Acórdão Nº 5009037-96.2019.8.24.0020 do Primeira Câmara de Direito Civil, 21-07-2022

Número do processo5009037-96.2019.8.24.0020
Data21 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5009037-96.2019.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: NATALINA TERESINHA GONCALVES BARBOSA (AUTOR) ADVOGADO: ANDRE LINO FERNANDES (OAB SC040949) APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) ADVOGADO: NEWTON DORNELES SARATT (OAB SC019248) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível e recurso adesivo interpostos em face da sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Criciúma que, nos autos da "Ação Declaratória de Inexigibilidade de Débito c/c Indenização por Dano Moral, Restituição em Dobro dos Valores Cobrados e Tutela Antecipada" nº 5009037-96.2019.8.24.0020, aforada por NATALINA TERESINHA GONCALVES BARBOSA em desfavor de BANCO BRADESCO S.A., julgou procedentes os pleitos, nos seguintes termos ( Evento 88, SENT1, E1):

(...)

Ante o exposto, resolvendo o mérito (art. 487, I, do CPC), JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para:

a) declarar a inexistência de relação jurídica contratual entre as partes litigantes; e

b) condenar o réu a restituir em dobro os valores descontados do benefício previdenciário de titularidade da parte autora, com correção monetária (INPC) e juros de mora de 1% ao mês desde a data de cada desconto (permitida a compensação com o valor recebido pela autora), bem como de uma indenização por danos morais, no valor de R$ 5.000,00, com correção monetária (INPC) desde a data da publicação da sentença e juros de mora de 1% ao mês desde a data da prática do ato ilícito.

Condeno a parte ré ao pagamento das despesas processuais e dos honorários sucumbenciais, arbitrados estes em 20% sobre o valor da condenação.

Sobrevindo informações acerca da existência de despesas processuais (custas e/ou diligências) remanescentes, defiro a restituição.

As partes ficam cientes da aplicação do art. 513 e ss c/c 523 do CPC.

Após o trânsito em julgado, caso a(s) parte(s) vencida(s) deposite(m) espontaneamente a(s) quantia(s) devida(s) em razão da presente sentença (art. 526 do CPC), com a finalidade de pagamento (não de garantia), expeça(m)-se alvará(s) em favor da(s) parte(s) vencedora(s) (art. 526, § 1º, parte final, do CPC), independentemente de novo pronunciamento judicial. Advirto que eventual(s) saldo(s) devedor(es) deverá(ão) ser exigido(s) mediante incidente(s) autônomo(s) de cumprimento de sentença (arts. 513, § 1º, e 523 do CPC), sem discussão nestes autos.

Com o trânsito em julgado e ultimadas as providências, arquivem-se os autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Em suas razões recursais ( Evento 98, APELAÇÃO1, E1), o banco aduziu, em síntese, a inexistência do dever de indenizar, porquanto "o fato de ocorrer cobranças no benefício da apelada não é suficiente para levar o banco apelante ao pagamento de uma indenização, até porque, não há nos autos nenhuma prova que ateste o dano moral sofrido, neste caso, sempre será necessário comprovar o abalo suportado", de forma que a condenação por danos morais deve ser afastada.

Sustentou ainda que a quantia fixada pelo Juízo de origem no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), é excessiva e desproporcional aos parâmetros utilizados por esta Corte de Justiça, merecendo readequação, bem como que "os juros moratórios, assim como a correção monetária, devem incidir a partir da fixação do quantum indenizatório". Requereu, ao final, o provimento do recurso.

Na sequência, a autora interpôs recurso adesivo (Evento 102), no qual postula a majoração do quantum indenizatório, porquanto o valor arbitrado é insuficiente devido a gravidade dos danos suportados e à capacidade econômica das partes, devendo ser majorada para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Ressaltou o descabimento da devolução em dobro dos valores descontados e a necessidade da redução da verba honorária. Ao final, postulou pelo provimento do recurso.

Intimados para contrarrazoar os recursos, o lapso transcorreu sem manifestação, ascendendo os autos a esta Corte de Justiça.

Recebo-os conclusos.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que deles se conhece.

