Acórdão Nº 5009073-65.2021.8.24.0054 do Segunda Turma Recursal, 22-11-2022

Número do processo5009073-65.2021.8.24.0054
Data22 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Tipo de documentoAcórdão
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5009073-65.2021.8.24.0054/SC

RELATORA: Juíza de Direito Margani de Mello

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: NEREIDA KOTKOSKI (ACUSADO) APELADO: MARCOS AURELIO CORREA (ACUSADO)

RELATÓRIO

Conforme autoriza o artigo 63, parágrafo 1º, do Regimento Interno das Turmas Recursais, dispensa-se o relatório.

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, insurgindo-se contra a sentença que absolveu NEREIDA KOTKOSKI e MARCOS AURELIO CORREA pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 268, do Código Penal. Sustenta, em síntese, que a conduta dos apelados foi frontalmente contrária às determinações do poder público e facilitaram a propagação da doença, e que todo aquele que descumprir lei (Lei n. 13.979/20) ou ato administrativo (demais normas do Poder Público) que vise impedir a introdução ou a propagação do coronavírus no Brasil, desde que o faça dolosamente, incorrerá nas sanções do art. 268 do Código Penal, ainda que da ação/omissão não resulte nenhum resultado concreto, por se tratar de crime de perigo comum, por meio do qual a lei presume, de forma absoluta, o risco causado à coletividade e à saúde pública pela mera infração de determinação do Poder Púbico, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.

Contrarrazões apresentadas no Evento 70.

Parecer ministerial de segundo grau no Evento 88, opinando pelo desprovimento do apelo.

De fato, o reclamo não merece acolhida.

O entendimento consignado na decisão recorrida encontra-se em consonância com o firmado pelas Turmas Recursais deste Tribunal de Justiça e de outros Tribunais pátrios, no sentido de que O art. 268 do CP é norma penal em branco, que necessita de complementação para sua exata delimitação e produção de efeitos jurídicos. Na esfera criminal essa complementação é de competência exclusiva da União, não competindo a Estados e Municípios complementar ato normativo próprio do poder federal que implique em reflexos na legislação penal. (Apelação Criminal, Nº 71010527885, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luis Gustavo Zanella Piccinin, Julgado em: 22-08-2022)

À guisa de fundamentação, colhe-se o seguinte excerto do voto proferido em acórdão julgado pelo TJPR em caso semelhante:

(...) Da infração de medida sanitária (Art. 268 do CP)

A defesa do Apelante alega que a conduta de Matheus é atípica, eis que o Decreto Municipal vigente na época dos fatos (Decreto nº 168/2020), em seu artigo 2º, determinava o uso obrigatório de máscaras para situações distintas da que o apelante se encontrava. Aduziu que para pessoas que frequentavam estabelecimentos públicos ou privados, o uso de máscara era apenas recomendado, e não obrigatório, não tendo o acusado infringido qualquer determinação do Poder Público Municipal.

Pois bem.

O art. 268 do Código Penal dispõe:

Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa. (...)

Ademais, necessário destacar, que o artigo 268 do Código Penal constitui norma penal em branco, ou seja, trata-se de um preceito incriminador que se destina à proteção da saúde pública, mas exige complementação por outra norma, isto é, uma determinação específica do Poder Público que tenha o objetivo de impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.

Conforme disciplina o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt:

Trata-se, na realidade, de normas de conteúdo incompleto, vago, impreciso, também denominadas normas imperfeitas, por dependerem de complementação por outra norma jurídica (lei, decreto, regulamento, portaria, resolução, etc.), para concluírem a descrição da conduta proibida. A falta ou inexistência dessa dita norma complementadora impede que a descrição da conduta proibida se complete, ficando em aberto a descrição típica. Dito de outra forma, a norma complementar de uma lei penal em branco integra o próprio tipo penal, uma vez que esta é imperfeita, e, por conseguinte, incompreensível por não se referir a uma conduta juridicamente determinada e, faticamente, identificável. (Bitencourt, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal: parte geral, 20 ed., São Paulo, Saraiva, 2014, p. 201).

Ocorre que a competência para legislar sobre direito penal é privativa da União (CF/88, art. 22, inciso I), de tal forma que não estão autorizados os Estados, Municípios e Distrito Federal) a complementar ato normativo próprio do poder federal que implique reflexos em matéria penal.

Em outras palavras, significa dizer que em nosso ordenamento jurídico não é admissível a incriminação direta ou indireta de condutas por atos normativos locais, isto é, aqueles não editados pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT