Acórdão Nº 5009033-65.2019.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 11-05-2021

Número do processo5009033-65.2019.8.24.0018
Data11 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5009033-65.2019.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER


APELANTE: DENIS CLEVERSON DOS SANTOS MENDONCA (AUTOR) APELADO: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)


RELATÓRIO


Denis Cleverson dos Santos Mendonça interpôs Apelação Cível (Evento 27, APELAÇÃO1) contra a sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na 1ª Vara Cível da Comarca de Chapecó - doutor Ederson Tortelli - que, nos autos da "ação revisional de contrato c/c tutela de urgência" n. 5009033-65.2019.8.24.0018, detonada pelo ora Apelante em face de BV Financeira S.A. - Crédito, Financiamento e Investimento, julgou improcedente a pretensão inaugural, cuja parte dispositiva restou vazada nos seguintes termos:
3) JULGAMENTO
Por todo o exposto:
I) com fundamento no art. 487, I, do Código de Processo Civil JULGO IMPROCEDENTE o pedido;
II) CONDENO o(a)(s) parte autora ao pagamento das custas e das despesas processuais;
Quanto ao(à)(s) parte autora, beneficiário(a)(s) da Justiça Gratuita (ev(s). 07), a cobrança dos encargos da sucumbência fica suspensa na forma da Lei (CPC, art. 98, §§ 2.º e 3.º).
Publique-se. Registre-se. Intime(m)-se.
Arquivem-se oportunamente.

(Evento 22, SENT1, negrito no original).
O Recorrente almeja "o conhecimento e PROVIMENTO DO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO, para o fim de reformar na íntegra a r. sentença guerreada, de modo que sejam ACOLHIDOS OS PEDIDOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL".
Empós, vertidas as contrarrazões (Evento 31, CONTRAZAP1), os autos ascenderam a este grau de jurisdição e foram distribuídos a esta relatoria por sorteio na data de 19-3-21 (Evento 1, segundo grau).
É o necessário escorço

VOTO


Primeiramente gizo que, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Recurso é conhecido.
Esclareço, por oportuno, que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no CPC/2015, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz se deu já na vigência do novel Código Adjetivo Civil.

