Acórdão Nº 5009997-21.2020.8.24.0019 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 25-08-2022

Número do processo5009997-21.2020.8.24.0019
Data25 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5009997-21.2020.8.24.0019/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: MAIRI LIDIA MEZACASA CONTE (AUTOR) APELADO: BANCO CETELEM S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

MAIRI LIDIA MEZACASA CONTE interpôs recurso de apelação contra a sentença proferida pelo magistrado de primeiro grau João Bastos Nazareno dos Anjos, nos autos da ação anulatória c/c indenizatória proposta contra BANCO CETELEM S.A., em curso perante o juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Concórdia, que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na petição inicial, nestes termos:

MAIRI LIDIA MEZACASA CONTE ajuizou demanda contra BANCO CETELEM S.A. com o fito de obter provimento jurisdicional que declare a inexistência da relação jurídica, bem como condene a parte ré ao pagamento de compensação por danos morais.

Narrou que contratou empréstimo consignado com o requerido, mas que, de forma diversa da pactuada, estão sendo lançados descontos a título de "reserva de margem consignável" via cartão de crédito. Frisou ter solicitado apenas o empréstimo e que os descontos em seu benefício previdenciário limitam-se aos encargos financeiros.

A tutela antecipada foi indeferida no evento 3, DESPADEC1.

Devidamente citado (evento 7, AR1), o requerido apresentou contestação, oportunidade em que, preliminarmente, impugnou a justiça gratuita concedida à parte autora e sustentou a prejudicial de mérito da decadência. Ademais, defendeu a legalidade da contratação e a inexistência de dano moral indenizável. Rogou, ao final, pela improcedência dos pedidos deduzidos na inicial. (evento 11, CONT1).

Houve réplica (evento 14, RÉPLICA1).

Pela decisão do evento 40, DESPADEC1, foi determinada a expedição de ofício ao INSS para apresentação do HiscreWeb detalhado da parte autora, o que foi atendido no evento 45, DOCUMENTACAO2.

Apenas a parte autora manifestou-se acerca do novo documento acostado aos autos (evento 49, PET1).

Vieram os autos conclusos.

Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

Cuido de ação de natureza declaratória e condenatória onde pretende o(a) autor(a), com fundamento na inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade cartão de crédito (e da chamada reserva de margem consignável - RMC), condenar o réu ao pagamento de indenização por danos materiais e morais.

Dado ser desnecessário produzir mais provas, julgo antecipadamente o mérito, nos moldes prescritos pelo art. 355, I do CPC.

Da impugnação à concessão dos benefícios da justiça gratuita

Sem delongas, não há que se falar na revogação da gratuidade da justiça concedida no evento 3, DESPADEC1, porquanto a parte ré não trouxe aos autos qualquer elemento que demonstre situação diversa daquela analisada por ocasião do deferimento do beneplácito.

Assim sendo, rejeito o pleito formulado.

Da decadência

Alusivo à prejudicial de mérito da decadência, sustenta o réu que deve ser reconhecido o decurso do prazo decadencial, ao argumento de que entre a data de formalização do contrato (2017) e o ajuizamento da ação (2020) decorreu prazo superior a quatro anos.

Entretanto, razão não assiste ao réu.

O prazo decadencial para reclamar vícios aparentes ou de fácil constatação é de 30 (trinta dias), conforme estabelece o art. 26, I do CDC. Todavia, em se tratando de relação de jurídica de trato sucessivo, o termo inicial para contagem do prazo decadencial se renova mensalmente. Nesse sentido é a jurisprudência:

