Acórdão Nº 5008368-23.2021.8.24.0004 do Terceira Câmara de Direito Comercial, 04-05-2023

Número do processo5008368-23.2021.8.24.0004
Data04 Maio 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5008368-23.2021.8.24.0004/SC



RELATOR: Desembargador JAIME MACHADO JUNIOR


APELANTE: JOSE DA SILVA MACIEL (AUTOR) ADVOGADO(A): GUSTAVO PALMA SILVA (OAB SC019770) ADVOGADO(A): Stephany Sagaz Pereira (OAB SC035218) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO(A): CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885)


RELATÓRIO


JOSE DA SILVA MACIEL interpôs recurso de apelação contra sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Araranguá que, nos autos da Ação de Restituição cumulada com Indenização por Dano Moral com Pedido de Tutela Provisória de Urgência Antecipada ajuizada em face do BANCO BMG S.A, julgou improcedentes os pedidos iniciais, cujo dispositivo restou assim vertido:
Diante do exposto, resolvo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC, e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% sobre o valor da causa, cuja cobrança fica suspensa pelo prazo legal em face de litigar ao abrigo do benefício da Justiça Gratuita.
Ao Cartório para que atualize o cadastro dos autos, com remoção da pendência de apreciação de liminar/tutela de urgência.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Havendo a interposição de recurso, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo legal e, observando-se o disposto no art. 1.010, §3º, do CPC, ascendam os autos ao E. Tribunal de Justiça, com as anotações de estilo.
Transitada em julgado, e cumpridas as formalidades, arquivem-se. (Evento 31).
Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, o demandante discorreu acerca da relação contratual estabelecida com o banco e defendeu, em suma, a invalidade do pacto entabulado (cartão de crédito com reserva de margem consignável) e dos descontos efetuados junto ao seu benefício previdenciário. Aduziu que buscou a casa bancária a fim de realizar empréstimo consignado e não contratar cartão de crédito, como de fato ocorreu, partindo-se daí o consentimento equivocado, pois acreditava estar realizando empréstimo e não aderindo a cartão de crédito, com desconto operado diretamente em sua aposentadoria a título de pagamento mínimo de fatura de cartão de crédito que sequer fora utilizado, pelo que busca a declaração de inexistência do negócio jurídico estabelecido.
Pontuou, ainda, a presença dos requisitos autorizadores da responsabilidade civil, além da ocorrência de danos morais passíveis de compensação pecuniária, ao passo que a instituição financeira não agiu no exercício regular de direito (Evento 36).
Em sede de contrarrazões (Evento 41), preliminarmente, a casa bancária pugnou pelo reconhecimento do prazo prescricional de 3 (três) anos para os pleitos de cobranças indevidas de valores referentes a serviços não contratados, além de arguir a decadência, pelo que reivindicou a extinção do feito. Pontuou a ausência de tentativa de resolução do conflito pela via administrativa. Sustentou, ademais, a necessidade de intimação da parte autora para noticiar o seu conhecimento acerca do ajuizamento da demanda, sob a alegação de prática de conduta temerária ante o reiterado ajuizamento de ações praticamente idênticas pelo seu procurador. Em caso de resposta negativa, requereu a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à Autoridade Policial para que seja apurado os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta típica, além de postular a condenação do causídico em litigância de má-fé.
Este é o relatório

