Acórdão Nº 5008339-16.2021.8.24.0022 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 21-07-2022

Número do processo5008339-16.2021.8.24.0022
Data21 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008339-16.2021.8.24.0022/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: NERLI MUNIZ (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Nerli Muniz interpôs recurso de apelação cível em face da sentença, que, proferida pelo magistrado Elton Vitor Zuquelo do juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Curitibanos, julgou improcedentes os pedidos formulados na ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável cumulada com restituição de valores e indenização por danos morais por ela ajuizada em face da instituição financeira apelada, Banco BMG SA, nos seguintes termos (evento 20, autos do 1º grau):

Nerli Muniz qualificada, ajuizou AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL, CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER, RESTITUIÇÃO DE VALORES E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS contra Banco BMG S.A também qualificado, ao argumento de que percebe benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez, NB: 546.164.716-9 e, nesta condição, realizou contratos de empréstimos consignados em vários Bancos, inclusive junto ao Réu. Relata que acreditava estar realizando mais um empréstimo nesta modalidade, sendo informada que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício, conforme sistemática de pagamento dos empréstimos consignados. Entretanto, informa que foi surpreendida com o desconto de Reserva de Margem Consignável de Cartão de Crédito - RMC, dedução muito diferente do empréstimo consignado almejado. Afirma que nunca recebeu o cartão de crédito, tão pouco utilizou-se dele para algo, e mesmo assim estão ocorrendo descontos em seu benefício. Esclarece que os serviços em momento algum foram solicitados ou, contratados, já que apenas requereu e autorizou empréstimo consignado e não via cartão de crédito. Aduz que a modalidade de empréstimo via cartão, na prática, é impagável, pois, ao realizar a reserva da margem de 5% e efetuar o desconto do valor mínimo diretamente nos proventos da parte autora, debita-se mensalmente apenas os juros e encargos de refinanciamento do valor total da dívida. Postula a tutela de urgência. Apresenta sua fundamentação jurídica e demais argumentos a seu favor. Junta documentos. Pede a procedência.

Citado, o banco Réu contesta o feito levantando prejudicial de mérito pela prescrição e decadência. Meritualmente, alega que houve solicitação para emissão do cartão de crédito, cuja pactuação se deu através de contrato escrito, e que o valor foi liberado na modalidade de antecipação do crédito diretamente na conta da autora, e de uso dos valores mediante saques. Disse que essas condições foram previamente esclarecidas à postulante, que as aceitou e utilizou regularmente os serviços fornecidos pela parte acionada. A alegação de desconhecimento nesses casos é inadmissível, pois o negócio jurídico é legal, houve cumprimento do dever de informação e uso dos serviços, sendo impositiva a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos.

Houve réplica.

DECISÃO:

Prescindível a colheita de outras provas, visto como as questões postas são eminentemente de direito.

Suscita o réu ocorrência de prescrição com relação à restituição dos valores indevidos, alegando ser de três anos o prazo prescricional nos termos do art. 206, § 3º do Código Civil. Contudo, razão não lhe assiste.

No caso dos autos, configura-se relação de consumo, sendo o prazo prescricional regulado pelo art. 27 do CDC, que estabelece cinco anos para prescrição em decorrência de defeito do produto ou do serviço. Conta-se o prazo a partir da data do desconto indevido, o qual, no caso concreto, dá-se mês a mês e por isso não há prescrição a ser declarada. O precedente confirma:

"É assente o entendimento desta Corte Superior que em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC e o termo inicial do prazo prescricional, é a partir da data em que ocorreu a lesão, ou seja, a data do pagamento/desconto indevido" (STJ,AREsp 1.539.571/MS, rel. Ministro Raul Araújo, j. em 24/9/2019). (TJSC/ AC n. 0300058-31.2019.8.24.0060. Rel.: Des. Robson Luz Varella. Orgão Julgador: Segunda Câmara de Direito Comercial. Julgado em: 03/12/2019).

