi surpreendida com o desconto de Reserva de Margem Consignável de Cartão de Crédito - RMC, dedução muito diferente do empréstimo consignado almejado. Afirma que nunca recebeu o cartão de crédito, tão pouco utilizou-se dele para algo, e mesmo assim estão ocorrendo descontos em seu benefício. Esclarece que os serviços em momento algum foram solicitados ou, contratados, já que apenas requereu e autorizou empréstimo consignado e não via cartão de crédito. Aduz que a modalidade de empréstimo via cartão, na prática, é impagável, pois, ao realizar a reserva da margem de 5% e efetuar o desconto do valor mínimo diretamente nos proventos da parte autora, debita-se mensalmente apenas os juros e encargos de refinanciamento do valor total da dívida. Postula a tutela de urgência. Apresenta sua fundamentação jurídica e demais argumentos a seu favor. Junta documentos. Pede a procedência.

Citado, o banco Réu contesta o feito levantando prejudicial de mérito pela prescrição. Meritualmente, alega que houve solicitação para emissão do cartão de crédito, cuja pactuação se deu através de contrato escrito, e que o valor foi liberado na modalidade de antecipação do crédito diretamente na conta da autora, e de uso dos valores mediante saques. Disse que essas condições foram previamente esclarecidas a postulante, que as aceitou e utilizou regularmente os serviços fornecidos pela parte acionada. A alegação de desconhecimento nesses casos é inadmissível, pois o negócio jurídico é legal, houve cumprimento do dever de informação e uso dos serviços, sendo impositiva a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos.

Houve réplica.

DECISÃO:

Prescindível a colheita de outras provas, visto como as questões postas são eminentemente de direito.

Suscita o réu ocorrência de prescrição com relação à restituição dos valores indevidos, alegando ser de três anos o prazo prescricional nos termos do art. 206, § 3º do Código Civil. Contudo, razão não lhe assiste.

No caso dos autos, configura-se relação de consumo, sendo o prazo prescricional regulado pelo art. 27 do CDC, que estabelece cinco anos para prescrição em decorrência de defeito do produto ou do serviço. Conta-se o prazo a partir da data do desconto indevido, o qual, no caso concreto, dá-se mês a mês e por isso não há prescrição a ser declarada. O precedente confirma:

"É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido" (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019). (TJSC/ AC n. 0300058-31.2019.8.24.0060. Rel.: Des. Robson Luz Varella. Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Comercial. Julgado em: 03/12/2019).

Atendendo a relação de consumo entre as partes, aplica-se ao julgamento desta ação o Código de Defesa ao Consumidor.

Meritualmente, sabe-se que a modalidade de contratação de empréstimos via reserva de margem consignável foi autorizada pela medida provisória nº 681/2015, que foi convertida na lei nº 13.172/2015.

Portanto, possível a legalidade do negócio jurídico, desde que estabelecido de acordo com a norma específica regencial, quer dizer, instrução normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008 - Dou de 19/05/2008, que, em seu art. 15, prevê:

Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:

I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade;

II - a instituição financeira poderá cobrar até R$15,00 (quinze reais) de taxa pela emissão do cartão que, a critério do beneficiário, poderá ser parcelada em até três vezes.

Inobstante a previsão regencial para constituição de reserva de margem consignável, há de se atentar para a necessidade de solicitação formal firmada pelo titular do benefício para instituição da margem consignável.

Apresenta o Banco réu, contrato realizado entre as partes, no evento 12.2. O documento prevê a liberação de valor para a conta corrente titularizada pela postulante. A contratante apôs sua assinatura e recebeu o crédito, daí que se consideram autênticas as peças.

Ademais disso, consoante histórico anexado junto ao evento n. 12.2, pg. 8, na época da negociação, não poderia a autora ter contratado empréstimo consignado comum, pois a margem destinada àquela modalidade estava ocupada em sua totalidade. Considerando o montante contratado, só poderia a consumidora usufruir dos valores utilizando a porcentagem disponível junto à RMC.