1 Do Inconformismo
1.1 Da capitalização dos juros
Argumenta o Autor que: a) "trata-se de ação com objetivo de expurgo de anatocismo em contrato de concessão de crédito, pois detectado por perito particular a existência de sistema matemático de amortização da dívida fidelizado ao regime de juros composto"; b) "conforme pode ser observado no quadro resumo do contrato, consta EXCLUSIVAMENTE QUE SÃO DEVIDOS OS JUROS E OS ENCARGOS CAPITULADOS NO PREÂMBULO, não havendo qualquer informação no que toca ao sistema de amortização utilizado para saldar o débito, o que é indispensável, pois, sabemos, pode gerar um demasiado encargo e desvantagem excessiva ao consumidor, além de violar direito básico de informação (art. 6, III, do CDC)"; c) "requer seja reconhecida a exorbitante capitalização de juros compostos, resultando na redução das parcelas a qual seja no valor de R$ 722,18 (setecentos e vinte e dois reais e dezoito centavos)"; d) "o método PRICE é tão perverso à saúde financeira do consumidor (que não sabe de sua existência, pois não previsto no contrato) que sua substituição é indispensável a adequação do próprio equilíbrio financeiro contratual estabelecido no pacto"; e) "a manutenção da 'amortização PRICE' no contrato entabulado entre as partes destoa de todos os preceitos principiológicos norteadores dos negócios jurídicos, especialmente os princípios normatizados da boa-fé objetiva (artigo 113 do Código Civil), boa-fé subjetiva (artigo 422 do Código Civil) e da própria função social do contrato (artigo 421 do Código Civil)"; f) "o que se discute aqui, por ora, não é o contrato, e sim a existência de um elemento que NÃO ESTÁ PREVISTO NO INSTRUMENTO CLARAMENTE, mas que coloca o Consumidor Apelante em manifesta desvantagem no curso do negócio jurídico"; g) "os contratos de adesão, naquilo em que são omissos ou contraditórios, devem ser interpretados de maneira mais favorável ao aderente - art. 423 do CC/02"; h) "esta Egrégia Corte de Justiça tem decidido de forma contumaz pela substituição do método Price pelo Gauss, por entender que é descabida a prática da capitalização composta de juros"; e i) "está regado de teses e fatos que lhe asseguram a modificação do método de amortização da dívida do sistema PRICE para o sistema GAUSS, ainda que para isso seja necessária a reforma da r. sentença apelada também neste sentido".
O Reclamo merece parcial agasalho.
Ab initio é preciso enfatizar que o caso concreto diz respeito à Cédula de Crédito Bancário, tornando indispensável trazer à baila a Lei n. 10.931/04, que, em seu inciso I do § 1º do art. 28, encarta a seguinte regra:
§ 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:
I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação.
(grifei).
Além da legislação específica, acerca do tema também há posicionamento proclamado pela "Corte da Cidadania" em sede de julgamento repetitivo no Recurso Especial n. 973.827/RS, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, julgado em 8-5-12, com o seguinte teor:
[...] 3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:
- 'É permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.'
- 'A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada'. [...]
(destaquei).
A leitura tanto da Lei n. 10.931/04 quanto do julgamento repetitivo suso permite concluir que há possibilidade de cobrança da capitalização, considerando-se estar expressamente avençada a cobrança do anatocismo quando verificado que a taxa de juros anual é superior ao duodécuplo da taxa mensal.
Vale ainda ressaltar que qualquer alegação acerca da constitucionalidade da Medida Provisória n. 1.963-17/00 (em vigor como MP n. 2.170-36/01) cai por terra frente à adoção do posicionamento pacificado pela "Corte da Cidadania", não se devendo perder de vista que a controvertida constitucionalidade está sob o enfoque do Excelso Pretório.
Contudo, o próprio Superior Tribunal de Justiça relativizou a aplicação do anatocismo nas cédulas de crédito bancário, firmando o entendimento de que a capitalização diária de juros deve ser vedada, por representar onerosidade excessiva ao Consumidor. Confira-se:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL (CPC/2015). NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. 1. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. TAXA NÃO INFORMADA. DESCABIMENTO. PRECEDENTES DESTA CORTE. 2. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. 3. MORA. DESCARACTERIZAÇÃO. RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE DE ENCARGO DO PERÍODO DA NORMALIDADE CONTRATUAL. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO COM MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. DECISÃO.
[...]
A irresignação recursal não merece prosperar.
O Tribunal a quo considerou abusiva, a cláusula contratual que previu a periodicidade diária da capitalização dos juros, em razão da onerosidade excessiva imposta ao consumidor.
Pois bem, sobre a capitalização diária de juros, já tive oportunidade de me manifestar no julgamento do REsp n.º 1568290/RS, da Terceira Turma, DJe 02/02/2016, em que fui relator do acórdão.
Na ocasião, ponderei que a possibilidade de ser pactuada capitalização inferior a anual, que era a finalidade da norma constate do art. 5º da Medida Provisória 2.170-36/2001, é bastante discutível, não podendo o processo hermenêutico se esgotar na interpretação literal do enunciado normativo.
Isso porque, como se sabe, a capitalização é um importante fator de incremento da dívida, pois consiste na incorporação dos juros vencidos ao capital, para que passem a integrar a base de cálculo dos juros vincendos.
Do ponto de vista matemático - destaquei no voto proferido no referido julgado, quanto menor a periodicidade da capitalização, maior será o incremento da dívida, até um certo limite, que é obtido com a capitalização contínua (cf. REsp 973.827/RS, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 24/09/2012).
A depender do percentual da taxa de juros, a capitalização diária pode gerar um significativo incremento da dívida ao final do contrato, ensejando um favorecimento exagerado e injustificável ao credor.
A propósito, confira-se a simulação realizada com base numa dívida de R$ 1.000,00 num contrato de cheque especial, em que a taxa de efetiva de juros cobrada é de 10,53% ao mês e de 232,54% ao ano.
Simples Mensal Diária Diferença0 - 1.000,00 1.000,00 1.000,00 012 - 2.263,60 3.327,77 3.530,32 202,5524 - 3.527,20 11.054,12 12.463,14 1.409,0236 - 4.790,80 36.752,43 43.998,81 7.246,3848 - 5.054,40 122.193,52 155.329,74 33.136,2260 - 7.318,00 406.265, 74 548.363,17 142.097,43
Constata-se que a diferença a maior obtida com a capitalização diária alcançou absurdos R$ 142.097,43, pelo mesmo período de tempo, para uma dívida de apenas R$ 1.000,00.
Não se pode admitir, naturalmente, que a capitalização diária seja utilizada como uma forma subreptícia de incremento da dívida.
Para evitar que situações como essas aconteçam, é necessário, no mínimo, que a instituição financeira informe, a par das taxas de juros anual e mensal, a própria taxa de juros diária.
Somente com base nessa informação, é que se torna possível verificar a equivalência entre as taxas.
Estabelecida a equivalência entre as taxas, assegura-se que o montante da dívida será o mesmo, qualquer que seja a taxa aplicada, anual, mensal ou diária, não havendo prejuízo ao consumidor.
Exatamente esse aspecto da equivalência das taxas serviu de fundamento para o recurso especial repetitivo em que se...

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