1. Do recurso da casa bancária

1.1 Danos morais

In casu, é fato incontroverso - até porque não foi objeto de recurso - a inexistência de relação jurídica entre as partes, pois a autora refutou a assinatura no contrato juntado aos autos (Evento 25, CONTR3, E1), fato este corroborado pela perícia grafotécnica realizada (Evento 72, LAUDO1), evidenciando, assim, que os descontos mensais promovidos em seu benefício, no valor de R$ 20,02 (vinte reais e dois centavos), identificados pelo contrato nº 803011798, decorre, em verdade, da atuação de terceiro falsário.

A celeuma cinge-se, portanto, em averiguar se os aludidos descontos decorrentes da contratação fraudulenta causaram danos imateriais à autora.

Em que pese os argumentos tecidos pelo banco, o quadro fático manifestado no caderno processual indica, sim, a ocorrência de abalo moral, cujo gatilho advém, essencialmente, de descontos pecuniários operados que geraram intensa sensação de insegurança à apelada/autora, que se viu obrigada a acionar o Judiciário como forma de compelir o réu a cessar os descontos.

Logo, emana abusiva a conduta encetada pela ré, que mesmo não possuindo qualquer relação jurídica com a autora, conforme fez prova o laudo técnico produzido nos autos, lançou desconto na conta da autora (Evento 1, EXTR5, E1), usurpando-se de quantia que não fazia jus.

Ademais disso, a apelante é empresa de grande porte, com abrangência em território nacional, lidando diariamente com todas as espécies de pessoas/consumidores, certamente dispondo de alto montante de recursos e infraestrutura capazes de evitar erros operacionais tais como o equívoco retratado na presente lide. Logo, de bom alvitre que houvesse se cercado das mais variadas cautelas e possibilidades tecnológicas, as quais certamente dispõe, suficientes para impedir o desconto de valores em benefícios previdenciários de pessoas humildes, como a autora, cuja fragilidade dos rendimentos resta sobejamente aumentada quando se tem subtraídas quantias indevidas.

Portanto, tendo a autora comprovado que sofre descontos operados pelo banco desde fevereiro de 2015 (Evento 1, EXTR5, E1), entende-se que o fato é capaz de prejudicá-la a ponto de trazer preocupações, incômodos e aborrecimentos a serem reparados, especialmente porque da análise do seu benefício previdenciário já sofria outros descontos oriundos de empréstimos consignados.

Logo, evidenciada a fraude na contratação e a via crucis enfrentada pela autora, que foi alvo do descaso da ré, incidem, no caso, as disposições contidas nos arts. 186 e 927 do Código Civil, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(...)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Nesse sentido, já se decidiu:

1) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS FIRMADOS. FALSIFICAÇÃO DE ASSINATURA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA RECÍPROCA. RECURSO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CULPA DIANTE DE FRAUDE PERPETRADA POR TERCEIRO FALSÁRIO. FALSIDADE DA ASSINATURA ATESTADA POR PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA QUE, TODAVIA, PRESCINDE DA AFERIÇÃO DE CULPA. DEVER DE INDENIZAR MANTIDO. DANO MORAL. DESCONTOS EFETUADOS NA ÚNICA FONTE DE RENDA DA AUTORA, A QUAL POSSUI CARÁTER ALIMENTAR. TRANSPOSIÇÃO DO MERO DISSABOR. ABALO ANÍMICO CARACTERIZADO. (...) RECURSO DA RÉ CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5000505-98.2021.8.24.0009, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 05-04-2022).

2) APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES. 1) RECLAMO DO RÉU. 1.1) DESCONTO INDEVIDO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS REVELADORES DO NEGÓCIO JURÍDICO ENTRE AS PARTES. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA INDICATIVA DE FALSIDADE DA ASSINATURA DA DEMANDANTE NO CONTRATO. BANCO QUE NÃO SE DESINCUMBIU DO ÔNUS DE PROVAR A EXISTÊNCIA DO DÉBITO SUPOSTAMENTE PACTUADO PELA CONSUMIDORA (ART. 373, II, DO CPC/15). ILICITUDE DA CONDUTA CARACTERIZADA. ATO ILÍCITO INDENIZÁVEL IRREFUTÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. (...) RECURSO DO RÉU CONHECIDO E DESPROVIDO. APELO DA DEMANDANTE CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5017754-69.2020.8.24.0018, do Tribunal de Justiça de Santa...

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