Acórdão Nº 5008755-04.2019.8.24.0038 do Quinta Câmara de Direito Público, 18-05-2021

Número do processo5008755-04.2019.8.24.0038
Data18 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008755-04.2019.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ZELIA BERNARDETE GOMES PLACIDO (AUTOR) E OUTRO APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Por sentença havida na 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Joinville o pedido de concessão de benefício acidentário formulado por Zélia Bernardete Gomes Plácido em relação ao Instituto Nacional do Seguro Social foi julgado improcedente.

As partes recorrem.

De um lado, a autarquia sustenta a necessidade de devolução dos honorários periciais, pois o fato de ter antecipado tal verba não se traduz em definitiva responsabilidade pela despesa. Sendo o autor beneficiário da gratuidade, o caminho era impor o ônus ao Estado ao Santa Catarina, que eventualmente ainda poderá recuperar a verba (art. 12 da Lei n. 1.060/50). Ressalta, ademais, que não pode ser compelido ao pagamento de despesas típicas de serviço de assistência judiciária gratuita e que o entendimento do STJ ampara sua pretensão. Por fim, pede o prequestionamento do art. 8°, § 2°, da Lei n. 8.620/1993, do art. 82, § 2°, do CPC e art. 1° da Lei n. 1.060/1950.

O segurado defende a nulidade da sentença por cerceamento de defesa quanto ao pedido de produção de nova prova pericial. É que o expert que elaborou o laudo neste feito (conclusivo pela ausência de redução da capacidade laboral) é o mesmo que atuou em processo trabalhista no qual reconheceu a incapacidade parcial, ficando evidente a contradição.

Além disso, em ação anterior (autos 038.13.003912-5) foi reconhecida a necessidade de sua reabilitação profissional para atividade compatível com as limitações físicas, o que corrobora a redução da capacidade para o trabalho habitual, pelo que faz jus à concessão do auxílio-acidente.

Houve contrarrazões.

VOTO

1. O pedido foi julgado improcedente sob argumento de que não foi constada incapacidade e o laudo produzido em ação trabalhista não poderia ser considerado, pois amparado em "premissas e critérios distintos dos aqui delineados".

Só que o perito, em ambos os casos, foi o mesmo: Kink Douglas Luçolli Tonchuk. Apesar de ter reconhecido naquela ação que o quadro clínico da segurada reduzia a capacidade para o trabalho, estando "inapta 100% para toda e qualquer atividade que represente movimentos de flexo rotação de coluna, com ou sem sobrecarga" (evento 30, outros 3, da origem), neste processo entendeu que não havia "nenhuma limitação ou restrição para suas habituais atividades laborais" (evento 27, da origem). Na hipótese, porém, não vejo como afastar aquelas conclusões, sobretudo porque há outros elementos probatórios que corroboram a narrativa da segurada, havendo espaço inclusive para aplicação da máxima do in dubio pro misero, pelo que é desnecessária a realização de nova prova.

No entrechoque das versões, a da autora logra preponderância, havendo verossimilhança suficiente para não desacreditá-la. Ainda que a convicção plena seja uma ilusão, pois a certeza é uma categoria teórica inatingível, o objetivo da instrução (mesmo termos ideais) é atingir a comprovação mais segura possível dos fatos. Aqui, é eloquente a perspectiva trazida pela acionante de que a patologia da coluna vertebral foi agravada pelo exercício da atividade laboral (concausalidade) e acarretou redução da sua performance.

A atividade instrutória não pode ter como ponto de chegada a certeza. É que "a certeza é outro dogma, zelosamente guardado e cultivado entre os juristas e na teoria do processo. Ela tem muito a ver com a verdade, da qual constitui manifestação subjetiva. Considera-se que existe certeza quanto a determinada proposição, quando a mente afasta todos os motivos divergentes, ou seja, aqueles que conduziram a desacreditá-la, para então racionalmente aceitar os motivos convergentes (diz-se também: a certeza está em nós, a verdade nos fatos" (Cândido Rangel Dinamarco, A Instrumentalidade do Processo, RT, 1987, p. 336). Mais adiante obtempera o autor: "em todos os campos do exercício do poder, contudo, a exigência da certeza é somente uma ilusão, talvez uma generosa quimera. Aquilo que muitas vezes os juristas se acostumaram a interpretar como exigência de certeza para as decisões nunca passa de mera probabilidade, variando somente o grau de probabilidade exigida e, inversamente, os limites toleráveis dos riscos" (p. 339). Como diz Ovídio Baptista da Silva, "a veracidade dos fatos judiciais, em verdade, não passa de simples verossimilhança" (Curso de Direito Processual Civil, v. I, Fabris, 1987, p. 57).

Destarte, "não existe verdade, pois a verdade está no campo do impossível. A verdade varia de acordo com a subjetividade de cada um. A certeza seria a manifestação subjetiva de alguém a respeito de um dado, de onde pode surgir a verdade para ela, mas não para os outros ou para todos. Essa certeza - mesmo porque a subjetividade do próprio ser cognoscente pode mudar - não existe, ou existirá, como absoluta nem àquele que um dia afirmou. Toda certeza, pois, não passa de uma verossimilhança. Mas o juiz, nada obstante, deve procurar encontrar, por assim dizer, a verdade do caso concreto. A certeza acerca da afirmação de um fato" (Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, Malheiros, 1996, p. 72).

2. Por mais que se tenha afirmado aqui que a limitação não tenha provocado redução da aptidão para o trabalho, não vejo dessa forma, seja porque, em laudo confeccionado no âmbito da Justiça Trabalhista o perito identificou incapacidade parcial definitiva para o trabalho, ou porque tal condição já havia sido reconhecida em relação à função habitual (operadora de produção) nos autos 0003912-91.2013.8.24.0038, que garantiu a percepção do auxílio-doença à autora (evento 1, outros 9, da origem).

Além disso, a própria autarquia já havia realizado reabilitação profissional da parte em razão das limitações físicas que o mal ortopédico lhe impôs, reconhecendo "restrição para atividades que exijam pedestação prolongada (necessita alternar postura sentada/em pé); carregamento de carga acima de 8Kg;. movimentos repetitivos de flexo-rotação de coluna lombar em grau médio a máximo de amplitude; permanecer em posição estática em flexão de coluna cervical em amplitude máxima por período superior a 20 minutos sem pausa" (evento 1, outros 10, da origem).

Quer dizer, não há como dissociar a repercussão do mal de saúde sobre a capacidade laboral, motivo pelo qual foi realocada para função mais adequada às suas restrições físicas, de modo que o auxílio-acidente é mesmo devido, ainda que o quadro clínico não represente prejuízo às atividades atuais, uma vez que a parte está desempregada. Destaco, ainda, que em ambas as provas foi reconhecida a relação de causalidade entre o desempenho das atividades e o agravamento das condições físicas da autora, o que é suficiente para caracterizar o viés acidentário.

A benesse depende de que, diante de perturbação funcional consolidada e de extensão reduzida, o obreiro não possa desempenhar a atividade habitual sem experimentar prejuízo. É o que está no art. 86 do PBPS: O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia, conforme situações discriminadas no regulamento.

Trata-se de benefício de quem pode trabalhar, mas com mais sacrifício - notadamente em situações como a presente em que se reconheceu que o segurado não pode mais exercer determinados movimentos, inerentes à atividade que habitualmente exercia.

O STJ, aliás, já entendeu devido o benefício mesmo na hipótese de reabilitação exitosa:

A)...

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