Acórdão Nº 5009044-78.2020.8.24.0012 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 17-06-2021

Número do processo5009044-78.2020.8.24.0012
Data17 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5009044-78.2020.8.24.0012/SC

RELATOR: Desembargador ROBERTO LUCAS PACHECO

APELANTE: LORI PEPES (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Na comarca de Caçador, Lori Pepes ajuizou ação "declaratória de inexistência de relação jurídica com pedido liminar de tutela de urgência cumulada com repetição de indébito e indenização por danos morais" em face de Banco BMG S.A., objetivando a declaração de inexistência de contratação de empréstimo pela modalidade de cartão de crédito, a restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente na aposentadoria da parte autora e a condenação do banco réu ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 7.000,00 e, sucessivamente, a readequação do contrato para a modalidade de empréstimo consignado "padrão". Postulou, ainda, prioridade na tramitação, a inversão do ônus da prova, a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça e a condenação da instituição financeira ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.

O pleito foi fundado na alegada ausência de contratação dessa espécie de avença, aduzindo ter firmado apenas contrato de empréstimo consignado, cujo pagamento se daria mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Para embasar sua pretensão, juntou os documentos do Evento 1 dos autos de origem.

O pedido de antecipação de tutela foi deferido (Evento 3), mesma ocasião em que foi concedido o benefício da gratuidade judiciária e inversão do ônus da prova.

Citado, o banco demandado apresentou contestação e documentos, asseverando a legalidade da contratação. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos formulados na inicial (Evento 12).

A parte autora manifestou-se sobre a contestação (Evento 17).

Em seguida, o togado a quo julgou antecipadamente a lide, proferindo sentença nos seguintes termos (Evento 19):

Pelo exposto, confirmo a liminar concedida, tornando-a definitiva e, nos termos do art. 487, I do CPC/2015, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para:

a) RECONHECER a ilegalidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, por conseguinte, determinar a sua adequação para contrato de empréstimo consignado, no valor obtido pela parte autora através do saque pelo cartão, aplicando-se os encargos pela taxa média de mercado divulgados pelo Banco Central à época da contratação (02/12/2016), ou seja, 30,30% ao ano e 2,23% ao mês (Taxa média de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Crédito pessoal consignado para aposentados e pensionistas do INSS - Códigos 20746 e 25468), com a devida compensação, na forma simples, dos valores descontados indevidamente pela instituição financeira a título de RMC, atualizados monetariamente pela variação do índice INPC/IBGE a contar de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação (22/12/2020 - Evento 9). Na hipótese de excesso de margem consignável, o pagamento ficará suspenso até a liberação de margem para a inserção de seu desconto na folha de pagamento, nos termos da fundamentação.

b) DETERMINAR a repetição do indébito em favor da parte autora, na forma simples (correção monetária pela variação do índice INPC/IBGE a contar de cada desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação), acaso verificado em liquidação ou cumprimento de sentença que os valores objeto do empréstimo foram integralmente quitados, restando crédito em favor da parte consumidora. Restando débito da parte autora para com a instituição financeira demandada, deverá esta readequar os descontos nos termos desta decisão.

c) CONDENAR a parte ré ao pagamento do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a título de indenização por danos morais, corrigido monetariamente pela variação do INPC-IBGE desde a data da publicação desta sentença e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir do momento em que ocorreu o ato ilícito, nos termos da fundamentação acima (Súmula 54 do STJ).

Considerando a sucumbência mínima da parte autora, condeno o banco réu ao pagamento integral das despesas processuais e honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, consistente no importe de 15% do valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 85, § 2º do CPC.

Inconformada, a instituição financeira interpôs recurso de apelação, objetivando: a) a observância ao entendimento pacificado na Turma de Uniformização por meio de seu Enunciado de n. XIV; b) a declaração de legalidade do contrato firmado entre as partes, porque a parte autora teria aderido expressamente ao contrato para utilização de cartão de crédito mediante consignação em folha de pagamento; c) a ausência de dano moral; e e) subsidiariamente, a redução do valor do dano moral (Evento 25).

Também insatisfeita com a procedência parcial dos pedidos, a parte autora recorreu com o fito de ver reformada a sentença para majorar o valor da condenação em danos morais para o patamar de R$ 7.000,00, bem como reiterou o pedido de concessão da justiça gratuita (Evento 30).

Depois de apresentadas as contrarrazões pela parte autora (Evento 33) e pela instituição financeira (Evento 36), o feito foi remetido a esta Corte.

VOTO

1 Inicialmente, a parte autora renovou pedido de concessão da gratuidade da justiça para isenção do pagamento do preparo recursal.

Compulsando os autos, constata-se que o benefício pretendido foi deferido pelo juízo a quo no despacho do Evento 3 e, nos termos do art. 9º da Lei n. 1.060/1950, "os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até decisão final do litígio, em todas as instâncias", de sorte que é desnecessário novo requerimento em grau recursal.

Ademais, o Código de Processo Civil prevê que a gratuidade da justiça compreende "os depósitos previstos em lei para interposição de recurso [...]" (art. 98, § 1º, VII).

Nesses termos, o recurso não é conhecido no ponto, por ausência de interesse recursal.

2 Ainda em preliminar, cumpre tecer alguns comentários acerca do enunciado XIV da Turma de Uniformização, citado pelo banco réu em recurso, que fixou o entendimento que reconhece a legalidade dos contratos de cartão de crédito consignado.

O Grupo de Câmaras de Direito Comercial desta Corte entendeu que a matéria não envolve questão unicamente de direito, pois há necessidade de "juízo de valor sobre o comportamento do consumidor litigante" (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0000507-54.2019.8.24.0000, rel. Des. Monteiro Rocha, j. em 12.6.2019), motivo pelo qual não se aplica o enunciado supracitado.

Nesse sentido:

APELAÇÕES CÍVEIS. "AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO". CONTRATO DE EMPRÉSTIMO VIA CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.

[...]

PLEITO PARA UTILIZAÇÃO DE JULGAMENTO PARADIGMA DA TURMA DE UNIFORMIZAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS. INVIABILIDADE. GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO COMERCIAL DESTA CORTE QUE INADMITIU O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS N. 0000507-54.2019.8.24.0000 SOBRE O MESMO TEMA TRATADO NESTE AUTOS EM VIRTUDE DA NECESSIDADE DE JUÍZO DE VALOR SOBRE O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR LITIGANTE, NÃO SENDO POSSÍVEL GENERALIZAR A VALIDADE OU INVALIDADE DOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO VIA CARTÃO DE CRÉDITO E RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. PROEMIAL REJEITADA (Apelação Cível n. 0310842-67.2017.8.24.0020, de Meleiro, rel. Des. José Maurício Lisboa, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. em 27.8.2019).

Desse modo, fica afastada a prefacial aventada.

No mais, presentes os requisitos de admissibilidade nos apelos interpostos, passa-se à análise do quaestio juris.

3 A questão será analisada à luz do Código de Defesa do Consumidor, porquanto a relação jurídica estabelecida entre as partes litigantes amolda-se às definições de consumidor final e fornecedor de serviços previstas nos arts. 2º e 3º, § 2º, daquela lei especial de regência.

Dito...

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