Rejeita-se a preliminar de decadência. Em se tratando de pretensão declaratória de inexistência do negócio jurídico, cumulada com indenização, a jurisprudência posiciona-se pela incidência da prescrição ordinária decenal, consoante art. 205 do Código Civil. É o precedente:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL EM CARTÃO DE CRÉDITO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA. ADMISSIBILIDADE RECURSAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RAZÕES RECURSAIS CLARAS E PONTUAIS. PRELIMINARES.DECADÊNCIA REITERADA EM SEDE DE CONTRARRAZÕES. MEIO IMPRÓPRIO. BOA TÉCNICA PROCESSUAL NÃO OBSERVADA. DECADÊNCIA QUE NÃO ALCANÇA O DIREITO DA PARTE AUTORA PORQUE A DEMANDA BUSCA A DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E A REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. PRESCRIÇÃO. CONTRATO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. BUSCA PELA DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO E PELA CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS (REPETIÇÃO DE INDÉBITO). HIPÓTESE QUE NÃO CONFIGURA FATO DE CONSUMO. PRAZO PRESCRICIONAL DO ARTIGO 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR INAPLICÁVEL A ESPÉCIE. PREVALÊNCIA DA REGRA GERAL DA LEI CIVIL. PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL TANTO PARA A PRETENSÃO DECLARATÓRIA, QUANTO PARA O PEDIDO CONDENATÓRIO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E EDESTA CORTE. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. DANO MORAL INCONTROVERSO. DEBATE ACERCA DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. MONTANTE INFERIOR AO ENTENDIMENTO DESTE COLEGIADO. MAJORAÇÃO NECESSÁRIA. SENTENÇA MODIFICADA SOMENTE NESTE PONTO. DEVOLUÇÃO DO VALOR RECEBIDO. DOCUMENTO QUE COMPROVA A TRANSFERÊNCIA DE VALORES À PARTE AUTORA. NEGÓCIO JURÍDICO ANULADO. DEVER DE RESTITUIR O MONTANTE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.(5005062-20.2020.8.24.0024 (Acórdão do Tribunal de Justiça) 24/06/2021)

Atendendo a relação de consumo entre as partes, aplica-se ao julgamento desta ação o Código de Defesa ao Consumidor.

Meritualmente, sabe-se que a modalidade de contratação de empréstimos via reserva de margem consignável foi autorizada pela medida provisória nº 681/2015, que foi convertida na lei nº 13.172/2015.

Portanto, possível a legalidade do negócio jurídico, desde que estabelecido de acordo com a norma específica regencial, quer dizer, instrução normativa INSS/PRES nº 28, de 16 de maio de 2008 - Dou de 19/05/2008, que, em seu art. 15, prevê:

Art. 15. Os titulares dos benefícios previdenciários de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão constituir RMC para utilização de cartão de crédito, de acordo com os seguintes critérios, observado no que couber o disposto no art. 58 desta Instrução Normativa:

I - a constituição de RMC somente poderá ocorrer após a solicitação formal firmada pelo titular do benefício, por escrito ou por meio eletrônico, sendo vedada à instituição financeira: emitir cartão de crédito adicional ou derivado; e cobrar taxa de manutenção ou anuidade;

II - a instituição financeira poderá cobrar até R$15,00 (quinze reais) de taxa pela emissão do cartão que, a critério do beneficiário, poderá ser parcelada em até três vezes.

Inobstante a previsão regencial para constituição de reserva de margem consignável, há de se atentar para a necessidade de solicitação formal firmada pelo titular do benefício para instituição da margem consignável.

Apresenta o Banco réu, contrato realizado entre as partes, no evento 12.1. O documento prevê a liberação de valor para a conta corrente titularizada pela postulante. A contratante apôs sua assinatura e recebeu o crédito, daí que se consideram autênticas as peças.

Ademais disso, consoante histórico anexado junto ao evento n. 12.1, pg. 9, na época da negociação, não poderia a autora ter contratado empréstimo consignado comum, pois a margem destinada àquela modalidade estava ocupada em sua totalidade. Considerando o montante contratado, só poderia a consumidora usufruir dos valores utilizando a porcentagem disponível junto à RMC.

Dos demais documentos, verifica-se as faturas vinculadas ao cartão de crédito contratado com devido abatimento de saldo devedor, eventos n. 12.3, bem como a liberação de valores em favor da autora, eventos n. 12.2.

Em circunstâncias assim, não se reconhece o alegado vício de consentimento, nem a fraude imputada ao réu. Pelo que se repele a tese de que a mutuária desconhecia o contrato negociado.

Outrossim, a liberação de crédito por documento hábil que não via saque junto ao próprio contrato de cartão de crédito, com envio ou não do plástico à consumidora, não autoriza interpretação que se trata de negócio diverso, máxime quando expressamente contratada.

No contrato, dados relevantes:

TERMO DE ADESÃO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO BANCO BMG E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO

VIII- AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO: 8.1. Através do presente documento o(a) ADERENTE/TITULAR autoriza a sua fonte pagadora/empregadora, de forma irrevogável e irretratável, a realizar o desconto mensal em sua remuneração/salário/benefício, em favor do BANCO BMG S.A. para o pagamento correspondente ao valor mínimo indicado n.a fatura mensal do cartão de crédito consignado ora contratado. 8.2. O(A) ADERENTE/TITULAR declara que está de acordo com o valor a ser averbado, conforme disposto no quadro IV.

Com efeito, os termos contratuais aos quais aderiu a parte autora são claros, afastando-se a alegação de vícios e falta de informação, evidenciado a natureza própria de adesão a cartão de crédito e, diante da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT