Acórdão Nº 5009107-30.2020.8.24.0004 do Quinta Câmara Criminal, 23-09-2021

Número do processo5009107-30.2020.8.24.0004
Data23 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5009107-30.2020.8.24.0004/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: JOSE ENI LENTZ DA SILVA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia em face de Jose Eni da Silva, imputando-lhe a prática do crime do artigo arts. 33, caput, e 35, ambos c/c art. 40, inciso III, todos da Lei n. 11.343/2006, no art. 180, caput, do Código Penal, e no art. 2º, §2º, da Lei n. 12.850/2013. Também em face de Danival Dias da Silva imputando-lhe a prática das infrações das normas penais incriminadoras contidas nos arts. 33, caput, e 35, c/c art. 40, inciso III, todos da Lei n. 11.343/2006. Ambas tendo como base os seguintes fatos narrados na peça acusatória (evento 1 da ação penal):

1. Da associação para a prática do crime de tráfico de drogas (art. 35, caput, da Lei 11.343/06)

Em data que melhor será apurada no curso da instrução, porém durante o ano de 2020, os denunciados José Eni Lentz da Silva e Danival Dias da Silva se associaram de maneira estável e duradoura com a finalidade de praticarem, juntos, o delito de tráfico de entorpecentes - notadamente a droga conhecida como crack (que contém, em sua composição, a substância cocaína) -, utilizando-se, para tanto, do "Bar e Mercearia MC Tequila" e de uma residência anexa, bem como de outra residência de cor verde situada em frente ao estabelecimento comercial e do terreno ao lado desta, todos localizados na Rua Edgar Rodolfo Rick, Bairro Divinéia, em Araranguá/SC, onde passaram ambos, em concurso de vontades, a guardar porções da droga conhecida como crack, para ulterior fracionamento, distribuição e venda a usuários da região.

Constatou-se, ademais, que o bar em questão era administrado pelo denunciado José Eni Lentz da Silva, e que o denunciado Danival Dias da Silva ficava responsável por se deslocar até o local onde as drogas permaneciam escondidas e apanhá-las para fazer a entrega aos usuários, que as consumiam na residência de José Eni, anexa ao bar, de sorte a evitar a abordagem pela Polícia.

2. Do tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/06)

No dia 29 de outubro de 2020, por volta das 15h, no terreno ao lado da residência localizada na Rua Edgar Rodolfo Rick, Bairro Divinéia, em Araranguá/SC, local que se situa nas imediações de estabelecimento de ensino (E. B. Municipal Nova Divinéia), constatou-se que os denunciados José Eni Lentz da Silva e Danival Dias da Silva ali mantinham em depósito, para fracionamento, embalagem e venda, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 5,08 (cinco gramas e oito centigramas) da droga conhecida como crack (que contém, em sua composição, a substância cocaína), as quais estavam enterradas nas proximidades de uma árvore.

Ressalta-se que a cocaína é uma substância capaz de causar dependência física e/ou psíquica, cujo uso é proibido em todo o território nacional, de acordo com a Portaria n. 344/98 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.

3. Da receptação

Em data a ser esclarecida no curso da instrução, porém entre os anos de 2018 e 2020, o denunciado José Eni Lentz da Silva recebeu de pessoa não identificada, por valor ignorado, na cidade de Araranguá, uma máquina fotográfica da marca Fujifilm, de propriedade da vítima Jonas de Matos Sombrio, mesmo sabendo tratar-se de produto de crime de furto, uma vez que o bem fora subtraído de seu proprietário no ano de 2018, em sua residência localizada em Araranguá.

4. Da participação em organização criminosa

Ao menos desde meados do ano de 2019, e até a sua prisão, ocorrida em 29.10.2020, o denunciado José Eni Lentz da Silva integrou, pessoalmente, a organização criminosa Primeiro Grupo Catarinense ("PGC"), sendo conhecido, no âmbito da referida facção, pelas alcunhas (ou "vulgos") "Zé da Lete" e, mais recentemente, "Fiel", tendo ele participado ativamente de grupos de conversação dos membros da organização no aplicativo "WhatsApp", tais como o grupo "Família Linda", em que eram abordados abertamente assuntos relativos ao financiamento das atividades da organização criminosa. Apurou-se, ademais, que, a título de contribuição para o financiamento das atividades criminosas da organização, o denunciado pagava o valor de R$ 200,00 (duzentos reais) mensais, sendo essa parcela conhecida como "dízimo" ou "sagrado".

4.1 Da causa de aumento pelo emprego de arma de fogo na atuação da organização criminosa

Registra-se que a organização criminosa "Primeiro Grupo Catarinense" (PGC), à qual o denunciado José Eni Lentz da Silva é vinculado, emprega armas de fogo em sua atuação.

A denúncia foi recebida (evento 5 da ação penal), os acusados foram devidamente citados (eventos 14 e 15 da ação penal) e apresentaram resposta à acusação (evento 25 da ação penal).

A resposta à acusação foi recebida e, não sendo caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (evento 33 da ação penal).

Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, seguido dos interrogatórios dos acusados (evento 157 da ação penal).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finas pelo Ministério Público (evento 196 da ação penal) e pela defesa (evento 216 da ação penal), sobreveio sentença (evento 219 da ação penal) com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia para:

a) condenar o réu Jose Eni Lentz da Silva, já qualificado nos autos, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 8 (oito) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 32 (trinta e dois) dias-multa, fixada em 1/30 do salário mínimo, por infração ao artigo 180, caput, do Código Penal c/c art. 2º, §2º, da Lei n. 12.850/13, na forma do art. 69, caput, do Código Penal.

b) absolver o réu Danival Dias da Silva, já qualificado nos autos, da imputação constante dos arts. 33 e 35, caput, c/c art. 40, inciso VI, todos da Lei n. 11.343/06, com fulcro no art. 386, inciso VII, do CPP.

c) absolver o réu Jose Eni Lentz da Silva, já qualificado, da imputação constante dos arts. 33 e 35, caput, c/c art. 40, inciso VI, todos da Lei n. 11.343/06, com fulcro no art. 386, inciso VII, do CPP.

Irresignado, o réu Jose Eni Lentz da Silva interpôs recurso de apelação onde pleiteia, preliminarmente, a nulidade das provas emprestadas juntadas aos autos; no mérito, requer sua absolvição do delito do artigo 2º da Lei n. 12.850/2013, sob alegação de insuficiência probatória, assim como do artigo 180, caput, do Código Penal pela ausência de comprovação da materialidade. Subsidiariamente, caso não seja este o entendimento, requer que (I) seja desclassificado o delito de receptação para modalidade culposa; (II) seja afastada a causa de aumento prevista no §2º do artigo 2º da Lei n. 12.850/2013; (III) diminuição da pena, afastando-se a valoração negativa dos antecedentes criminais e das circunstâncias do crime e (IV) redução da fração utilizada para majorar a reprimenda na primeira fase da dosimetria (evento 241 da ação penal).

O Ministério Público apresentou as contrarrazões (evento 248 da ação penal) e os autos ascenderam a este Tribunal.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Procurador Paulo Antônio Günther manifestando-se pelo conhecimento e não provimento do apelo (evento 22).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Como sumariado, trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo réu Jose Eni Lentz da Silva, o qual busca a reforma da sentença proferida pela MM. Juíza de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Araranguá, que condenou-o ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 8 (oito) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 32 (trinta e dois) dias-multa, fixada em 1/30 do salário mínimo, por infração ao artigo 180, caput, do Código Penal c/c art. 2º, §2º, da Lei n. 12.850/13, na forma do art. 69, caput, do Código Penal.

1 - Preliminar

De início o apelante sustenta, em sede de preliminar, que "a prova emprestada, trazida dos autos n. 5002573-70.2020.8.24.0004, da 2ª Vara Criminal da Comarca de Araranguá é ilícita, eis que obtida de forma irregular, em momento processual inoportuno, sem o respeito ao CONTRADITÓRIO, merecendo ser desprezada e desentranhada do presente processo" (evento 241 da ação penal).

Adianto, não se vislumbra qualquer mácula ou afronta ao contraditório.

Um dos argumentos trazidos pela defesa para fundamentar sua tese é que o apelante José Eni não era parte do processo de onde se originou a prova aqui juntada como emprestada e, deste modo, não se manifestou acerca do assunto.

A possibilidade de aproveitamento de prova colhida em outro processo é pacífico na jurisprudência pátria, sempre que não seja o único elemento de prova contido nos autos, bem como tenha havido contraditório e ampla defesa em relação à prova.

Ao contrário do que defende o apelo, para utilização válida da prova emprestada não se exige coincidência de partes entre os processos, eis que o Superior Tribunal de Justiça entende que "[...] o uso da prova emprestada é amplamente admitida no processo penal, seja obtida de processos com partes distintas seja de desmembramento do próprio feito, desde que assegurado ao réu o efetivo contraditório" (REsp 1.340.069/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe 28/08/2017) - grifei.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXPLORAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA DA UNIÃO SEM AUTORIZAÇÃO OU LICENÇA. ART. 55 DA LEI N. 9.605/98. ART. 2º DA LEI N. 8.176/91. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. DEBATE NA ESFERA CÍVEL. ARTS. 93, 156 E 386, VIII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PROVA EMPRESTADA. CONTRADITÓRIO. ART. 155 C/C ART. 386, VII, DO CPP. DOSIMETRIA. PENA-BASE. AUMENTO JUSTIFICADO. EXTRAÇÃO DE 655.000 KG DE ÁGATA. NEGADO PROVIMENTO. [...] 4. A utilização da prova emprestada é...

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