Acórdão Nº 5009891-17.2021.8.24.0054 do Quinta Câmara de Direito Comercial, 20-10-2022

Número do processo5009891-17.2021.8.24.0054
Data20 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5009891-17.2021.8.24.0054/SC

RELATORA: Desembargadora SORAYA NUNES LINS

APELANTE: RAINILDA HANK (AUTOR) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

RAINILDA HANK ajuizou "ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c obrigação de fazer, restituição de valores em dobro e danos morais" contra BANCO BMG S.A, na qual sustenta que formalizou contrato de empréstimo consignado com o banco réu e, assim, concluiu que o pagamento seria realizado com os descontos mensais diretamente do seu benefício, conforme sistemática de pagamento de empréstimos consignados. No entanto, a instituição financeira realizou operação bancária diversa, com reserva de margem de cartão de crédito, em nítida falha na prestação do serviço.

Aduziu que não houve o desbloqueio, tampouco o regular uso do cartão, de modo que a instituição financeira não poderia cobrar ou descontar valores da autora a título de RMC.

Pugnou, dessa maneira, pela declaração da inexistência da relação jurídica relativa ao empréstimo via cartão de crédito, bem como da reserva de margem consignável (RMC), com a condenação do réu à restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente.

Além disso, pleiteou pela condenação do banco réu ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a concessão da assistência judiciária gratuita e a inversão do ônus da prova. Alternativamente, requereu ainda a readequação/conversão do empréstimo de cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado (evento 1, INIC1 - autos de origem).

Recebida a petição inicial, deferiu-se a gratuidade da justiça e a inversão do ônus da prova (evento 4, DESPADEC1).

Citada, a instituição financeira apresentou contestação (evento 12, CONT1) e juntou documentos.

Houve réplica (evento 16, RÉPLICA1).

Sentenciando (evento 19, SENT1), o Juízo a quo julgou improcedentes os pedidos formulados na exordial, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na inicial proposta por RAINILDA HANK contra BANCO BMG S.A, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança fica sobrestada em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3°, do CPC.

Por conta da litigância de má-fé, condeno a parte autora ao pagamento de multa de 10% sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no art. 81 do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Inconformada com a prestação jurisdicional, a parte autora interpôs recurso de apelação (evento 23, APELAÇÃO1), no qual postula a reforma da sentença, e, consequentemente, o provimento do recurso para julgar procedentes os pedidos deduzidos na exordial.

Intimado, o apelado apresentou contrarrazões (evento 26, CONTRAZ1).

Após, vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação cível interposto por RAINILDA HANK contra a sentença prolatada pelo Juízo da Unidade Estadual de Direito Bancário que, nos autos da "ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c obrigação de fazer, restituição de valores em dobro e danos morais", julgou improcedentes os pedidos exordiais.

Presentes os requisitos de admissibilidade, passa-se à análise da quaestio.

1. Da preliminar arguida em contrarrazões

1.1 Da litigância de má-fé do procurador da autora

Em contrarrazões, a instituição financeira requer a condenação do advogado da parte autora por litigância de má-fé, nos termos do art. 80, do Código de Processo Civil c/c art. 32, parágrafo único, do Estatuto da OAB, bem como a expedição de ofícios à OAB/SC, ao Ministério Público e à Autoridade Policial competente, para que se apure os indícios de infrações disciplinares e ocorrência de conduta temerária.

O pedido, no entanto, não comporta deferimento.

Da análise dos autos não se verifica a prática de conduta temerária. De todo modo, cumpre registrar que as sanções pela litigância de má-fé são adstritas às partes ou intervenientes no processo, nos termos do disposto no art. 79, do Código de Processo Civil, não sendo possível a aplicação em desfavor de advogado.

Ainda, caso a instituição financeira verifique indícios de infrações disciplinares ou condutas típicas, o que, frise-se, não é possível aferir a partir dos documentos colacionados aos autos, poderá buscar diretamente as autoridades administrativas ou o respectivo órgão de classe competente, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Como dito, os advogados públicos ou privados não estão sujeitos a penalidade por litigância de má-fé, "em razão de sua atuação profissional, devendo o órgão de classe apurar eventual responsabilidade disciplinar decorrente de atos praticados no exercício de suas funções (recurso ordinário em mandado de segurança n. 59.322, de Minas Gerais, Quarta Turma, relator o ministro ANTÔNIO CARLOS FERREIRA j. 05/022019)". (Apelação Cível n. 5000860-66.2019.8.24.0175/SC Rel. Des. Jânio Machado j. 3/12/2020).

De outro lado, importante ressaltar que "o fato de o causídico da parte autora ter, em tese, ajuizado centenas de ações com a mesma pretensão em face do banco requerido não o transforma em litigante de má-fé.[...]" (Apelação n. 5001727-59.2019.8.24.0175, de TJSC, rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. 25/6/2020).

