Acórdão Nº 5009956-43.2022.8.24.0000 do Quinta Câmara Criminal, 17-03-2022

Número do processo5009956-43.2022.8.24.0000
Data17 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualHabeas Corpus Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Habeas Corpus Criminal Nº 5009956-43.2022.8.24.0000/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

PACIENTE/IMPETRANTE: SEBASTIAN HENRIQUE DA SILVA SANTANA (Paciente do H.C) PACIENTE/IMPETRANTE: DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE SANTA CATARINA (Impetrante do H.C) IMPETRADO: Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville

RELATÓRIO

Trata-se de Habeas Corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, em favor de Sebastian Henrique da Silva Santana, contra ato que reputa ilegal atribuído ao juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Joinville, que converteu o flagrante em prisão preventiva do ora paciente.

Aduz a instituição impetrante, em apertada síntese, a existência de constrangimento ilegal, em virtude da prisão em flagrante ter sido convertida em prisão preventiva sem requerimento ministerial ou policial, em afronta aos artigos 310 e 311 do Código de Processo Penal.

Por este motivo, pede a concessão da ordem para a imediata soltura do paciente.

O pedido liminar foi deferido e as informações de praxe dispensadas (Evento 8).

Em sequência, lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire, manifestando-se pela denegação da ordem (Evento 12).

Este é o relatório.

VOTO

Como adiantado em sede liminar, versam os autos de origem sobre a suposta prática dos crimes de receptação e falsa identidade, com disposições nos artigos 180, caput, e 307, ambos do Código Penal, sendo que o paciente restou preso em flagrante.

Em sequência, embora não tenha havido pedido de prisão preventiva por parte da autoridade policial e o Ministério Público do Estado de Santa Catarina tenha se manifestado pela concessão de liberdade provisória ao paciente (Evento 14, VÍDEO1 dos autos n. 5007245-48.2022.8.24.0038), a autoridade singular converteu o flagrante em prisão preventiva para a garantia da ordem pública, pelo fato do paciente já estar a responder outro procedimento penal, igualmente pela prática, em tese, de crime patrimonial, sendo que o mesmo estaria em liberdade provisória (Evento 13, TERMOAUD1 dos autos n. 5007245-48.2022.8.24.0038):

