Acórdão Nº 5008653-51.2020.8.24.0036 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 28-09-2021

Número do processo5008653-51.2020.8.24.0036
Data28 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008653-51.2020.8.24.0036/SC

RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER

APELANTE: SERGIO LUIS DA SILVA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Sergio Luis da Silva interpôs Recurso de Apelação (Evento 36) contra sentença prolatada pela Magistrada oficiante na Vara Regional de Direito Bancário da Comarca de Jaraguá do Sul que, nos autos da "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento/ ausência do efetivo proveito cumulada com repetição de indébito e danos morais com pedido de tutela provisória de urgência", ajuizada em face de Banco BMG S.A., julgou improcedente a pretensão vertida na exordial, cuja parte dispositiva se transcreve:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por SERGIO LUIZ DA SILVA em face de BANCO BMG S.A.

Na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e mais honorários de sucumbência de 10% sobre o valor atualizado da causa. Fica suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência na forma do art. 98, § 3º, do CPC, em razão do benefício da Justiça Gratuita.

Autorizo a restituição de eventuais diligências não utilizadas, a ser solicitada na forma da Resolução CM N. 10 de 27 de agosto de 2019.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.

(Evento 30)

Em suas razões recursais, o Requerente aduziu, em apertada síntese, que: (a) "o contrato deriva de um completo desconhecimento das regras pelo Apelante, que, aliado à falta de informação clara, culminaram com a contratação de obrigação totalmente desproporcional às suas possibilidades financeiras"; (b) "é crível que essa modalidade está sendo imposta aos beneficiários do INSS de forma sorrateira e ardilosa, pois, na essência não é um cartão de crédito, mas sim um empréstimo como outro qualquer, porém, sob as regras cruéis dos Cartões de Crédito vigente no mercado"; (c) "O produto fornecido ao Apelante não corresponde ao que ele esperava, e isso ocorre pela omissão das informações pela Apelada"; (d) "a intenção sempre foi apenas e tão somente adquirir um crédito consignado, com taxas de mercado mais amenas. Tanto que nunca houve uso de cartão, mas sim, dissimulado negócio jurídico, onde a Apelada afirma que houve um saque" e; (e) "Inegável que a Apelada age de forma abusiva, valendo-se da inexperiência do consumidor, omitindo informações relevantes e impondo obrigação desproporcional a quem dispõe de mínimos recurso para se manter".

Empós, o oferecimento das contrarrazões (Evento 39), ascenderam os autos a este grau de jurisdição e distribuídos a esta relatoria.

É o necessário escorço.

VOTO

Primeiramente gizo que uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.

Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu em maio de 2021, isto é, já na vigência do CPC/2015.

1 Do Recurso

1.1 Da declaração de inexistência de débito

O Demandante ajuizou "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento/ ausência do efetivo proveito cumulada com repetição de indébito e danos morais com pedido de tutela provisória de urgência" em face do Banco BMG S.A., argumentando que a Instituição Financeira impôs de forma dissimulada a contratação de empréstimo via cartão de crédito, com desconto em folha do valor mínimo da fatura, de modo que acreditou que estava realizando um empréstimo nos moldes tradicionais.

Aflora da peça inaugural que o Autor almeja: (a) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável RMC e, caso não acolhida a pretensão declaratória, a conversão da aludida avença para a modalidade empréstimo consignado; (b) a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente em folha de pagamento e; (c) a condenação do Réu ao pagamento de indenização por danos morais.

O Magistrado a quo julgou improcedentes os pedidos articulados na peça vestibular, pautando-se nos seguintes fundamentos:

Ante o exposto, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por SERGIO LUIZ DA SILVA em face de BANCO BMG S.A.

Na forma do artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais e mais honorários de sucumbência de 10% sobre o valor atualizado da causa. Fica suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência na forma do art. 98, § 3º, do CPC, em razão do benefício da Justiça Gratuita.

Autorizo a restituição de eventuais diligências não utilizadas, a ser solicitada na forma da Resolução CM N. 10 de 27 de agosto de 2019.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, cumpridas as formalidades legais, arquive-se.

(Evento 30)

No caderno processual é incontroverso que os Contendores firmaram mútuo, porém inexiste consenso acerca da sua modalidade.

Enquanto o Autor sustenta que seu intento era apenas adquirir empréstimo consignado "comum", a Instituição Financeira defende que o Demandante teve plena ciência de que estava anuindo com a operação creditícia denominada "Termo de adesão cartão de crédito consignado BMG S.A e autorização para desconto em folha de pagamento" (Evento 7, Contrato 2).

A partir de um cotejo analítico do arcabouço jurisprudencial deste Areópago acerca da declaração de inexistência de contratação de empréstimo via cartão de crédito com contrato de reserva de margem consignável, a corrente majoritária ruma no sentido de reconhecer a abusividade da referida pactuação, pois em casos similares "o Banco, deliberadamente, impõe ao consumidor o pagamento mínimo da fatura mensal, o que para ele é deveras vantajoso, já que enseja a aplicação, por muito mais tempo, de juros e demais encargos contratuais" (Apelação Cível n. 0304923-40.2017.8.24.0039, Rela. Desa. Soraya Nunes Lins, j. 10-5-18).

Gizo que a prática abusiva e ilegal suso esmiuçada difundiu-se, tendo, lamentavelmente, atingido uma gama enorme de aposentados e pensionistas. A esse respeito, vale também conferir o inteiro teor do julgamento da Apelação Cível n. 0002355-14.2011.8.24.0079, de lavra do eminente relator Desembargador Robson Luz Varella, julgado em 17-4-18.

Foram juntados aos autos documentos que atestam a efetiva instrumentalização de negócio jurídico com reserva de margem consignável em cartão de crédito, cujo pagamento parcial se dá pelo desconto no benefício previdenciário do Autor do valor mínimo da fatura, sendo que o restante do débito permanece registrado como saldo em aberto na fatura do cartão, sofrendo incidência de encargos mês a mês.

Ocorre que tal documentação, isoladamente, não é suficiente para atestar a lisura da contratação. Ora, o exercício da livre manifestação de vontade do Requerente no ato da assinatura deve ser também esmiuçado.

Considerando o conteúdo das razões recursais e a totalidade do contexto fático-probatório amealhado ao feito, concluo que no caso em testilha a Instituição de Crédito não atuou com a diligência e a boa-fé que se exige na concretização de todo negócio jurídico, circunstância que implica na nulidade contratual.

O Demandante é aposentado e da análise dos extratos de pagamentos do Requerente (Evento 1, Anexo 7), constato a existência de: (a) empréstimos consignados ativos e; (b) descontos a título de empréstimo RMC.

É importante notar que o ajuste estabeleceu que o montante emprestado/sacado fosse depositado diretamente na conta-corrente do Autor - nos mesmos moldes do empréstimo consignado - de forma que não foi sequer necessário o uso do cartão de crédito para ter acesso ao valor negociado.

Outrossim, não há qualquer prova no feito que demonstre o envio do cartão de crédito ao Autor e tampouco que tal instrumento foi utilizado para efetuar compras ordinárias em seu dia a dia, o que corrobora a alegada ausência de interesse na pactuação deste serviço.

Destaco que eventual esgotamento da margem consignável de 30% não autoriza o raciocínio de que o Consumidor efetivamente tenha optado por celebrar mútuo com reserva de margem consignável.

Brota não ser lógico afirmar que na impossibilidade de contratação do empréstimo consignado comum - cujas taxas são sensivelmente mais brandas do que usualmente se vê praticado em operações análogas - o Aposentado realmente estava disposto a comprometer seu rendimento mensal com modalidade de crédito substancialmente mais onerosa do que aquela.

Enfatizo que a reserva de margem consignável para cartão de crédito desconta da folha de pagamento apenas o valor mínimo da fatura, dando a falsa impressão de que o montante emprestado será integralmente pago por tal meio.

A quantia remanescente, contudo, permanece sendo debitada mês a mês na fatura de cartão de crédito, aumentando com a incidência de encargos financeiros ao longo do tempo. É justamente por isso que no momento da celebração do pacto o detalhamento das informações que envolvem o saldo devedor é imprescindível para que o Consumidor possa exprimir sua vontade.

Diante dos aspectos acima destacados somados à similaridade da denominação das duas operações de crédito em comento - empréstimo consignado e empréstimo via cartão de crédito com reserva de margem consignável - e até mesmo a complicada sistemática do crédito concedido por meio de cartão com RMC, não é razoável afirmar que o Hipossuficiente - acostumado a contrair consignado comum - tenha tido a real dimensão das implicações de tal contratação e condições de manifestar sua livre vontade ao assinar o contrato.

O Pergaminho Consumerista considera tais situações abusivas à luz...

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