VOTO


Considerando que o decisum objurgado restou proferido sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, a análise do reclamo ficará a cargo do mencionado diploma legal.
Em sede preliminar de contrarrazões, a instituição financeira alegou que os pleitos de cobranças indevidas de valores referentes a serviços não contratados encontram-se fulminados pela prescrição trienal.
Pontuou, ainda, a decadência do direito, sob o argumento de que o prazo decadencial nos casos deste jaez, em que se requer a anulação do negócio jurídico, é de 04 (quatro) anos, à luz do art. 178 do Código Civil.
Contudo, razão não lhe assiste.
Isso porque o art. 178 do Código Civil, em seus incisos I e II, prevê que o prazo de decadência quadrienal refere-se a negócios jurídicos firmado sob coação (inciso I), erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão (inciso II), isto é, quando da ocorrência de vícios de validade do pacto.
No entanto, o caso dos autos resta circunscrito a defeito na prestação do serviço bancário, com a violação do dever de informação, na forma do art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, voltando-se, pois, ao plano da eficácia do negócio jurídico.
Sobre a temática, colhe-se da doutrina de Flávio Tartuce:
Anote-se que não se podem confundir os vícios do negócio jurídico com os vícios redibitórios ou vícios do produto. Os primeiros atingem os negócios jurídicos em geral, mais especificamente a manifestação da vontade ou a órbita social [..]. Os últimos atingem os contratos, particularmente o objeto de uma disposição patrimonial. [...] Ressalte-se que os vícios ou defeitos do negócio jurídico estão no seu plano da validade, enquanto que os vícios redibitórios e os vícios do produto estão no plano da eficácia do contrato correspondente (In Manual de Direito Civil: volume único. 6 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2016, p. 253).
Nessa perspectiva, levando-se em conta a causa de pedir, os aspectos do direito violado e a natureza da ação proposta - condenatória e de ressarcimento dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais oriundos do não cumprimento do dever de informação pela instituição financeira - entende-se que não se revela aplicável o instituto da decadência, mas tão somente o prazo prescricional estabelecido no art. 27 do CDC.
Em casos como o presente, já se manifestou esta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. DECADÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DADA A NATUREZA DA DEMANDA. PRESCRIÇÃO ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES. INOCORRÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. PRAZO QUINQUENAL QUE SE INICIA NA DATA EM QUE OCORRIDO O ÚLTIMO DESCONTO. EXEGESE DO ARTIGO 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E ENTENDIMENTO ADOTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONSUMIDOR QUE PRETENDIA OBTER EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. EFETIVAÇÃO DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DESCONTOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DESTINADOS AO PAGAMENTO MÍNIMO INDICADO NA FATURA DO CARTÃO, RESULTANDO NA CONTRATAÇÃO DE CRÉDITO ROTATIVO. FORMA DE ADIMPLEMENTO E TAXA DE JUROS INCOMPATÍVEIS COM A MODALIDADE CONSIGNADA. PRÁTICA ABUSIVA. ADEQUAÇÃO DO CONTRATO QUE SE IMPÕE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(TJSC, Apelação n. 5000069-12.2021.8.24.0019, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cláudio Barreto Dutra, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 29-04-2021).
Dito isso, passando-se à análise da prescrição, o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que: "Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria".
Em se tratando de pacto de trato sucessivo pertinente aos descontos no benefício previdenciário do consumidor, a jurisprudência pátria consolidou-se no sentido de que o termo inicial para o cômputo do prazo prescricional é a data do último desconto, conforme os precedentes a seguir colacionados:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em se tratando de pretensão de repetição de indébito decorrente de descontos indevidos, por falta de contratação de empréstimo com a instituição financeira, ou seja, em decorrência de defeito do serviço bancário, aplica-se o prazo prescricional do art. 27 do CDC. 2. O termo inicial do prazo prescricional da pretensão de repetição do indébito relativo a desconto de benefício previdenciário é a data do último desconto indevido. Precedentes. 3. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, AgInt no AREsp n. 1.412.088/MS, rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, j. em 27- 08 -2019 - Grifou-se).
No mesmo sentido, esta Corte de Justiça Catarinense vem decidindo:
APELAÇÃO CÍVEL. DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO C/C PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA.PRESCRIÇÃO SUSCITADA EM CONTRARRAZÕES. INSUBSISTÊNCIA. INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL À ESPÉCIE. ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DO STJ. TERMO INICIAL. DATA DO ÚLTIMO DESCONTO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO E AFRONTA AO DEVER DE INFORMAÇÃO. CONFIGURAÇÃO. PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. CONTRATO NÃO ACOSTADO AOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR SE O PACTO FOI REDIGIDO DE FORMA CLARA E PRECISA E COM INDICAÇÃO DOS ENCARGOS PACTUADOS. OFENSA AO ART. 52 DO CDC.HONORÁRIOS RECURSAIS. NÃO CABIMENTO.RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO (TJSC, Apelação n. 5004741-72.2020.8.24.0092, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Janice Goulart Garcia Ubialli, Quarta Câmara de Direito Comercial, j. 09-02-2021).
E não destoa o entendimento deste Órgão Fracionário, vejamos:
AGITADA PRESCRIÇÃO DA AÇÃO NO...

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