Aberta a audiência, com as presenças acima nominadas. Após oportunizada entrevista reservada com o defensor, e informado do direito ao silêncio, o conduzido Sebastian Henrique da Silva Santana foi questionado sobre as circunstâncias da prisão, o tratamento recebido, eventual tortura ou maus tratos e suas condições pessoais, facultadas às partes reperguntas não associadas ao mérito (art. 8° da Resolução nº 213/2015 do CNJ), ato registrado por meio de gravação audiovisual (art. 297, caput, do CNCGJ), ficando todos cientes de que possui utilização restrita aos fins deste processo e bem assim sobre a impossibilidade de sua divulgação, por qualquer meio, sob as penas da lei (art. 20 do CC e art. 153, § 1º-A, do CP), dispensada degravação (art. 405, § 2º, do CPP). Manifestaram-se o Ministério Público e a Defensoria Pública. Pelo MM. Juiz foi dito: "Vistos etc. Cuida-se de auto de prisão em flagrante lavrado em desfavor de Sebastian Henrique da Silva Santana pelo cometimento do delito tipificado no art. 180 e 307, ambos do CP. Realizada audiência de custódia, neste ato, "na comarca onde ocorreu a prisão" (art. 4°, caput, da Resolução nº 1/2016 do CM-TJSC c/c art. 1°, § 2°, da Resolução nº 213/2015 do CNJ), passo a decidir (art. 8°, § 3°, da Resolução nº 213/2015 do CNJ). Ao que consta, o conduzido restou efetivamente surpreendido em estado de flagrância nos termos do art. 302, I, do CPP, já que foi abordado pela polícia enquanto conduzia, em proveito próprio, o veículo Chevrolet/Cobalt, placas BAT 9D61, sabendo tratar-se de produto de crime e ainda atribuíu a si falsa identidade para obter vantagem em proveito próprio ao ser indagado sobre sua identificação pelos policiais que efetuaram a abordagem. Veja-se que o caso não se enquadra nas hipóteses de exclusão de ilicitude, valendo lembrar, no ponto, que "o despacho que homologa o auto de prisão em flagrante, porque consubstancia mero exame de formalidades legais, não exige fundamentação, salvo se para ordenar o relaxamento da prisão" (STJ, HC nº 41455/SC, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima). De resto, no tocante aos preceitos arrolados no art. 5º, LXII, LXIII e LXIV, da CF/88, e art. 306 do CPP, foram apropriadamente observados, porque constam do auto, lavrado pela autoridade policial no dia em que ocorreu a prisão, as declarações e as assinaturas do condutor, testemunhas e do conduzido, tendo este último assinado também a nota de culpa expedida em tempo hábil. Imperativa, portanto, a homologação da prisão em flagrante, a partir do que se abrem as possibilidades de conversão em prisão preventiva (art. 310, II do CPP) ou, acaso ausentes os requisitos, concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III do CPP). Nesse passo, impende analisar neste momento a presença dos pressupostos ou não da prisão preventiva consignados no art. 312, caput, do CPP. Destaca-se que a manifestação das partes no auto de prisão em flagrante, ainda que o Ministério Público seja favorável à concessão da liberdade provisória ao conduzido, tal não impõe vinculação ao juízo quando há entendimento diverso, não ferindo, isso, a sistemática estabelecida no Código de Processo Penal a partir da edição da Lei nº 13.964/2019. Não se desconhece que a partir desse novo regramento, firmou-se que "O processo penal terá estrutura acusatória [...]" (CPP, art. 3º-A) e que a decretação da prisão preventiva durante a investigação policial e o processo penal passaram a demandar provocação do Ministério Público, do querelante ou do assistente ou, ainda, de representação da autoridade policial (CPP, art. 311), mas isso, por si, não impede que o juiz, tendo convicção diversa, nas hipóteses de prisão em flagrante, possa convertê-la em preventiva, mesmo diante de pedido de liberdade deduzido pelo Parquet (CPP, art. 310, II). O próprio art. 310, II, do CPP, alterado pela Lei nº 13.964/2019, prevê expressamente a possibilidade de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva pelo juízo, após receber o auto de prisão em flagrante, quando presentes os requisitos autorizadores dessa custódia cautelar, ficando demonstrado que se fosse a vontade do legislador deveria ocorrer a alteração do dispositivo para não mais permitir essa conversão. Ocorre que, o próprio Supremo Tribunal Federal é firme no sentido deque "atendidos os requisitos do artigo 312, do Código de Processo Penal, a conversão de flagrante em preventiva independe de provocação do Estado-acusador ou da autoridade policial" (HC 174.102/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe 09/03/20), indicando que essa avaliação é estrita ao juízo que faz a análise do APF e dos seus próprios requisitos, podendo, além de decretar a prisão cautelar, relaxar o flagrante ou conceder a liberdade provisória (CPP, art. 310,I, II e III). Analisando o tema, a doutrina de Guilherme de Souza Nucci esclarece que: "[...] Soa-me justo apontar o seguinte aspecto: após a reforma processual introduzida pela Lei 13.964/19, que vedou a decretação da prisão preventiva de ofício pelo juiz durante a instrução (o que não tinha sido abrangido pela reforma de 2011), alguns operadores do Direito ressuscitaram aquela questão da conversão da prisão em flagrante em preventiva. Entretanto, a referida Lei 13.964/19 não alterou em absolutamente nada o cenário da conversão do flagrante em preventiva. Essa lei simplesmente vedou a decretação da preventiva, sem requerimento da parte interessada, durante a instrução. Nada mais. Creio nem ser preciso lembrar que a conversão do flagrante em preventiva ocorre durante a fase pré-processual. Concluindo, em nosso entendimento, a prisão em flagrante encontra sustentáculo constitucional, além de ser igualmente apoiada pelo CPP. É uma prisão cautelar legal e legítima. Chegando a juízo o auto de prisão em flagrante, independentemente de qualquer requerimento, deve o magistrado manter ou relaxar a prisão cautelar, ou conceder ao preso a liberdade provisória. Tal medida não significa nenhuma inovação, ou seja, não representa decretação de prisão de ofício. O indiciado não está solto e teria sido preso sem pedido da parte ou representação da autoridade policial. Ele está preso, após regular formalização do auto de prisão em flagrante pelo delegado, por autorização constitucional e legal; o juiz mantém essa prisão, se houver o preenchimento dos requisitos da prisão preventiva. Por isso, desde 2011, atuando como magistrado no Tribunal de Justiça, nunca me pareceu ilegal a referida conversão da prisão em flagrante em preventiva e, por isso, jamais concedi habeas corpus de ofício (e não me recordo de pedido expresso de nenhum defensor nesse sentido). Atualmente, com a reforma da lei 13.964/10, nesse campo, nada mudou. Logo, ressurgir a questão não traz nada denovo; ao contrário, pode simplesmente demonstrar que o conteúdo da lei 12.403/11 foi mal compreendido pelo operador do Direito que atualmente faz renascer esse debate" (Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/330456/conversao-de-flagrante-em-preventiva-e-decretacao-de-prisao-cautelar-de-oficio. Consultaem 16/10/2021). Diante desse contexto, decidiu-se recentemente que "[...] a conversãoda prisão em flagrante em preventiva independe de requerimento do Ministério Público ou de representação da autoridade policial. Configura imposição da lei ao magistrado, que, ao receber o auto de prisão em flagrante, deve converter a prisão em flagrante em preventiva, se presentes os requisitos para a custódia cautelar e caso se mostrem inadequadas as medidas cautelares diversas da prisão. É o que se dispõeno inc. II do art. 310, do Código de Processo Penal, consoante os seguintes julgados: HC 192.068/SC, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe de12/11/2020; HC 188.583/GO, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 06/08/2020; e HC 178.207/MG, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 27/11/2019"...

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