Acórdão Nº 5009751-51.2020.8.24.0075 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 02-12-2021

Número do processo5009751-51.2020.8.24.0075
Data02 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5009751-51.2020.8.24.0075/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: GILSON CESCA VITORETI (AUTOR) ADVOGADO: ERON CORREA DA SILVA (OAB SC054958) ADVOGADO: MATEUS SPRICIGO PAES (OAB SC054599) ADVOGADO: VINICIUS PILGER SANTOS (OAB SC054598) ADVOGADO: MATHEUS COELHO PIOVESAN (OAB SC059208) APELANTE: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Gilson Cesca Vitoreti e Banco do Brasil S.A. interpuseram recursos de apelação cível em face da sentença do evento 17 dos autos de origem, proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Tubarão, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pelo autor Gilson Cesca Vitoreti em ação Revisional ajuizada em face do Banco do Brasil S.A.

Cuida-se, na origem, de ação revisional aforada 22-9-2020 por Gilson Cesca Vitoreti, tendo por objetivo a modificação de Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente com Limite de Cheque Especial, e do Contrato de Empréstimo Pessoal Consignado n. 787486858, alegando para tanto, o autor, a existência de abusividades contratuais referentes às taxas de juros remuneratórios aplicadas acima da média de mercado. Suscitou a aplicação do código consumerista com a inversão do ônus probatório, pugnando pelo afastamento das cláusulas reputadas abusivas e a devolução do valor que considera ter pago a maior.

Recebida a inicial e determinada a citação da parte demandada (Evento 7 dos autos de origem).

Devidamente citada, a instituição financeira demandada apresentou contestação (Evento 11 dos autos de origem), onde alegou, de início, a inépcia da inicial que seria genérica. Destacou, ainda, a ausência de interesse de agir pela inexistência de cobrança de encargos abusivos. Ressaltou a impossibilidade de revisão das cláusulas contratuais voluntariamente contratadas. No mais, defendeu a legalidade dos juros remuneratórios, não sujeitos a qualquer limitação. Argumentou, por fim, a inexistência de fundamentos para repetição de indébito, pois nada teria cobrado de irregular.

Réplica (Evento 15 dos autos de origem) na qual o autor reafirma os termos da inicial pugnando pela procedência da demanda.

Sobreveio sentença de mérito, prolatada em 1º-7-2021 pela magistrada Elaine Veloso Marraschi, da 2ª Vara Cível da Comarca de Tubarão, que julgou parcialmente procedentes os pedidos revisionais, o que se deu nos seguintes termos (Evento 17 dos autos de origem):

Trata-se de Ação Revisional proposta por GILSON CESCA VITORETI em face do BANCO DO BRASIL S.A., já qualificados.

Alega o requerente que firmou relação negocial com o réu através de contrato de conta corrente com cheque especial n° 56.046-4, com renovações automáticas e sucessivos limites de crédito. Os contratos possuem encargos financeiros ilegais, pois incidem juros com índices acima do limite permitido. Cabível a revisão dos contratos, devendo haver a aplicação de juros dentro do limite permitido. Afirma ser cabível a aplicação do CDC, repetindo-se eventuais indébitos, com a devolução na forma simples.

Questiona os juros remuneratórios do contrato 787486858 (empréstimo consignado destinado aos trabalhadores do setor público).

Requereu a procedência dos pedidos.

O banco réu, regularmente citado, apresentou resposta, em forma de contestação (ev. 11) momento em que impugnou as alegações autorais e juntou documentos.

Houve réplica (ev. 15).

Os autos vieram conclusos.

É o relato do necessário.

FUNDAMENTO E DECIDO.

Cabível o julgamento antecipado da lide, ante a desnecessidade de dilação probatória e por se tratar de matéria atinente à prova documental, conforme o artigo 355, inciso I, do NCPC.

É que a jurisprudência é uníssona no sentido de que:

"Nada obsta que o juiz, entendendo que o processo já se encontra devidamente instruído, de modo a possibilitar a correta prestação jurisdicional, dispense a produção de prova e proceda ao julgamento antecipado da lide". grifo nosso.

A preliminar de inexistência de pressuposto da revisão contratual não merece guarida. A petição inicial preenche os requisitos do artigo 319 do CPC, não se verificando qualquer incompatibilidade entre a causae petendi e os pedidos, não havendo, pois, qualquer violação à ampla defesa (CRFB, artigo 5º, inciso LV).

Ademais, na peça vestibular foram descritos as causas de pedir e os pedidos, permitindo-se efetuar conclusão lógica acerca da pretensão revisional, não incidindo nas hipóteses previstas no artigo 295 do CPC.

No mais, se afigura viável o pleito, porquanto as demandas de cunho revisional costumam contemplar diversos pedidos (rectius: ações), entre eles o pedido principal, com natureza jurídica marcadamente (des)constitutiva (ou seja, desconstituição, via invalidação, de cláusulas contratuais), além de outros, como a declaratória, os quais redundam em diferentes efeitos à sentença, de acordo com a 'teoria quinária' e com a 'constante de 15', ambos de PONTES DE MIRANDA, sempre citado pela doutrina nacional.

Superada a preliminar passo à análise no campo do mérito.

Inicialmente, necessário registrar que a relação estabelecida entre as partes da presente demanda, constitui, sim, relação de consumo.

Com efeito, o art. 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, no seu § 2º, é claro ao prescrever que "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista".

A matéria, por sinal, já foi pacificada no âmbito dos tribunais, estando inclusive sumulada pelo verbete n.º 297 do STJ, in verbis:

"O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Justamente por constituir relação de consumo, possível a revisão, para expurgar dos contratos as cláusulas ilegais ou abusivas, relativizando-se o princípio pacta sunt servanda.

Ainda acerca do tema, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria De Andrade Nery registram:

"Todas as operações e contratos bancários se encontram sob o regime jurídico do CDC. Não só os serviços bancários, expressamente previstos no CDC 3º § 2º, mas qualquer outra atividade, dado que o banco é sociedade anônima, reconhecida sua atividade como sendo de comércio, por expressa determinação do CCom 119. Assim, as atividades bancárias são de comércio, e o comerciante é fornecedor conforme prevê o caput do CDC 3º. Por ser comerciante, o banco é, sempre, fornecedor de produtos e serviços. O que pode ser discutido, eventualmente, é se determinado contrato bancário é ou não de consumo, ou seja, se o co-contratante é ou não consumidor. Esta é a discussão possível e jurídica acerca dos contratos bancários. A preocupação atual dos países ocidentais é dotar as leis de melhor proteção contra as atividades bancárias e creditícias. Acolhendo sugestão do Prof. Dr. Newton De Lucca, no Congresso Internacional de Direito do Consumidor (Brasília, Abril de 1994), o plenário aprovou conclusão unânime no sentido de que "os bancos e as atividades bancárias se encontram sob o regime jurídico do Código de Defesa do Consumidor." (Código de processo civil comentado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997. p. 1372, nota 12).

Importante salientar, outrossim, o conteúdo da Súmula n.º 381 do STJ:

"Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas"

Quanto à possibilidade de revisão, tem-se que, embora o contrato sub judice celebrado constitua ato jurídico perfeito - estando apto a produzir efeitos (ou já os tendo produzido, uma vez satisfeitos), o qual não será prejudicado pela lei (CF/88, artigo 5º, inciso XXXVI), a circunstância de existirem cláusulas nulas de pleno direito permite a revisão judicial, já que a própria Carta Política garante que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (CF/88, artigo 5º, inciso XXXV).

Assim:

"Não há que falar em direito adquirido e ato jurídico perfeito, sob pena de também ser inócua a disposição do inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, para se dar destaque inarredável ao princípio pacta sunt servanda, que cedeu seu rigorismo a viabilidade revisional dos contratos" (TJRS - 5ª C.Cív. - AC 197197965 - Rel. Des. Jasson Ayres Torres - j. 23.04.1998).

É que, no conflito entre princípios constitucionais, ante o princípio da proporcionalidade, impõe-se prevalecer o mais valoroso: tratando-se de relação de consumo, a própria Carta Magna assegura a proteção do consumidor (CF/88, artigo 5º, inciso XXXII), fazendo referência à aplicação da Lei nº 8.078/90 (CDC), a qual comina sanção de nulidade às cláusulas contrárias aos seus dispositivos.

Não bastasse, o princípio do Direito das Obrigações do pacta sunt servanda vem gradativamente perdendo espaço para o moderno princípio da intervenção Estatal nos contratos ('dirigismo contratual'), mais condizente com a política social e protetiva prevista na Carta Política e na legislação consumerista.

Nesse sentido, ANTÔNIO CARLOS EFING in Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor, Editora RT, SP, 1999, pg. 95:

"Entretanto, tem-se admitido que a força vinculante (art. 46 do CDC) dos contratos seja contida pelo magistrado em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, que impossibilitem a previsão da excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação (art. 6º, inc. V, do CDC).

Da mesma forma, tal força obrigatória deve imperativamente se sujeitar a validade da condição contratual. Assim, somente condições contratuais válidas e existentes podem obrigar o consumidor" - grifo nosso.

Por conseguinte, viável a revisão judicial, mas somente analisando os pedidos efetuados pela parte autora - princípio dispositivo, considerando o conteúdo da súmula 381 do STJ ("Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas" - grifo nosso), embora o caráter cogente e de ordem pública da legislação consumerista (artigo 1º do CDC).

É que o CDC adota a sistemática da regulamentação dos dispositivos inseridos nos contratos...

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