Acórdão Nº 5008669-72.2023.8.24.0012 do Primeira Câmara Criminal, 21-03-2024

Número do processo5008669-72.2023.8.24.0012
Data21 Março 2024
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 5008669-72.2023.8.24.0012/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


RECORRENTE: ADENILSON LEMES DOS SANTOS (RECORRENTE) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (RECORRIDO)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público da comarca de CAÇADOR ofereceu denúncia em face de Adenilson Lemes dos Santos, dando-o como incurso nas sanções do art. 12 da Lei 10.826/2003 e no art. 121, §2º, II, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, por duas vezes, em razão dos seguintes fatos:
1. Da posse de arma de fogo
Em período a ser melhor precisado, mas aproximadamente há 5 (cinco) anos atrás, até o dia 11 de novembro de 2018 (domingo), por volta das 18h36min, nas dependências da residência localizada na Rua José Vilmar Monteiro, nº 58, Bairro Bom Sucesso, neste Município e Comarca de Caçador/SC, o denunciado ADENILSON LEMES DOS SANTOS, agindo em flagrante demonstração de ofensa à incolumidade pública e ao sistema nacional de armas, possuía e/ou mantinha sob sua guarda, dentro de sua residência, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, instrumento de reconhecido poder vulnerante e potencialidade lesiva, consistente em "1 (um) revólver de calibre .38, sem marca determinada, de cano de 4 polegadas, com capacidade para seis munições, municiado com estojos de calibre .38 SPL, os quais encontravam-se deflagrados" (Termo de exibição e entrega de fl. 96).
Cumpre destacar que o revólver apreendido mostra-se eficiente ao fim que se destina, tanto que foi utilizado para o cometimento do crime de tentativa de homicídio em face das vítimas Cassiano Delfe da Silva e Miguel Rodrigues dos Santos, descrito no Item 2.
2. Da tentativa de homicídio qualificado
No dia 11 de novembro de 2018 (domingo), por volta das 18h36min, o denunciado ADENILSON LEMES DOS SANTOS, de posse do revólver de calibre .38, sem marca determinada, de cano de 4 polegadas (Termo de exibição e entrega de fl. 96), a bordo do veículo Fiat/Uno, cor verde, deslocou-se até a residência das vítimas Cassiano Delfe da Silva e Lucas Delfe, localizada na Rua Fernando Turatti, nº 31, Bairro Bom Sucesso, neste Município e Comarca de Caçador/SC.
No local, o denunciado ADENILSON LEMES DOS SANTOS, agindo em flagrante demonstração de ofensa à vida das vítimas, com evidente animus necandi, imbuído de motivo fútil, efetuou diversos disparos de arma de fogo (pelo menos dez disparos) em face das vítimas Cassiano Delfe da Silva e Lucas Delfe, atingindo, por conseguinte, o ofendido Cassiano Delfe da Silva com dois disparos, causando os ferimentos descritos no Laudo Pericial de fls. 82-87, consistentes em: "[...] ferimento transfixiante no terço médio da perna esquerda com orifício de entrada na região medial e orifício de saída na região lateral da perna esquerda (fratura da fíbula); ferimento cirúrgico na região medial do terço distal da coxa direita com quatro centímetros de comprimento com área de equimose de dez centímetros de diâmetro; ferimento cirúrgico na região lateral da coxa direita com quatro centímetros de comprimento todos cirúrgicos; escoriações no joelho e cotovelo esquerdo; periciado foi submetido a cirurgia na coxa direita para tratamento vascular devido a trauma por projétil de arma de fogo [...]".
O desiderato ilícito pretendido pelo denunciado só não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade, tendo em vista que a vítima Lucas Delfe conseguiu esquivar-se dos disparos, ao passo que a vítima Cassiano Delfe da Silva foi socorrida imediatamente pelo seu pai, Miguel Rodrigues da Silva, que o levou até o hospital, interrompendo a consumação do delito.
Ressalte-se, por fim, que o crime foi praticado por motivo fútil, desprovido de relevante valor, em avantajada desproporção entre a motivação e o crime praticado, porquanto motivado por pequenos desentendimentos ocorridos em um evento festivo que ocorrera na data, o que, por si só, não têm o condão de motivar tão gravosa reação (autos 5000606-88.2023.8.24.0002, ev. 1, em 11-4-2023).
Sentença: a juíza de direito Bruna Luiza Hoffmann julgou admissível o pedido formulado na denúncia para pronunciar e submeter o réu ao julgamento pelo tribunal do júri, como incurso no art. 121, §2º, II, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal, por duas vezes, e no art. 12 da Lei 10.826/2003, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (autos 0005426-84.2018.8.24.0012, ev. 327, em 10-10-2023).
Recurso em sentido estrito: a defesa interpôs recurso em sentido estrito, no qual sustentou não existir provas de que o acusado agiu com animus necandi, pois apenas repeliu agressão anterior, devendo ser o caso de reconhecimento da legítima defesa. Em caráter subsidiário, sustentou que a hipótese contemplaria a desclassificação para o crime de lesões corporais, além de não restar comprovada a motivação fútil utilizada para qualificar o crime contra a vida. Por fim, alegou ser viável a aplicação do principio da consunção entre o delito de tentativa de homicídio qualificado e a infração penal estabelecida no art. 12 da Lei 10.826/2003.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para absolver sumariamente o réu ou, subsidiariamente, desclassificar o delito, excluir a qualificadora e aplicar a consunção entre os crimes (ev. 6-1G, em 23-1-2024).
Trânsito em julgado: embora não certificado, a decisão transitou em julgado para o Ministério Público.
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugnou as razões recursais, ao argumento, em síntese, de que não há nos autos qualquer prova indicando ter o recorrente agido somente após injusta provocação das vítimas e com a intenção de se defender. Ainda, afirmou não ser viável a exclusão da qualificadora, pois demonstrada a motivação fútil da tentativa de homicídio. Em relação ao delito de posse de arma de fogo de uso permitido, ponderou existir elementos indicando que o recorrente possuía o revólver em período anterior ao da tentativa de homicídio, tornando-se inviável a aplicação da consunção entre as infrações penais.
Postulou, por conta disso, o conhecimento e desprovimento do reclamo (ev. 9-1G, em 5-2-2024).
Juízo de retratação: a decisão recorrida foi mantida por seus próprios fundamentos (ev. 11-1G, em 18-2-2024).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Humberto Francisco Scharf Vieira opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (ev. 11-2G, em 27-2-2024)

