Acórdão Nº 5008784-83.2021.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 29-09-2022

Número do processo5008784-83.2021.8.24.0038
Data29 Setembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5008784-83.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: JAIME RODRIGUES DA ROCHA (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

JAIME RODRIGUES DA ROCHA interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau Yhon Tostes, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO BMG S.A, em curso perante o juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário, que julgou improcedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

Trata-se de "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INVALIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C RESTITUIÇÃO DE VALORES, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA" ajuizada por JAIME RODRIGUES DA ROCHA em face de BANCO BMG S.A.

A parte autora sustenta, em apertada síntese, que pretendia firmar com a instituição financeira ré um contrato de empréstimo consignado, porém, acabou contratando sem saber um cartão de crédito com reserva de margem consignada (RMC) em sua pensão/aposentadoria.

Afirma que jamais solicitou tal cartão de crédito e que sequer fez uso dele, tendo sido vítima de uma fraude.

Pleiteia, ao final, a declaração de nulidade da contratação do RMC e do cartão de crédito, a devolução dos valores descontados em seu benefício previdenciário sob a rubrica de RMC e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Decisão recebendo a inicial e deferindo a justiça gratuita ao autor (evento 13).

Contestação no evento 21, através da qual a instituição financeira ré sustenta que a parte autora realizou a contratação do RMC vinculado a cartão de crédito e, por isso, refutou integralmente os argumentos contidos na inicial e os pedidos nela formulados.

Réplica no evento 27.

Vieram os autos conclusos.

É a síntese do necessário. DECIDO:

DA PRELIMINAR

A preliminar de falta de interesse processual da parte autora não prospera. O interesse de agir relaciona-se à necessidade e à utilidade da demanda judicial para tutelar o direito nela perseguido.

Nesse sentido, o CPC/15 em seu art. 17 dispõe o seguinte: "Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade".

Relevante para a abordagem que ora se faz é a lição de Marcus Vinicius Rios Gonçalves sobre o interesse de agir:

"É constituído pelo binômio necessidade e adequação. Para que se tenha interesse é preciso que o provimento jurisdicional seja útil a quem o postula.

A propositura da ação será necessária quando indispensável para que o sujeito obtenha o bem desejado. Se o puder sem recorrer ao Judiciário, não terá interesse de agir. É o caso daquele que propõe ação de despejo, embora o inquilino proceda a desocupação voluntária do imóvel, ou do que cobra dívida que nem sequer estava vencida.

A adequação se refere à escolha do meio processual pertinente, que produza um resultado útil. A escolha inadequada da via processual torna inútil o provimento e enseja a extinção do processo sem resolução de mérito." (GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo Curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral e processo de conhecimento (1ª parte). 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. evento 118). (Destaquei).

Sobre o tema, Medina aponta que:

"A ausência de legitimidade e interesse, indicados pelo art. 17 do CPC/2015 como requisitos da ação, conduz à prolação de decisão terminativa, que, na dicção do art. 485, VI do CPC/2015, não resolve o mérito". (MEDINA, José Miguel Garcia Medina. Direito processual civil moderno. Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, em e-book, 2016, capítulo I, 2.1.5.3, s/ p.).

In casu, intentou a autora com a demanda judicial para que fosse revisado o contrato celebrado com o Banco réu, sendo a via judicial meio útil e necessário para a tutela da pretensão postulada. Resta, portanto, afastada esta preliminar.

DO JULGAMENTO DE MÉRITO

Cuida-se de mais uma "ação de massa", qual seja, uma ação anulatória sobre a operação bancária conhecida por "reserva de margem consignada" (RMC), em que a parte autora sustenta de forma bastante genérica ter sido realizado o negócio jurídico eivado de vício de consentimento por não ter compreendido o pacto eis que é aposentada, idosa e acreditava estar diante de um singelo empréstimo consignado.

Se alguém duvida da escalada dos litígios dessa natureza basta verificar o número de novas ações envolvendo RMC, que só no último trimestre (mar/mai), na 1a. VDB, alcançaram quase 200 (duzentas) por mês, gerando um número total de entrada de novas ações de quase 600 (seiscentas), incluídas as redistribuídas (que giram em torno de 30/40 por mês). Isso deve implicar em repensar cautelosamente até mesmo o inovador projeto de estadualização das varas bancárias pois não temos estrutura para suportar tamanha quantidade de litígios, uma vez que os números previstos nos relevantes estudos que foram brilhantemente apresentados não comportavam essa mudança de cenário que nada tem a ver com a Pandemia (jurimetria ajuda e é importantíssima, mas devemos observar à realidade e tomar cuidado com aquilo que os estudiosos da economia comportamental chamam de "viés de confirmação"). Alerto que a média anual de 2020 na 1a. VDB de Joinville foi de 259 novas ações por mês, incluídas ações de todos os tipos.

