Acórdão Nº 5009410-22.2021.8.24.0000 do Primeira Câmara de Direito Público, 06-07-2021

Número do processo5009410-22.2021.8.24.0000
Data06 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Instrumento Nº 5009410-22.2021.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA


AGRAVANTE: MUNICÍPIO DE BLUMENAU AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Ministério Público de Santa Catarina propôs "ação civil pública" em face do Município de Blumenau.
Alegou que: 1) instaurou inquérito civil para apurar suposta omissão estatal em promover a regularização fundiária do Loteamento Sol Nascente, ocupação irregular considerada Zona de Especial Interesse Social pelo Decreto Municipal n. 9.099/2010; 2) apurou que no local existem áreas de médio e alto risco geológico; 3) a declaração do ente público é inconclusiva quanto à possibilidade de se manter o aglomerado urbano, pois condiciona à avaliação técnica, a qual não foi realizada até o momento e 4) a inércia da municipalidade está causando sérios prejuízos aos moradores da região, tanto do ponto de vista da sonegação do direito à moradia como no plano da garantia da segurança individual.
Postulou a condenação do requerido em obrigação de fazer, consistente em: 1) elaborar estudos técnicos voltados à regularização/desocupação da área, sob pena de multa mensal e 2) implementar as determinações dos planos técnicos (autos originários, Evento 1).
Foi proferida decisão nos seguintes termos:
Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para determinar que o município de Blumenau, no prazo de um ano, realize os estudos técnicos voltados regularização fundiária indicando as medidas estruturais recomendadas para a mitigação dos riscos, ou desocupação, da área localizada no denominado "loteamento Sol Nascente", sob pena de multa mensal, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por mês de descumprimento, limitada ao valor máximo de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) a ser revertida ao Fundo Estadual para Recuperação de Bens Lesados. [...](autos originários, Evento 11)
O município interpôs agravo de instrumento sustentando que: 1) as condições geotécnicas do local impedem a regularização fundiária; 2) já está monitorando o loteamento e conscientizando a comunidade por meio de ações de assistência social; 3) a ordenação do solo urbano é ato discricionário do poder público, não podendo ser objeto de judicialização, sob pena de ofensa à separação de poderes e 4) a multa mensal no valor de R$ 5.000,00 por eventual descumprimento da obrigação é desproporcional, configurando enriquecimento sem causa.
A medida urgente foi indeferida (Evento 4).
Com as contrarrazões (Evento 13), a d. Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou pelo desprovimento do recurso, em parecer da lavra do Dr. Murilo Casemiro Mattos (Evento 16)

