Acórdão Nº 5009484-22.2021.8.24.0018 do Primeira Câmara Criminal, 24-06-2021

Número do processo5009484-22.2021.8.24.0018
Data24 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Execução Penal Nº 5009484-22.2021.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: MATHEUS BORTESE (AGRAVADO) ADVOGADO: CELITO DAMO GASTALDO (OAB SC010523)


RELATÓRIO


Pronunciamento judicial agravado: o juiz de direito Gustavo Emelau Marchiori, da 3ª Vara Criminal da comarca de CHAPECÓ, deferiu o pedido formulado pelo apenado Matheus Bortese de aplicação retroativa da Lei 13.964/2019 no que diz respeito ao benefício da progressão de regime, nos seguintes termos:
Vistos para decisão.
Em todos os pedidos de aplicação retroativa do Pacote Anticrime que passam por este juízo há rígido critério de controle para ver se, verdadeiramente, o réu será beneficiado com a utilização da Lei n. 13.964/19.
Aos olhos de poucos, parece haver resistência em conceder a "legislação mais benéfica" ao apenado. Todavia, como será explicado abaixo, não é possível, simplesmente, pegar a parte mais benéfica da nova lei e esquecer do resto. Explico:
Sabe-se que o regime jurídico penal é pautado pela irretroatividade das leis, salvo quando em benefício do réu (art. 5º, XL, CF).
No entanto, para realizar tal tarefa, além de separar normas de caráter processual (art. 2º, CPP) ou penal, o intérprete deve cuidar para não criar uma terceira lei (lex tertia), misturando a antiga com a nova. Também, há que verificar se o resultado, em sua inteireza, é, de fato, mais favorável ao acusado ou não.
Nestor Távora, ao lecionar sobre o conflito de leis no tempo, explica:
A lei processual penal, uma vez inserida no mundo jurídico, tem aplicação imediata , atingido inclusive os processos que já estão em curso, pouco importando se traz ou não situação gravosa ao imputado, em virtude do princípio do efeito imediato ou da aplicação imediata.[...] Já a lei penal, ou seja, aquela que interfere diretamente no direito de punir do Estado, teve disciplina temporal na Carta Magna, asseverando o art. 5º, inciso XL, que 'a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu'. Segundo os tribunais superiores, a aplicação do princípio da lei penal benéfica não autoriza a combinação de leis (ou lex tertia), devendo ser aplicado, na íntegra, o diploma que mais favorece o réu, seja ele o anterior ( revogado) ou o posterior (vigente).
Ademais, a impossibilidade de se criar uma terceira lei já se trata de item sumulado pelo próprio STJ, que assim preceitua no enunciado da súmula n. 501:
É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis.
Vale lembrar, apenas, que a lex tertia é proibida não apenas no âmbito da Lei n. 11.343/06, mas sim para todo o ordenamento jurídico penal.
Veja-se, inclusive, como vem decidindo o E. TJSC sobre o assunto:
RECURSO DE AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE INDEFERE RETIFICAÇÃO DO CÁLCULO DA PROGRESSÃO DE REGIME. RECURSO DO APENADO. 1. FRAÇÃO DA PROGRESSÃO. LEI 13.964/19 (PACOTE ANTICRIME). REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA (LEP, ART. 112). LACUNA. ANALOGIA IN BONAN PARTEM. 2. COMBINAÇÃO DE LEIS. APLICAÇÃO INTEGRAL. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS CASUÍSTICA. 3. CASO CONCRETO. REQUISITO OBJETIVO. CRIMES COMUM VIOLENTO E EQUIPARADO A HEDIONDO NÃO VIOLENTO. REINCIDÊNCIA GENÉRICA. FRAÇÕES DE 25% E 40% (LEP, ART. 112, CAPUT, III E V). LEI NOVA BENÉFICA. RETROATIVIDADE (CF, ART. 5º, XL, E CP, ART. 2º). 1. A reincidência exigida pelo art. 112 da Lei de Execução Penal, com a redação dada pela Lei 13.964/19, para o agravamento das frações de progressão de regime, é a específica em crimes da mesma natureza e, inexistente previsão quanto ao reincidente genérico, deve ser adequado à situação positivada ao condenado primário. 2. Não é permitido ao magistrado, diante de conflito de leis no tempo, mesclar as partes benéficas de cada norma, criando uma terceira, não prevista pelo legislador; a avaliação da lex mitior acontece casuisticamente, a fim de que, a depender do resultado da aplicação na íntegra de uma ou outra, se decida pela ultra-atividade da lei revogada ou a retroatividade da lei nova. 3. Se, ao calcular as frações que seriam necessárias para a progressão de regime de acordo com o ordenamento antes e depois da vigência da Lei 13.964/19, verifica-se que a incidência integral desta é mais favorável ao apenado que a normativa anterior, aplica-se-á retroativamente. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Execução Penal n. 5021668-38.2020.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 23-02-2021).
Do referido acórdão, inclusive, recorta-se:
"2. Não é sempre, contudo, que a Lei 13.964/19 será favorável ao apenado. Embora isso deva ocorrer na maior parte das vezes (tendo em vista a diferença substancial que há entre 3/5 e 40%), dependerá do montante de pena que ele tem a cumprir para cada espécie de delito, especialmente porque, como deixa antever o último precedente citado, não é possível aplicar a Lei nova somente na parte em que é benéfica.
Não se pode pinçar apenas um ponto favorável da Lei moderna e fazê-lo incidir em conjunto com parte benigna da norma antiga, pois é vedada a combinação de leis para criação de terceira via, sob pena de usurpação do papel do Legislador.
Ao tratar da aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4ª, da Lei 11.343/06 aos casos ocorridos sob a égide da Lei 6.368/76, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça pacificou:
I - A Constituição Federal reconhece, no art. 5º inciso XL, como garantia fundamental, o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. Desse modo, o advento de lei penal mais favorável ao acusado impõe sua imediata aplicação, mesmo após o trânsito em julgado da condenação. Todavia, a verificação da lex mitior, no confronto de leis, é feita in concreto, visto que a norma aparentemente mais benéfica, num determinado caso, pode não ser. Assim, pode haver, conforme a situação, retroatividade da regra nova ou ultra-atividade da norma antiga. II - A norma insculpida no art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/06 inovou no ordenamento jurídico pátrio ao prever uma causa de diminuição de pena explicitamente vinculada ao novo apenamento previsto no caput do art. 33. III - Portanto, não há que se admitir sua aplicação em combinação ao conteúdo do preceito secundário do tipo referente ao tráfico na antiga lei (art. 12 da Lei nº 6.368/76) gerando daí uma terceira norma não elaborada e jamais prevista pelo legislador. IV - Dessa forma, a aplicação da referida minorante, inexoravelmente, deve incidir tão somente em relação à pena prevista no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343/06. V - Em homenagem ao princípio da extra-atividade (retroatividade ou ultra-atividade) da lei penal mais benéfica deve-se, caso a caso, verificar qual a situação mais vantajosa ao condenado: se a aplicação das penas insertas na antiga lei - em que a pena mínima é mais baixa - ou a aplicação da nova lei na qual há a possibilidade de incidência da causa de diminuição, recaindo sobre quantum mais elevado. Contudo, jamais a combinação dos textos que levaria a uma regra inédita. VI - O parágrafo único do art. do CP, à toda evidência, diz com regra concretamente benéfica que seja desvinculada, inocorrendo, destarte, na sua incidência, a denominada combinação de leis. VII - A vedação à combinação de leis é sufragada por abalizada doutrina. No âmbito nacional, v. g.: Nelson Hungria, Aníbal Bruno e Heleno Cláudio Fragoso. Dentre os estrangeiros, v. g.: Jiménez de Asúa, Sebastián Soler, Reinhart Maurach, Edgardo Alberto Donna, Gonzalo Quintero Olivares, Francisco Muños Conde, Diego-Manuel Luzón Peña, Guillermo Fierro, José Cerezo Mir, Germano Marques da Silva e Antônio Garcia-Pablos de Molina. VIII - A orientação que prevalece atualmente na jurisprudência do Pretório Excelso - em ambas as Turmas - não admite a combinação de leis em referência (RHC 94.806/ PR, 1ª Turma, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Dje de 16/04/2010; HC 98.766/ MG, 2ª Turma, Relatora Ministra Ellen Gracie, Dje de 05/03/2010; e HC 96.844/ MS, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 05/02/2010) (EREsp 1.094.499, Rel. Min. Félix Fischer, j. 12.5.10).
O entendimento não se limita à Lei de Drogas, aplicando-se em qualquer outro caso, como, por exemplo, no tráfico de mulheres (AgRg no AREsp 1.131.361, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 19.9.19), crimes sexuais (AgRg no AREsp 1.124.561, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 2.8.18); e procedimento da Lei de Licitações (AgRg no RHC 51.672, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 7.6.18).
Assim, se a nova redação do art. 112 da Lei de Execução Penal retroagir será por inteiro, de modo que se deve, caso a caso, avaliar qual Legislação é mais favorável ao apenado.
3. No caso, o Agravante foi condenado por um crime equiparado a hediondo não violento e por um crime comum violento, ou seja, não é reincidente específico em nenhuma das categorias previstas no art. 112 da Lei de Execução Penal. A aplicação das frações atualmente previstas (40% para o crime equiparado a hediondo mais 25% para o crime comum violento) são mais benéficas que as presentes na antiga redação da Lei 8.072/90 e da Lei de Execução Penal (3/5 + 1/6).
E o princípio basilar disso é simples: separação de poderes, prevista no art. 2º da Constituição Federal de 1988.
Portanto, em resumo, o cenário jurídico atual não permite que este juízo escolha quais dispositivos do Pacote Anticrime serão ou não aplicados. Uma vez aplicada a lei nova, toda ela será utilizada, sem qualquer fracionamento que se espere.
Com efeito, voltando ao caso em tela, observa-se que o(a) reeducando(a) é reincidente genérico (evento 132) e registra as seguintes condenações:
A) Processo-crime n. 0001336-15.2018.8.24.0018 (EVENTO 02) - oriundo da 1ª Vara...

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