Neste sentido, é o entendimento desta Corte de Justiça:

RECURSOS DE APELAÇÃO E ADESIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATO, COM PEDIDOS DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO (...) ALMEJADA CONDENAÇÃO, PELA PARTE ACIONADA, DO ADVOGADO DA PARTE AUTORA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, ALÉM DE PLEITEAR A EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS AO NUMOPEDE, À ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, AO MINISTÉRIO PÚBLICO E À AUTORIDADE POLICIAL, PARA QUE POSSAM SER APURADOS INDÍCIOS DE INFRAÇÕES DISCIPLINARES E OCORRÊNCIA DE CONDUTA TÍPICA, SOB A ARGUIÇÃO DE PRÁTICA DE CONDUTA TEMERÁRIA NO AJUIZAMENTO DE INÚMERAS AÇÕES "EM LOTE", PRATICAMENTE IDÊNTICAS. PLEITO TAMBÉM PARA INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE AUTORA. DESACOLHIMENTO. SANÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ ENDEREÇADA À PARTE, E NÃO A SEU PATRONO. RECORRENTE, ADEMAIS, QUE PODE BUSCAR DIRETAMENTE AS AUTORIDADES OU O ÓRGÃO DE CLASSE COMPETENTES, CONFORME O CASO, CASO ENTENDA HAVER INDÍCIOS DE INFRAÇÕES E DE TIPOS PENAIS. REQUERIMENTO DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO POLO AUTOR, NESTE CENÁRIO, REPELIDO, SOBRETUDO ANTE A EXISTÊNCIA DE PROCURAÇÃO NOS AUTOS A ATESTAR A CONSTITUIÇÃO DO PATRONO (...) (TJSC, Apelação n. 5009602-08.2019.8.24.0005, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Tulio Pinheiro, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 03-02-2022).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO NA MODALIDADE CARTÃO DE CRÉDITO COM DESCONTO EM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL - RMC, EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA.CONTRARRAZÕES DO BANCO. SUSTENTADA INDISPENSABILIDADE DE INTIMAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA COMPARECER EM JUÍZO PARA CIÊNCIA E CONFIRMAÇÃO DO AJUIZAMENTO DA DEMANDA. DESNECESSIDADE, PORQUANTO O DEMANDANTE SUBSCREVEU O INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO E DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA, O QUE, POR SI SÓ, JÁ VALIDA A CIÊNCIA E O DESEJO DA PARTE COM O AJUIZAMENTO DO FEITO. OUTROSSIM, ALMEJADA CONDENAÇÃO DA PENA DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO PROCURADOR DA PARTE AUTORA EM RAZÃO DO AJUIZAMENTO DE AÇÕES SIMILARES "EM LOTE". INVIABILIDADE. CAUSÍDICO QUE NÃO FAZ PARTE DA RELAÇÃO PROCESSUAL INSTAURADA, PELO QUE SE TORNA IMPOSSÍVEL SUA CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ [...].RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação n. 5004932-79.2020.8.24.0040, rel. José Maurício Lisboa, Primeira Câmara de Direito Comercial, j. 22-4-2021, grifo nosso).

Desse modo, rejeita-se o requerimento.

2. Do recurso do autor

2.1 Contrato de cartão de crédito consignado com margem consignável

No caso em análise, denota-se da narrativa inicial que a parte autora pretendia firmar contrato de empréstimo consignado com o Banco réu mediante descontos mensais em seu benefício previdenciário. Entretanto, foi-lhe concedido cartão de crédito consignado, por meio do qual foram promovidos descontos no seu benefício previdenciário, a título de reserva de margem consignável (RMC), os quais são indevidos, pois não autorizados.

Inicialmente, cumpre registrar que se trata induvidosamente de relação de consumo, sujeita à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, com a inversão do ônus da prova para a facilitação dos direitos da autora, uma vez que configurada a hipossuficiência técnica e financeira em relação à instituição financeira (art. 6º VIII, CDC).

Da análise dos documentos acostados aos autos, é possível constatar que a apelante firmou, em 24/9/2015, com o Banco "Termo de Adesão Cartão Crédito Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha", sob o nº adesão 39008858 (evento 12, CONTR10), do qual se originou a reserva de margem para cartão de crédito nº 5259.****.****.9117, cuja data de inclusão ocorreu em 4/2/2017 (evento 1, CARNE_INSS6).

Ademais, faturas acostadas ao feito demonstram que o cartão de crédito cedido à recorrente jamais fora utilizado na sua função precípua, qual seja, aquisição de produtos e serviços de consumo, visto que os únicos lançamentos deduzidos se referem, justamente, aos saques disponibilizados via "TED" (evento 12, COMP2, evento 12, COMP3 e evento 12, COMP4), bem como aos demais encargos de refinanciamento (evento 12, FATURA11, evento 12, FATURA12 e evento 12, FATURA13). Resta evidente, portanto, que a apelante, na verdade...

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