Acórdão Nº 5009251-89.2020.8.24.0008 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 14-06-2022

Número do processo5009251-89.2020.8.24.0008
Data14 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5009251-89.2020.8.24.0008/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: CATIA VIRGINIA RAMOS (AUTOR) ADVOGADO: EDUARDO FARIA DE OLIVEIRA CAMPOS (OAB PR037730) ADVOGADO: ROBSON RAFAEL PASQUALI (OAB SC031222) ADVOGADO: LUIZ PIRES DE MATTOS FILHO (OAB PR033936) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

Cátia Virginia Ramos ajuizou ação declaratória de inexistência de relação jurídica c/c repetição de indébito e indenização por danos morais (RMC) em desfavor de Banco BMG S.A., ao argumento de que está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contratação de cartão de crédito que aduz ter sido realizada mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Contestação da casa bancária (evento 7).

Réplica (evento 11).

Ato contínuo, sobreveio sentença da qual se extrai a seguinte parte dispositiva (evento 21):

Ante o exposto, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, julgo improcedentes os pedidos consubstanciados na inicial.

Revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios do patrono do réu, no valor de R$ 1.000,00 (dois mil reais), ex vi o artigo 85, §8º do Código de Processo Civil.

A exigibilidade das despesas processuais e dos honorários advocatícios está suspensa com relação à(s) parte(s) ativa, durante o prazo extintivo de 5 (cinco) anos, em face da concessão dos benefícios da Gratuidade da Justiça, nos termos dos arts. 98 a 102 do CPC e da Lei 1.060/1950.

Os litigantes estão obrigados a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo, observada a mesma proporção antes fixada, admitida a compensação, conforme art. 82, § 2º, do CPC.

Publique-se Registre-se Intime-se.

Em caso de apelação, verificado o cumprimento dos requisitos dos parágrafos 1º e 2º do art. 1.009 do CPC, ascendam os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça, nos termos do parágrafo 3º do art. 1.010.

Transitada em julgado, arquive-se.

Irresignada com o decisum de primeiro grau, a parte autora apresentou recurso de apelação (evento 28), inicialmente alegando a nulidade da sentença em razão da ausência de cédula de crédito bancário para comprovar a transferência de valores e pelo fato do contrato ser diverso do objeto da lide. No mérito, pleiteia pela reforma da sentença vergastada para: 1) reconhecer a nulidade do contrato de empréstimo consignado por meio de cartão de crédito e, por consectário, dos descontos realizados em seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (RMC); 2) determinar a condenação da casa bancária por dano moral; 3) repetição de indébito em dobro; 4) condenação da parte ré em custas e honorários advocatícios.

Por conseguinte, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.

É o relato do necessário.

VOTO



Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou improcedentes os pedidos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

1 Contrato diverso do objeto da lide

A parte apelante alega que o contrato apresentado pela casa bancária apelada não se refere ao instrumento objeto da lide, uma vez que o histórico de créditos gerado pelo INSS apresenta data de inclusão diversa da data da assinatura presente no contrato, requerendo, assim, a nulidade da sentença a quo.

Verifica-se que, apesar da data de inclusão no histórico do INSS ser de 16-2-2017 e a da assinatura do contrato ser de 7-12-2015, no contrato apresentado na contestação pela casa bancária consta a assinatura da parte autora e possui valor de saque e desconto/pagamentos mínimos mensais semelhantes, portanto, hígido o instrumento contratual.

Neste sentido, já se pronunciou esta Câmara:

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO CUMULADA COM RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA - RECLAMOS INTERPOSTOS POR AMBOS OS LITIGANTES. APLICABILIDADE DO ART. 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - AFIRMAÇÃO DO AUTOR DE QUE A RÉ TROUXE AOS AUTOS CONTRATO DIVERSO DAQUELE CONSTANTE NO EXTRATO DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS EMITIDO PELO INSS - CONSTATAÇÃO, ENTRETANTO, DA SEMELHANÇA ENTRE AS DATAS DE PACTUAÇÃO E INCLUSÃO NO SISTEMA, ALÉM DO MONTANTE DESCONTADO SER EQUIVALENTE ÀQUELE ACORDADO ENTRE AS PARTES - APELO DO CONSUMIDOR DESPROVIDO NO PONTO.

Afigura-se desarrazoada a aplicação do art. 400 da Lei Adjetiva Civil em relação ao pacto informado perante o INSS (extrato de empréstimos consignados), uma vez que demonstrado nos autos se tratar do mesmo instrumento, embora com diferente numeração, daquele referido no "termo de adesão" colacionado ao feito pela instituição financeira, dada a semelhança entre as datas de assinatura e de inclusão no sistema do instituto de previdência, além do valor efetivamente descontado equivaler àquele ajustado. [...] (Apelação Cível n. 0307126-38.2018.8.24.0039, de Lages, rel. Robson Luz Varella, j. 24-09-2019).

E do corpo do acórdão, extrai-se o excerto:

"Ocorre que, embora a numeração referida no "termo de adesão" de fls. 82/86 seja diferente, a data da assinatura do ajuste (13/6/2018 - 84) se assemelha com a de inclusão no sistema do instituto de previdência (14/6/2018 - fl. 24).

Ademais,a importância prevista no pacto para desconto na folha de pagamento do acionante (R$ 46,85) não difere substancialmente daquela registrada pelo INSS (R$ 47,70).

Em vista disso, impõe rejeitar a rebeldia do autor no sentido de que a documentação de fls. 82/86 não seria relativa ao instrumento referido à fl. 24".

Assim, rejeita-se a nulidade apontada.

2 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida eterna, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Da análise detida dos autos em epígrafe, depreende-se que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo consignado, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento" (evento 7, CONTR4).

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da parte requerente, ora apelante, o contexto fático-probatório coligido nos autos revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que houve um desvirtuamento da real intenção da demandante que, ao que tudo indica, desejava apenas realizar um empréstimo consignado, sem, contudo, adquirir/contratar qualquer cartão de crédito.

Oportunamente, cumpre destacar que os próprios extratos bancários juntados pela casa bancárias no evento 7, FATURA5, demonstram que não houve a utilização do cartão de crédito pela parte demandante para compras ou serviços. Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrente sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do recorrido, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a...

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