VOTO


Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso é digno de conhecimento.
1. Não há insurgência propriamente dita acerca da materialidade e da autoria delitivas, mesmo porque o réu admitiu os disparos de arma de fogo. A defesa busca, em síntese, a absolvição sumária ou a desclassificação do delito, sob a alegação de ter atuado em legítima defesa.
Para que se prolate uma decisão de pronúncia é necessário verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e de indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita, conforme se depreende do §1º e do caput do artigo 413 do Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
A decisão de pronúncia deve, portanto, indicar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e indícios que apontem o agente como autor da conduta descrita.
Trata-se de mero juízo de admissibilidade da acusação, estando a análise adstrita, tão somente, à prova de materialidade e indícios de autoria, caso contrário, sobrepor-se-ia à competência do Tribunal do Júri.
Renato Brasileiro de Lima ao se debruçar sobre o tema, explica:
A pronúncia encerra um juízo de admissibilidade da acusação de crime doloso contra a vida, permitindo o julgamento pelo Tribunal do Júri apenas quando houver alguma viabilidade de haver a condenação do acusado. Sobre ela, o art. 413, caput, do CPP, dispõe que, estando convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve o juiz sumariante pronunciar o acusado fundamentadamente. Há um mero juízo de prelibação, por meio do qual o juiz admite ou rejeita a acusação, sem qualquer valoração acerca do mérito. Julga-se admissível o ius accusationis. Restringe-se à verificação da presença do fumus boni iuris, admitindo todas as acusações que tenham ao menos probabilidade de procedência. (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único - 8. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2020).
Verifica-se, portanto, para que o acusado seja pronunciado, o magistrado deve estar convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
Portanto, para fins de pronúncia, como adverte referido doutrinador, ainda que não seja exigido um juízo de certeza quanto à autoria, tal qual se exige em relação à materialidade, é necessário um conjunto de provas que possa autorizar pelo menos um juízo de probabilidade acerca da autoria ou da participação do agente no fato delituoso, de modo a se evitar que alguém seja exposto de maneira temerária a um julgamento perante o Tribunal do Júri.
Acrescenta-se que no procedimento escalonado do Tribunal do Júri vigora, nesta fase de julgamento acerca da admissibilidade da denúncia, o princípio do in dubio pro societate, segundo o qual, "[...] existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve...

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