Dos demais documentos, verifica-se as faturas vinculadas ao cartão de crédito contratado com devido abatimento de saldo devedor, evento n. 12.6, bem como a liberação de valores em favor da autora, evento n. 12.6, pg. 83 a 85.

Em circunstâncias assim, não se reconhece o alegado vício de consentimento, nem a fraude imputada ao réu. Pelo que se repele a tese de que a mutuária desconhecia o contrato negociado.

Outrossim, a liberação de crédito por documento hábil que não via saque junto ao próprio contrato de cartão de crédito, com envio ou não do plástico a consumidora, não autoriza interpretação que se trata de negócio diverso, máxime quando expressamente contratada.

No contrato, dados relevantes:

TERMO DE ADESÃO AO REGULAMENTO PARA UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO PAN

AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO - ADF: Desde que o PAN possua convênio vigente com a minha Fonte Pagadora permitindo o pagamento de faturas mediante consignação em folha de pagamento, de forma irrevogável e irretratável (i) AUTORIZO que minha Fonte Pagadora reserve margem consignável dos meus vencimentos até o limite legal, para o pagamento parcial ou integral das minhas faturas; (ii) DECLARO que possuo margem consignável disponível, bem como que tenho conhecimento de que eventuais valores que sobejarem a minha margem consignável deverão ser pagos por meio da fatura emitida pelo PAN.

Com efeito, os termos contratuais aos quais aderiu a parte autora são claros, afastando-se a alegação de vícios e falta de informação, evidenciado a natureza própria de adesão a cartão de crédito e, diante da regulação normativa específica, não há que se falar na anulação do avençado:

Certo que o contrato de empréstimo por meio de saque via cartão de crédito "RMC - RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL" tem previsão legal e regulamentar e, desde que a contratação esteja provada e o valor efetivamente liberado em favor do autor pela instituição financeira, o negócio é legítimo. (TJSC, Recurso Inominado n. 0300075-72.2017.8.24.0083, de Correia Pinto, rel. Des. Sílvio Dagoberto Orsatto, Sexta Turma de Recursos - Lages, j. 22-03-2018).

Entrementes, embora fosse viável verificar se a taxa de juros praticada atende à instrução normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008 - Dou de 19/05/2008, há precedente no sentido de que essa providência só pode ser adotada em havendo pedido expresso da parte autora, sob pena da sentença ser considerada extra petita. Precedente:

PRONUNCIAMENTO "EX OFFICIO" NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA POR JULGAMENTO "EXTRA PETITA". CIRCUNSTÂNCIA QUE PODE E DEVE SER CONSTATADA E DECLARADA, DE OFÍCIO, NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO, POR FORÇA DO EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO. INICIAL QUE NÃO CONTEMPLA FUNDAMENTAÇÃO E NEM PEDIDO PARA REVISÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS PREVISTA NO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES, MAS SE INSURGE ESSENCIALMENTE CONTRA O TIPO DE CRÉDITO E NATUREZA DA OPERAÇÃO CONTRATADA. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS QUE REPRESENTA REVISÃO CONTRATUAL PROMOVIDA DE OFÍCIO, VEDADA PELO ORDENAMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO. ARTIGOS. 141 E 492 DO CPC/2015. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA QUE DEMANDA A CASSAÇÃO DA SENTENÇA NO PONTO EM QUE ESTA EXORBITA OS LIMITES OBJETIVOS DA LIDE, 2 Gabinete Desembargador Luiz Zanelato AFASTANDO-SE A LIMITAÇÃO IMPOSTA AOS JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADOS, E O RECÁLCULO DO SALDO DEVEDOR, DELA DECORRENTE, DETERMINADO NA SENTENÇA. (Apelação Cível n. 0301100-75.2018.8.24.0022, de Curitibanos Relator: Desembargador Luiz Zanelato).

Em casos tais, tendo o juízo se pronunciado...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT