Acórdão Nº 5008806-49.2021.8.24.0004 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 09-06-2022
Número do processo | 5008806-49.2021.8.24.0004 |
Data | 09 Junho 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Primeira Câmara de Direito Comercial |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 5008806-49.2021.8.24.0004/SC
RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN
APELANTE: MARIA MAIA BORGES (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)
RELATÓRIO
1.1) Da inicial
MARIA MAIA BORGES ajuizou "Ação Declaratória c/c Indenização por Dano Moral" em face do BANCO CETELEM S.A., alegando, em síntese, que as partes haviam firmado contrato de empréstimo consignado, tendo o réu efetuado indevidamente descontos a título de Reserva de Margem de Cartão de Crédito - RMC.
Aduziu ainda que nunca solicitou ou autorizou a emissão de cartão de crédito com reserva de margem de crédito.
Diante desses fatos, pleiteou a concessão da tutela de urgência para que o réu se abstenha de proceder o desconto em seu benefício da aposentadoria e de pensão.
Requereu a declaração de inexistência da contratação do cartão de crédito - RMC, a restituição em dobro dos valores descontados a título de reserva de margem consignável e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais em R$10.000,00.
Ao final, pugnou a condenação do réu ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios e a concessão da justiça gratuita.
Atribuiu valor à causa e juntou documentos (evento 1).
1.2) Da contestação
Devidamente citada, a instituição financeira requerida apresentou resposta, em forma de contestação, alegando preliminarmente a ocorrência de prescrição. No mérito, sustentou a regularidade da contratação, pois a parte autora aderiu expressamente ao contrato para utilização do cartão de crédito mediante consignação em sua folha de pagamento, tendo efetuado, inclusive, saque de valores vinculados a margem consignável do cartão.
Além disso, discorreu sobre: a) modalidade de cartão de crédito consignado; b) validade da contratação; c) litigância de má-fé da parte autora; d) inexistência de danos morais; e) ausência de danos materiais e; f) necessidade de devolução dos valores disponibilizados. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos iniciais.
1.3) Do encadernamento processual
Concedido o benefício da justiça gratuita (evento 6).
Apresentou emenda a inicial, informando que pretende a declaração de nulidade dos contratos firmados referente a sua pensão por morte (n.º 1072332032) e por sua aposentadoria (n.º 5173427236) (evento 9).
Indeferido o pedido de tutela provisória de urgência (evento 11).
Manifestação à contestação (evento 22).
1.4) Da sentença
Prestando tutela jurisdicional (evento 24), a Juíza de Direito Ligia Boettger Mottola prolatou sentença resolutiva de mérito para julgar improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
Diante do exposto, resolvo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC, e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% sobre o valor da causa, cuja cobrança fica suspensa pelo prazo legal em face de litigar ao abrigo do benefício da Justiça Gratuita.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Havendo a interposição de recurso, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo legal e, observando-se o disposto no art. 1.010, §3º, do CPC, ascendam os autos ao E. Tribunal de Justiça, com as anotações de estilo.
Transitada em julgado, e cumpridas as formalidades, arquivem-se.
1.5) Do recurso
Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora MARIA MAIA BORGES interpôs o presente recurso de Apelação Cível, reiterou os argumentos expostos na inicial. Por fim, pugnou pela condenação do banco réu ao pagamento da indenização por danos materiais e morais.
1.6) Das contrarrazões
Apresentada (evento 34).
Este é o relatório.
VOTO
2.1) Do objeto recursal
A discussão é sobre contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável.
2.2) Do juízo de admissibilidade
Conheço do recurso, porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, já que ofertado a tempo e modo, dispensado do recolhimento do preparo (art. 1.007, §1º, do CPC) e evidenciados o objeto e a legitimação.
2.3) Do mérito
2.3.1) Da reserva de margem consignável - RMC
Dispõe a parte apelante que contratou empréstimo consignado junto à apelada, o qual, não obstante a sua vontade, impôs a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável por meio da prática de venda casada, pelo que pretende a declaração de inexistência do negócio e a condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais.
No caso em comento, as partes firmaram dois contratos um vinculado a sua aposentadoria e outro relativo ao seu benefício de pensão por morte.
Examinando os contornos do quadro litigioso, é possível afirmar, porque representado pelos instrumentos contratuais, que as partes firmaram a "Proposta de Adesão - Cartão de Crédito Consignado" (evento 9, contrato 2 e 3), devidamente assinados pela parte autora.
Prima facie, sem maiores delongas, têm-se que a relação negocial que motivou a contenda judicial deve ser dirimida pelos ditames esculpidos no Código de Defesa do Consumidor, mormente que a parte autora se amolda perfeitamente ao conceito jurídico de consumidora final - art. 2º, CDC, e o banco réu no de fornecedor de produtos e serviços - art. 3º, § 2º, CDC.
Inclusive, ante exaustivos debates jurídicos outrora travados, o e. STJ, visando pacificar a incidência das normas consumeristas nas relações negociais estabelecidas com instituições financeiras, lançou mão do verbete sumular n. 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
A demanda que ensejou a propositura da ação repousa no vício de consentimento reduzido à termo, mormente que a parte autora afirma que se socorreu do banco réu visando a obtenção de empréstimo consignado, conquanto acabou sendo instrumentalizado contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável.
Para avançarmos na análise do suposto vício de consentimento, faz-se imprescindível debruçarmo-nos sobre as características que permeiam as duas modalidades de contrato - empréstimo consignado e cartão de crédito com reserva de margem consignável.
O "empréstimo consignado" é um contrato de mútuo feneratício em que a instituição financeira contratada disponibiliza um bem fungível (dinheiro) ao consumidor que opta em proceder o pagamento do débito mediante consignação mensal em sua folha salarial/benefício previdenciário.
Definição retratada pelo Banco Central do Brasil:
O que é empréstimo consignado?É uma modalidade de empréstimo em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente do empréstimo e da existência de convênio entre a fonte pagadora e a instituição financeira que oferece a operação. (https://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).
A modalidade de pagamento indireto em contratos desse jaez enseja uma garantia absolutamente maior de recebimento pela instituição financeira credora dos valores devidos, mormente que a cobrança/repasse dos valores não depende mais da anuência do devedor, incumbindo ao empregador/entidade de previdência o repasse do valor ajustado.
A diminuição drástica dos riscos a serem experimentados pela instituição financeira credora permite a oferta de condições mais atraentes que a grande maioria dos contratos, inclusive aqueles com alienação fiduciária. A taxa de juros remuneratórios, pelo baixo índice de inadimplemento dessa modalidade de contrato, é atraente, convidativa e amplamente difundida. Inclusive é a exposição de motivos que culminou na criação da legislação sobre a matéria.
O cartão de crédito, embora também represente um contrato de mútuo, ostenta características próprias e totalmente distintas do "empréstimo consignado", pois foi desenvolvido para estimular o mercado de consumo.
É uma espécie de contrato, porque voltado ao incremento do consumo, que não ostenta qualquer garantia e análise prévia de concessão dos créditos que são usados cotidianamente. Em razão do risco que contempla, é uma das modalidades de contrato bancário que ostenta maior taxa de juros mensais, senão a maior, alcançando cifras superiores a quinze por cento ao mês.
A distinção das modalidades de contrato foram abordadas para evidenciar, não só as características próprias de cada um, mas também para dar conotação/ênfase a discrepância entre os encargos decorrentes.
O contrato de empréstimo consignado, após estabelecido o valor pretendido pelo consumidor, faz-se incidir a...
RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN
APELANTE: MARIA MAIA BORGES (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)
RELATÓRIO
1.1) Da inicial
MARIA MAIA BORGES ajuizou "Ação Declaratória c/c Indenização por Dano Moral" em face do BANCO CETELEM S.A., alegando, em síntese, que as partes haviam firmado contrato de empréstimo consignado, tendo o réu efetuado indevidamente descontos a título de Reserva de Margem de Cartão de Crédito - RMC.
Aduziu ainda que nunca solicitou ou autorizou a emissão de cartão de crédito com reserva de margem de crédito.
Diante desses fatos, pleiteou a concessão da tutela de urgência para que o réu se abstenha de proceder o desconto em seu benefício da aposentadoria e de pensão.
Requereu a declaração de inexistência da contratação do cartão de crédito - RMC, a restituição em dobro dos valores descontados a título de reserva de margem consignável e a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais em R$10.000,00.
Ao final, pugnou a condenação do réu ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios e a concessão da justiça gratuita.
Atribuiu valor à causa e juntou documentos (evento 1).
1.2) Da contestação
Devidamente citada, a instituição financeira requerida apresentou resposta, em forma de contestação, alegando preliminarmente a ocorrência de prescrição. No mérito, sustentou a regularidade da contratação, pois a parte autora aderiu expressamente ao contrato para utilização do cartão de crédito mediante consignação em sua folha de pagamento, tendo efetuado, inclusive, saque de valores vinculados a margem consignável do cartão.
Além disso, discorreu sobre: a) modalidade de cartão de crédito consignado; b) validade da contratação; c) litigância de má-fé da parte autora; d) inexistência de danos morais; e) ausência de danos materiais e; f) necessidade de devolução dos valores disponibilizados. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos iniciais.
1.3) Do encadernamento processual
Concedido o benefício da justiça gratuita (evento 6).
Apresentou emenda a inicial, informando que pretende a declaração de nulidade dos contratos firmados referente a sua pensão por morte (n.º 1072332032) e por sua aposentadoria (n.º 5173427236) (evento 9).
Indeferido o pedido de tutela provisória de urgência (evento 11).
Manifestação à contestação (evento 22).
1.4) Da sentença
Prestando tutela jurisdicional (evento 24), a Juíza de Direito Ligia Boettger Mottola prolatou sentença resolutiva de mérito para julgar improcedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:
Diante do exposto, resolvo o mérito na forma do art. 487, I, do CPC, e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes que fixo em 10% sobre o valor da causa, cuja cobrança fica suspensa pelo prazo legal em face de litigar ao abrigo do benefício da Justiça Gratuita.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Havendo a interposição de recurso, intime-se a parte apelada para apresentar contrarrazões no prazo legal e, observando-se o disposto no art. 1.010, §3º, do CPC, ascendam os autos ao E. Tribunal de Justiça, com as anotações de estilo.
Transitada em julgado, e cumpridas as formalidades, arquivem-se.
1.5) Do recurso
Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora MARIA MAIA BORGES interpôs o presente recurso de Apelação Cível, reiterou os argumentos expostos na inicial. Por fim, pugnou pela condenação do banco réu ao pagamento da indenização por danos materiais e morais.
1.6) Das contrarrazões
Apresentada (evento 34).
Este é o relatório.
VOTO
2.1) Do objeto recursal
A discussão é sobre contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável.
2.2) Do juízo de admissibilidade
Conheço do recurso, porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, já que ofertado a tempo e modo, dispensado do recolhimento do preparo (art. 1.007, §1º, do CPC) e evidenciados o objeto e a legitimação.
2.3) Do mérito
2.3.1) Da reserva de margem consignável - RMC
Dispõe a parte apelante que contratou empréstimo consignado junto à apelada, o qual, não obstante a sua vontade, impôs a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável por meio da prática de venda casada, pelo que pretende a declaração de inexistência do negócio e a condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais.
No caso em comento, as partes firmaram dois contratos um vinculado a sua aposentadoria e outro relativo ao seu benefício de pensão por morte.
Examinando os contornos do quadro litigioso, é possível afirmar, porque representado pelos instrumentos contratuais, que as partes firmaram a "Proposta de Adesão - Cartão de Crédito Consignado" (evento 9, contrato 2 e 3), devidamente assinados pela parte autora.
Prima facie, sem maiores delongas, têm-se que a relação negocial que motivou a contenda judicial deve ser dirimida pelos ditames esculpidos no Código de Defesa do Consumidor, mormente que a parte autora se amolda perfeitamente ao conceito jurídico de consumidora final - art. 2º, CDC, e o banco réu no de fornecedor de produtos e serviços - art. 3º, § 2º, CDC.
Inclusive, ante exaustivos debates jurídicos outrora travados, o e. STJ, visando pacificar a incidência das normas consumeristas nas relações negociais estabelecidas com instituições financeiras, lançou mão do verbete sumular n. 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".
A demanda que ensejou a propositura da ação repousa no vício de consentimento reduzido à termo, mormente que a parte autora afirma que se socorreu do banco réu visando a obtenção de empréstimo consignado, conquanto acabou sendo instrumentalizado contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável.
Para avançarmos na análise do suposto vício de consentimento, faz-se imprescindível debruçarmo-nos sobre as características que permeiam as duas modalidades de contrato - empréstimo consignado e cartão de crédito com reserva de margem consignável.
O "empréstimo consignado" é um contrato de mútuo feneratício em que a instituição financeira contratada disponibiliza um bem fungível (dinheiro) ao consumidor que opta em proceder o pagamento do débito mediante consignação mensal em sua folha salarial/benefício previdenciário.
Definição retratada pelo Banco Central do Brasil:
O que é empréstimo consignado?É uma modalidade de empréstimo em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente do empréstimo e da existência de convênio entre a fonte pagadora e a instituição financeira que oferece a operação. (https://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).
A modalidade de pagamento indireto em contratos desse jaez enseja uma garantia absolutamente maior de recebimento pela instituição financeira credora dos valores devidos, mormente que a cobrança/repasse dos valores não depende mais da anuência do devedor, incumbindo ao empregador/entidade de previdência o repasse do valor ajustado.
A diminuição drástica dos riscos a serem experimentados pela instituição financeira credora permite a oferta de condições mais atraentes que a grande maioria dos contratos, inclusive aqueles com alienação fiduciária. A taxa de juros remuneratórios, pelo baixo índice de inadimplemento dessa modalidade de contrato, é atraente, convidativa e amplamente difundida. Inclusive é a exposição de motivos que culminou na criação da legislação sobre a matéria.
O cartão de crédito, embora também represente um contrato de mútuo, ostenta características próprias e totalmente distintas do "empréstimo consignado", pois foi desenvolvido para estimular o mercado de consumo.
É uma espécie de contrato, porque voltado ao incremento do consumo, que não ostenta qualquer garantia e análise prévia de concessão dos créditos que são usados cotidianamente. Em razão do risco que contempla, é uma das modalidades de contrato bancário que ostenta maior taxa de juros mensais, senão a maior, alcançando cifras superiores a quinze por cento ao mês.
A distinção das modalidades de contrato foram abordadas para evidenciar, não só as características próprias de cada um, mas também para dar conotação/ênfase a discrepância entre os encargos decorrentes.
O contrato de empréstimo consignado, após estabelecido o valor pretendido pelo consumidor, faz-se incidir a...
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