Acórdão Nº 5008500-44.2020.8.24.0092 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 05-10-2021

Número do processo5008500-44.2020.8.24.0092
Data05 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008500-44.2020.8.24.0092/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: JUAREZ DE OLIVEIRA (AUTOR) ADVOGADO: ROBERTO CASECA DOS SANTOS (OAB SC043555) ADVOGADO: GREGORY PEDRO VIEIRA STANISZEWSKI (OAB SC043557) ADVOGADO: ALVINO GABRIEL DE NOVAES MENDES (OAB SC051633) APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

Juarez de Oliveira ajuizou ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais (RMC) em desfavor de Banco Pan S.A, ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contratação de cartão de crédito que aduz ter sido realizada mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

O Togado concedeu o beneplácito da justiça gratuita à parte autora (evento 3).

Contestação da casa bancária (evento 10).

Réplica (evento 15).

Ato contínuo, sobreveio sentença da qual se extrai a seguinte parte dispositiva (evento 17):

Ante o exposto e, por tudo mais dos autos consta, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial por JUAREZ DE OLIVEIRA em face de BANCO PAN S.A..

Ante o princípio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ex vi do artigo 85, § 2.º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (CPC, art. 98, §3.º).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, observadas as formalidades de praxe, arquivem-se os autos.

Irresignada com o decisum de primeiro grau, a parte autora apresentou recurso de apelação (evento 23), pugnando pela reforma da sentença vergastada para: a) reconhecer a nulidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC); b) repetição do indébito em dobro; c) deferir a condenação da casa bancária por dano moral; d) condenação da parte ré em custas e honorários advocatícios.

Contrarrazões (evento 25).

Juntada de documentação complementar pela instituição financeira (evento 26 e 28).

Manifestação da parte autora (evento 27).

Por conseguinte, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

É o relato do necessário.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente ação declaratória de nulidade contratual e inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais (RMC) julgou improcedentes os pedidos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Antes de adentrar ao mérito da peça recursal, imperioso reconhecer a preclusão da juntada de documentos novos (evento 26 e 28) pela casa bancária recorrente.

É cediço que a juntada de documentos após a inicial ou contestação só é admissível apenas nos casos descritos no art. 435 do CPC, veja-se:

Art. 435: É lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos.

Esta Câmara já proferiu entendimento a respeito da matéria:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECURSO DO BANCO RÉU. JUNTADA DE DOCUMENTOS, INCLUSIVE DO CONTRATO OBJETO DE DISCUSSÃO DOS AUTOS, EM SEDE RECURSAL - AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO EM TEMPO E MODO OPORTUNOS - IMPOSSIBILIDADE DE EXIBIÇÃO EXTEMPORÂNEA - INSTRUMENTOS QUE NÃO SE REVELAM COMO NOVOS - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 434 E 435 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - PRECLUSÃO CONFIGURADA.

A juntada de novos documentos pelo autor e réu, posteriormente à inicial e contestação, respectivamente, somente é admitida de forma excepcional (CPC, art. 434).

Nos termos do art. 435 da Lei Adjetiva Civil, "é lícito às partes, em qualquer tempo, juntar aos autos documentos novos, quando destinados a fazer prova de fatos ocorridos depois dos articulados ou para contrapô-los aos que foram produzidos nos autos".

"In casu", houve a apresentação, pelo banco apelante, de contrato bancário, extratos, fichas cadastrais, entre outros, objetivando atestar a existência de relação jurídica, apenas nesta Instância, de sorte que não podem ser assentidos, tendo em vista a impossibilidade de seus enquadramentos no conceito de documentos novos, pois já existiam e eram de conhecimento da referida parte no momento de oferecimento da contestação. [...] (Apelação Cível n. 0301356-14.2015.8.24.0025, de Gaspar, rel. Robson Luz Varella, j. 3-3-2020).

Assim, impossível é a análise da referida documentação, haja vista sua juntada extemporânea.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i) legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão ao Regulamento para Utilização do Cartão de Crédito Consignado Pan" (evento 10, ANEXO3).

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura do requerente, ora apelante, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção do demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo consignado, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que de acordo com as faturas da referida avença apresentadas pela casa bancária, não há provas que houve a utilização do cartão de crédito pela parte demandante para compras ou serviços. Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da recorrida, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da autora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção do requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa...

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