A inicial faz um pedido específico de nulidade de um negócio jurídico e, em réplica, reclama de abusividade contratual sobre a questão de juros. Por conseguinte, deixo de conhecer referida formulação uma vez que a lide é delimitada de acordo com os pleitos realizados na petição inicial (art. 319, IV, c/c art. 342, ambos do NCPC), não podendo ser alterada subjetiva nem objetivamente após a citação da parte ré, sob pena de inovação processual (art. 329 c/c 492, ambos do NCPC).

Para tornar mais eficiente e facilitar a compreensão dos fatos, realizo o resumo abaixo:

QUADRO SINÓTICO

CONTRATO DE RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC)evento 21, CONTR2ASSINATURA DA PARTE AUTORA NO CONTRATO DE RMC evento 21, CONTR2CLÁUSULA AUTORIZANDO DESCONTO DE MARGEM CONSIGNÁVEL (5%)evento 21, CONTR2COMPROVAÇÃO DO USO/ SAQUES NO CARTÃO DE CRÉDITOevento 21, FATURA3COMPROVANTE DO USO DA MARGEM DE 30% DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADOevento 1, EXTR7CONTRATOS/DOCTS. SOBRE OUTROS TIPOS DE EMPRÉSTIMOSevento 1, EXTR7

Se o contrato de reserva de margem consignável for realizado pelo sistema "internet banking", ou seja, pela via eletrônica, constará no campo da assinatura a sigla "I.B.", sendo que desde já deixo firmado o entendimento que esse tipo de contrato em suas diversas formas eletrônicas é válido, como bem já anotou o TJDF:

(...). A inexistência de contrato escrito é irrelevante para comprovar o vínculo obrigacional, uma vez essa formalidade não ser essencial para a validade da manifestação de vontade relacionada aos contratos eletrônicos, de modo que a existência desse vínculo pode ser demonstrada por outros meios de prova admitidos em direito, no caso dos autos o extrato demonstrativo da operação. Ademais, o contrato foi firmado por meio eletrônico mediante a utilização de senha pessoal de uso exclusivo do correntista, inexistindo assim o contrato escrito. As operações bancárias consumadas por meio eletrônico não geram documentos físicos de adesão aos termos gerais da contratação ofertada pela instituição financeira. (TJDF, Ap. Civ. N. 20140111450486, Rel. Maria Ivatônia, 5ª. Turma Cível, j. 04.11.2015).

Por outro vértice, importa destacar sempre que se a ideia fosse sustentar que o contrato de financiamento é oriundo de fraude e, ipso facto, gerasse uma discussão sobre a própria existência do negócio jurídico, não haveria que se falar mais na competência da Vara de Direito Bancário, eis que nessa situação não existiria matéria bancária em discussão e sim objeto para uma ação anulatória de ato jurídico por conta de que a alegação de fraude desloca sempre a competência para uma vara cível.

Apenas para ilustrar, recomendo a leitura do r. aresto do nosso Tribunal: CCO. N. 0003388-38.2018.8.24.0000, de Rio do Sul, Rel. Des. Carlos Adilson da Silva, Câmara de Recursos Delegados, j. 29.08.18.

Neste particular, ressalto que a competência do Segundo Grau, ou seja, das Câmaras Comerciais do TJSC compreendem tanto matéria cível como bancária, diferentemente do que ocorre na questão da competência das varas bancárias de primeiro grau que são especializadas (e possuem competência mista - em razão da pessoa e da matéria).

Por não vislumbrar discussão sobre a existência do negócio jurídico, mas apenas arguição de vício de consentimento, declaro a competência do Juízo especializado bancário.

DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Pelo que se deduz da inicial, a intenção é que tudo deva ser resolvido à luz do diploma consumerista, ou seja, através da leitura generosa da Lei 8.078/90, que ao meu ver é um dos mais virtuosos diplomas da legislação brasileira, embora seja constante vítima de desvirtuamentos por ausência de uma melhor visão do custo-benefício e consequências de sua implementação desarrazoada.

Começo esse tópico discorrendo sobre a legislação consumerista para tentar iluminar o caminho a ser trilhado e me afastar sem dúvida das falácias argumentativas sobre a "relevância" no julgamento embasada no poderio financeiro de uma parte e hipossuficiência financeira de outra ou até mesmo na idade, cultura ou situação educacional do consumidor de um serviço/produto bancário.

Ora, de per si, essas particularidades não irão alterar absolutamente nada o princípio constitucional da impessoalidade e a conclusão jurídica de que:

[...] defender os consumidores não pode significar tomar partido sistematicamente por eles, como se o direito se preocupasse unicamente com eles, ou pior ainda, como se fossem estes que estivessem sempre certos. Protegê-los significa essencialmente ser necessário impedir que sejam vítimas de abusos nas relações com os fornecedores. É preciso não cair no exagero de imaginar que a proteção significa que os interesses dos consumidores sejam sistematicamente sobrepostos aos dos fornecedores: o que se procura é somente alcançar razoável...

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