Acórdão Nº 5008593-87.2021.8.24.0054 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 03-05-2022

Número do processo5008593-87.2021.8.24.0054
Data03 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008593-87.2021.8.24.0054/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: OSMAR AIFLER (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Osmar Aifler interpôs Recurso de Apelação (Evento 24, APELAÇÃO1) contra sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na Unidade Estadual de Direito Bancário que, nos autos da "AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA c/c PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL c/c REPETICAO DE INDÉBITO", ajuizada em face de Banco BMG S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais formulados por OSMAR AIFLER contra BANCO BMG S.A, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários, estes fixados em 10% do valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC), cuja exigibilidade fica suspensa em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita (evento 4).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Oportunamente, arquivem-se.

Em caso de apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e, em seguida, remetam-se os autos ao egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

(Evento 19, SENT1)

Em suas razões recursais, o Requerente aduziu, em apertada síntese, que: (a) "ingressou com a presente demanda demonstrando, em síntese, que realizou, em outras oportunidades, empréstimos consignados com a instituição financeira Recorrida, os quais são descontados mensalmente no benefício previdenciário, mas que nunca pretendeu contratar os serviços de cartão de crédito consignado - RMC"; (b) "sempre desejou CONTRATAR EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NORMAL/TRADICIONAL o qual é descontado mensalmente do valor proveniente do seu benefício previdenciário! Porém o objeto da presente demanda é o desconto indevido referente ao EMPRÉSTIMO SOBRE A RMC, bem como a RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC), da qual a parte Recorrente NUNCA OBJETIVOU CONTRATAR"; (c) "Logo, o contrato juntado no (Evento 12, CONTR4), apenas concretiza a prática realizada pela Recorrida, induzindo o consumidor a acreditar ter realizado um empréstimo consignado "normal", porém, os descontos realizados diretamente do benefício previdenciário do cliente se limitam a pagar apenas os encargos do cartão supostamente utilizado, tornando, assim, a dívida impagável!"; (d) "é majoritária a jurisprudência deste tribunal catarinense, bem como, se poderia juntar dezenas de outros julgados todos no mesmo sentido destes apresentados, dando total guarida ao pleito de condenação em danos morais quanto ao ato ilícito praticado pelo Banco Recorrido, no que tange ao envio e desconto de valores no benefício previdenciário da parte Recorrente" e; (e) "requer sejam devolvidos os valores descontados indevidamente, requerendo ainda que se aplique o art. 42, do CDC, para que seja a restituição feita em dobro, sendo, alternativamente, realizada a amortização da dívida pelos descontos realizados, nos termos da peça inicial".

Empós o oferecimento das contrarrazões (Evento 29, CONTRAZAP1) ascenderam os autos a este grau de jurisdição e distribuídos a esta relatoria.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em dezembro de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

O Demandante ajuizou "AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA c/c PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL c/c REPETICAO DE INDÉBITO" em face do Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que o Autor almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, alternativamente, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento e; (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular (Evento 19, SENT1).

No caderno processual é incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto o Autor sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que o Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "Termo de adesão cartão de crédito consignado banco BMG S.A e autorização para desconto em folha de pagamento" (Evento 12, CONTR4).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Gizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário do Autor do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade do Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

O Autor é pensionista e beneficiário da gratuidade da Justiça.

Da análise do extrato de empréstimos consignados do benefício n. 155.895.193-5 do Requerente (Evento 1, EXTR7 e Evento 1, EXTR8), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativos; (b) uma margem disponível para empréstimos; e (c) descontos a título de empréstimo RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente do Autor - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Outrossim, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito ao Autor e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Destaco que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que o Consumidor efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

Brota não ser lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - o Pensionista realmente estava disposto a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Enfatizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha de pagamento apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que o Consumidor possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que o Hipossuficiente - acostumado a contrair consignado comum - tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

O Pergaminho Consumerista considera tais situações abusivas à luz do que dispõe o art. 39, incisos I, III e IV, in verbis:

Art. 39. É...

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