VOTO


A decisão proferida pelo MM. Juiz Raphael de Oliveira e Silva Borges deve ser confirmada, cujos fundamentos adoto como razão de decidir:
[...]
Pois bem. Busca o Ministério Público, neste momento processual, impor à parte demandada "no prazo de um ano, a obrigação de efetivar os estudos técnicos voltados à regularização/desocupação da área em exame, tudo sob pena de multa mensal, no valor sugerido de cinco mil reais (R$ 5.000,00), devidos ao Fundo Estadual para Recuperação de Bens Lesados, até o máximo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)".
O art. 30, inciso VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, prescreve que: "Compete aos Municípios: [...] promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;".
Sobre o assunto leciona Hely Lopes Meirelles:
As atribuições municipais, no campo urbanístico, desdobram-se em dois setores distintos: o da ordenação espacial, que se consubstancia no plano diretor e nas normas de uso, parcelamento e ocupação do solo urbano e urbanizável, abrangendo o zoneamento, o loteamento e a composição estética e paisagística da cidade; e o de controle da construção, incidindo sobre o traçado urbano, os equipamentos sociais, até a edificação particular nos seus requisitos estruturais funcionais e estéticos, expressos no Código de Obras e normas complementares.
A competência do Município para a ordenação espacial de seu território, notadamente no que concerne ao uso do solo urbano, se apoia no preceito da Constituição da República que expressamente lhe confere capacidade para 'promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano' (art. 30, VIII) (Direito Municipal Brasileiro, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 1993, p. 392).
Por sua vez, a Lei n. 6.766/97 (lei de parcelamento do solo urbano) estabelece, em seu art. 40, que: "A Prefeitura Municipal, ou o Distrito Federal quando for o caso, se desatendida pelo loteador a notificação, poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença, para evitar lesão aos seus padrões de desenvolvimento urbano e na defesa dos direitos dos adquirentes de lotes" (grifei).
Quanto à exegese do referido dispositivo, a Jurisprudência do STJ se sedimentou no sentido de que constitui dever do Município promover o adequado ordenamento do solo urbano e fiscalizar a sua adequada ocupação, sob pena de responsabilidade subsidiária com loteador irregular, ante a omissão de atribuição vinculada: "[...] Na forma da jurisprudência do STJ, incumbe ao Município o poder-dever de agir para fiscalizar e regularizar loteamento irregular, sendo do ente municipal a responsabilidade pelo parcelamento, uso e ocupação do solo urbano, atividade vinculada e não discricionária (STJ, REsp 1.739.125/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/03/2019). [...] (AgInt no AREsp 1458475/SP, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2019, DJe 23/08/2019)".
No mesmo sentido, colhe-se da Corte Catarinense:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO URBANÍSTICO. LOTEAMENTO CLANDESTINO. PARCELAMENTO IRREGULAR DO SOLO. AUSÊNCIA DE LICENÇA AMBIENTAL PRÉVIA OU DE INSTALAÇÃO OU OPERAÇÃO PARA O LOTEAMENTO "PARQUE RESIDENCIAL LUCIANA". LOTEAMENTOS PENDENTES DE REGULARIZAÇÃO PERANTE O ÓRGÃO MUNICIPAL. PARCELAMENTO DO SOLO EM DESACORDO COM A LEGISLAÇÃO MUNICIPAL. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO MUNICÍPIO. PODER-DEVER DE REGULARIZAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. "É subsidiária a responsabilidade do ente municipal pelas obras de infraestrutura necessárias à regularização de loteamento privado, quando ainda é possível cobrar do loteador o cumprimento de suas obrigações" (STJ, REsp 1.394.701/AC, Relator: Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, j. 17/09/2015). (TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 0900041-43.2017.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 18-12-2018).
Conforme conclama José Afonso da Silva:
O loteamento clandestino constitui, ainda, uma das pragas mais daninhas do urbanismo brasileiro. Loteadores parcelam terrenos de que, não raro, não têm titulo de domínio, por isso não conseguem aprovação do plano, quando se dignam a apresentá-lo à Prefeitura, pois o comum é que sequer se preocupem com essa providência, que é onerosa, inclusive porque demanda a transferência de áreas dos logradouros públicos e outras ao domínio público. Feito o loteamento nessas condições, põem-se os lotes à venda, geralmente para pessoas de rendas modestas, que, de uma hora para outra, perdem seu terreno e a casa que nele ergueram, também clandestinamente, porque não tinham documentos que lhes permitissem obter a competente licença para edificar no lote (SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 334-335).
De acordo com o que se extrai do memorando SEREFH nº 043/2019 (Evento 1, doc. 26, fl. 12), em 13.07.2012 foi aforado o processo administrativo de regularização fundiária nº 2012/6796 da ocupação irregular ocorrida no local denominado Loteamento Sol Nascente, situado no bairro Ponta Aguda, nesta cidade de Blumenau. Após análise e parecer da Diretoria de Geologia, Análise e Riscos Naturais - DGEO, a Secretaria Municipal de Regularização Fundiária e Habitação teria entendido que não estaria apta à regulariazação fundiária do loteamento.
Por sua vez, o Parecer Técnico nº 82/2018 (Evento 1, doc. 28), decorrente de vistoria, relatou que durante o evento de 2008, ocorreram movimentações de massa de pequeno a grande porte, com atingimento e desocupações de residências e interdições de diferentes segmentos de vias de acesso. Segundo o parecer, considerando a vulnerabilidade das ocupações e a instabilidade geotécnica manifestada, o loteamento seria classificado em duas áreas, nos termos do Decreto Municipal nº 11.025/2016, a saber, área de alerta (risco médio), cuja ocupação fica condicionada à análise do projeto de ocupação do lote e área de alerta especial (risco alto), cuja ocupação não é recomendada.
Diante disso, o Parecer Administrativo no processo nº 2012/6796 (Evento 1, doc. 27) teria endossado os seus termos, recomendando a possibilidade de regularização fundiária somente em relação aos lotes inseridos nas áreas de alerta (risco médio), devendo ser implementadas as medidas estruturais para mitigação dos riscos existentes em cada caso, conforme avaliação técnica. Quanto aos lotes inseridos em área de alto risco, entendeu não serem passíveis de regularização fundiária.
O Decreto Municipal nº 11.025/2016 estabelece que:
Art. 6º As intervenções...

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