Acórdão Nº 5009438-87.2021.8.24.0000 do Quarta Câmara Criminal, 08-04-2021

Número do processo5009438-87.2021.8.24.0000
Data08 Abril 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Habeas Corpus Criminal Nº 5009438-87.2021.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador SIDNEY ELOY DALABRIDA


PACIENTE/IMPETRANTE: ANDRESSA REMOCRI DE LIMA (Impetrante do H.C) E OUTRO IMPETRADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA


RELATÓRIO


Cuida-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de Denilson Gallina, ao argumento de estar sofrendo constrangimento ilegal por parte do Juiz de Direito da Vara Criminal da comarca de São Miguel do Oeste.
Narrou a impetrante, em síntese, que o paciente foi preso preventivamente em razão da prática, em tese, do crime de organização criminosa, e o pedido de revogação foi indeferido. Sustentou, todavia, que as decisões combatidas carecem de fundamentação concreta e não estão presentes os requisitos da prisão provisória.
Aduziu que não existem motivos fortes nem contemporâneos de que a liberdade do paciente constituiria ameaça aos interesses tutelados. Acrescentou que a credibilidade da justiça, a periculosidade do agente e a tentativa de obstar a reiteração criminosa não autorizam a adoção da medida extrema e representam afronta ao princípio da presunção de inocência.
Com esses argumentos, postulou a concessão liminar do pedido, a fim de que seja restituída a liberdade, ainda que mediante a imposição de medidas cautelares. Ao final, requereu a confirmação da ordem (Evento 1, INIC1).
O pedido liminar foi indeferido (Evento 10, DESPADEC1).
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Luiz Ricardo Pereira Cavalcanti, manifestou-se pelo conhecimento e pela denegação do writ (Evento 14, PROMOÇÃO1)

VOTO


Com efeito, não se vislumbra a possibilidade de conceder a ordem postulada, porquanto necessária a segregação.
O princípio da presunção de inocência decorre do postulado da dignidade da pessoa humana e pressupõe que qualquer restrição à liberdade individual seja, efetivamente, indispensável. Logo, a adoção da segregação provisória presume a demonstração objetiva, com base em fatos concretos, dos seus respectivos pressupostos legais e não se satisfaz com a gravidade abstrata do delito supostamente praticado.
Consoante esta Corte, "o tratamento da matéria requer a compreensão de que não é aceitável a prisão exclusivamente ex lege, provisória ou definitiva, devendo sempre o comando legal passar pelo controle e pela individualização do órgão do Poder Judiciário, competente para a análise das singularidades do caso concreto" (Recurso em Sentido Estrito n. 0001905-10.2019.8.24.0041, de Mafra, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, Segunda Câmara Criminal, j. em 3/3/2020).
Assim, à luz das disposições contidas nas Leis ns. 12.403/11 e 13.964/19, a decretação da prisão preventiva será possível quando, além de presentes os requisitos constantes dos arts. 312 e 313, ambos do Código de Processo Penal, revelarem-se inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da segregação (arts. 282, § 6º, e 310, II, ambos do referido Código).
Tais medidas foram criadas com o objetivo de substituir a aplicação da prisão preventiva, evitando-se o excesso de segregação provisória. A regra, portanto, deverá ser a imposição preferencial delas em substituição ao decreto constritivo, que ficará reservado para casos de superior gravidade, quando presentes o periculum libertatis.
A Lei n. 13.964/19 estabeleceu, ainda, que "as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público", como também serão precedidas, em regra, da manifestação da parte contrária (arts. 282, §§ 2º e 3º, do referido Código de Processo Penal). Além disso, a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada e fundamentada e devem ser indicados fatos novos ou contemporâneos que a justifiquem (art. 315, caput e § 1º, do Código de Processo Penal).
Colhe-se dos autos n. 5006740-38.2020.8.24.0067 que o Magistrado a quo, diante de representação da autoridade policial (Evento 1, REPRESENTACAO_BUSCA1) e manifestação favorável do órgão do Ministério Público (Evento 4, PROMOÇÃO1), justificou a decretação da prisão temporária, apontando o preenchimento de seus pressupostos legais, notadamente a existência de indicativos da prática do crime de organização criminosa e de outros correlatos, e da imprescindibilidade para as investigações (Evento 12, DESPADEC1).
Para tanto, ponderou que:
3 - DENILSON GALLINA, vulgo DG ou Ciclone: integraria o grupo de WhatsApp intitulado 'Futebol São Miguel' com ramal em nome de EONE BOLLER, o qual seria direcionado especificamente para membros da facção criminosa PGC e se destinaria à troca de informações e publicações entre seus membros (fls. 29-39, 'REL_MISSAO_POLIC3', evento 1). EONE coleciona ocorrências por posse de drogas e roubo, tendo a Autoridade Policial, após análise minuciosa do grupo em exame, destacado que o ramal +55 49 9921-3368 era, à época dos fatos, utilizado para conversas no WhatsApp pelo representado. O representado estaria um nível abaixo dos ministérios e seria representante do Conselho Torre, responsável pela Região Oeste, o qual seria atuante na região Oeste de Santa Catarina (fls. 75-76, "REL_MISSAO_POLIC3", evento 1)".
No que concerne ao periculum libertatis, demonstrou a indispensabilidade da segregação cautelar para as investigações, que objetivam apurar a autoria, materialidade e as circunstâncias do crime de integrar e compor a organização criminosa denominada Primeiro Grupo Catarinense - PGC, além de outros crimes correlatos, a qual é considerada a maior e mais perigosa organização criminosa atuante do Estado de Santa Catarina, responsável pelo comando de rebeliões, roubos, sequestros, homicídios e, principalmente, pelo tráfico de drogas, bem como a organização criminosa Comando Vermelho - CV, que lhe seria vinculada.
Ressaltou, ainda, que "[...] foi constatada crescente ocorrência de crimes nesta pacata região, notadamente o tráfico de drogas, principal meio de fomento do PGC, pelo que a medida é necessária nesse momento, antes que a expansão se torne incontrolável a ponto da organização criminosa se impregnar definitivamente no seio da sociedade migueloestina. Ao que tudo indica, os representados estão amplamente envolvidos em tal contexto criminoso, circunstância que só poderá ser mais bem esclarecida acaso deferida a medida pleiteada, justificando o expediente excepcional em viabilização direta da investigação criminal, a qual não tem outra função senão a tutela da ordem pública".
Ao término do prazo legal, a autoridade policial representou pela prorrogação (Evento 225, REL_MISSAO_POLIC2). Depois de colhida a manifestação favorável do órgão do Ministério Público (Evento 230, PROMOÇÃO1), a autoridade dita coatora prorrogou a prisão temporária do paciente e dos coinvestigados (Evento 233, DESPADEC1, todos dos autos n. 5002832-30.2020.8.24.0048).
Na oportunidade, assentou-se a persistência dos fundamentos que determinaram a adoção da prisão temporária e a presença da extrema e comprovada necessidade de sua prorrogação.
Acrescentou-se que, "deflagrada a operação que ficou denominada como 'Célula Oeste', foram apreendidos aparelhos celulares, drogas, recibos de pagamento, balanças de precisão, cartas, armas de fogo e munições (Evento 225 - REL_MISSAO_POLIC2)", bem como se enalteceu a descoberta de que aplicativo derivado do Whatsapp estava sendo utilizado pelos integrantes das organizações.
Posteriormente, formulada representação pela autoridade policial (Evento 408, REL_FINAL_IPL1), a autoridade dita coatora decretou a prisão preventiva do paciente e de outros investigados, considerando a existência de prova da materialidade e indícios suficientes da autoria, bem como a imprescindibilidade para garantir a ordem pública, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal (Eventos 472, 473, 474, 475 e 476, DESPADEC1, ambos dos autos n. 5006740-38.2020.8.24.0067).
Na ocasião, destacaram-se os indicativos de que o representado integraria o grupo de WhatsApp intitulado "Futebol São Miguel". Seu nome apareceria em diversas conversas captadas pela DIC de Curitibanos no procedimento investigatório, inclusive haveria notícia de que teria ocorrido seu "reapadrinhamento", com reingresso na organização criminosa, em 10/10/2016.
Asseverou-se, ainda, a extrema gravidade da conduta proscrita, consistente em integrar a organização criminosa PGC, sabidamente responsável pelo cometimento de diversos outros delitos, além do risco de fuga e de prejuízo à produção das provas.
Vale pinçar do decisum:
No caso dos autos, a prática criminosa noticiada nos autos alcançou absoluta repercussão junto à ordem pública, não só porque se cuida de ilícito de absoluta gravidade, na medida em que muitas outras infrações penais decorrem da formação de organizações criminosas, tais como o tráfico de drogas, furto, roubo, homicídios, etc. (basta ver as certidões dos representados indicando condenação ou processos em andamento por crimes dessas naturezas), gerando riscos e temores permanentes na sociedade, como diante do nível de organização estabelecido, estando-se diante de Facção criminosa, o Primeiro Grupo da Capital - PGC.
Entendo importantes algumas considerações sobre o crime organizado, afinal, se a verdadeira medida dos delitos é o dano causado à sociedade, o crime organizado ocupa hodiernamente uma das mais altas posições no termômetro da criminalidade (FERRO, Ana Luiza Almeida: Crime Organizado e Organizações Criminosas Mundiais. Curitiba: Juruá, 2012).
Após muitos estudos sobre o crime organizado no Brasil e no mundo, Ferro (Op. Cit.) resume as características do crime organizado, as quais considero imprescindíveis para análise do contexto do crime organizado:
a) estabilidade e permanência da associação;
b) número mínimo de três membros [antiga...

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