APELAÇÕES CÍVEIS. "AÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA RELATIVA A CARTÃO DE CRÉDITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL" - RMC. TOGADO DE ORIGEM QUE JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS DEDUZIDOS NA EXORDIAL. IRRESIGNAÇÃO DE AMBOS OS CONTENDORES.DIREITO INTERTEMPORAL. DECISÃO PUBLICADA EM 10-02-20. INCIDÊNCIA DO PERGAMINHO FUX. BANCO QUE VENTILA A DECADÊNCIA DA PRETENSÃO DA AUTORA. TESE FUNDADA NO FATO DE QUE O CONTRATO SUB JUDICE FOI FIRMADO HÁ MAIS DE 4 (QUATRO) ANOS ANTES DA DISTRIBUIÇÃO DA DEMANDA. INACOLHIMENTO. CASO CONCRETO. PRESTAÇÃO CONTINUADA. DIREITO DE AÇÃO QUE SE RENOVA MENSALMENTE. PREFACIAL RECHAÇADA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE ADUZ A INÉPCIA DO PÓRTICO INAUGURAL. PRETENSÃO ARREDADA. CONSUMIDORA QUE EXTERNA AS SUAS RAZÕES DE FATO E DE DIREITO, POSSIBILITANDO A APRESENTAÇÃO DE DEFESA PELO ENTE FINANCEIRO. PRELIMINAR AFASTADA. CASA BANCÁRIA QUE REQUER A REFORMA DA SENTENÇA PARA QUE O DIES A QUO DOS JUROS MORATÓRIOS DA CONDENAÇÃO EM DANO IMATERIAL FLUAM A PARTIR DO ARBITRAMENTO. NÃO CONHECIMENTO. SENTENÇA ZURZIDA QUE NÃO CONDENA A LITIGANTE EM DANOS MORAIS. DEBUXE VEDADO. ALMEJADA REFORMA DA SENTENÇA POR AMBOS OS CONTENDORES. CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). DESCONTOS REALIZADOS DIRETAMENTE NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA REQUERENTE, HIPOSSUFICIENTE E COM PARCOS RECURSOS. CONTEXTO PROBATÓRIO QUE INDICA QUE A AUTORA PRETENDIA FORMALIZAR APENAS AVENÇA DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INEXISTÊNCIA DE ADEQUADA DECLARAÇÃO DE VONTADE QUANTO À CELEBRAÇÃO DE AJUSTE DE CARTÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO. PRÁTICA ABUSIVA CONFIGURADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 39, INCISOS I, III E IV DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DESTE AREÓPAGO. INARREDÁVEL DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO DECORRENTE DO "TERMO DE ADESÃO AO REGULAMENTO PARA UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO PAN". SENTENÇA ALTERADA NO VIÉS. IMPERATIVA CONVERSÃO DO AJUSTE PARA A MODALIDADE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO, COM AS ADAPTAÇÕES NECESSÁRIAS. COGENTE RECÁLCULO COM COMPENSAÇÃO DOS VALORES JÁ ADIMPLIDOS PELA CONSUMIDORA, ADITADOS DE CORREÇÃO MONETÁRIA DESDE A DATA DE CADA DESEMBOLSO INDEVIDO E JUROS DE MORA, ESTES A CONTAR DA CITAÇÃO, POR FORÇA DO ART. 397, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL E 240, CAPUT, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REPETIÇÃO SIMPLES DO INDÉBITO EM CASO DE CONSTATAÇÃO DE SALDO CREDOR EM FAVOR DA DEMANDANTE. DANO MORAL. CABAL MATERIALIZAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO E INOBSERVÂNCIA À BOA-FÉ CONTRATUAL. AFERIÇÃO DO ABALO ANÍMICO EXPERIMENTADO PELA APOSENTADA PELA ANÁLISE CONJUNTA DOS SEGUINTES ASPECTOS: (A) EMPRÉSTIMO BANCÁRIO REALIZADO EM MODALIDADE DIVERSA DAQUELA ALMEJADA, OCASIONANDO DESVANTAGEM EXAGERADA E CONSEQUÊNCIAS FINANCEIRAS INESPERADAS; (B) DESCONTOS INDEVIDOS SOBRE VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR E DIMINUIÇÃO DA MARGEM DE CRÉDITO CONSIGNADO DISPONÍVEL A REQUERENTE; (C) CONTEÚDO DA AVENÇA QUE NÃO PERMITIU O CONTROLE PRÉVIO DA COMPOSIÇÃO DO SALDO DEVEDOR, BEM COMO A COMPREENSÃO DA EVOLUÇÃO DA DÍVIDA; E (D) IMPOSIÇÃO DA QUITAÇÃO POR MEIO DE PARCELA MÍNIMA DO CARTÃO DE CRÉDITO, REDUNDANDO NA OBRIGATORIEDADE DE CONTRATAÇÃO DE CRÉDITO ROTATIVO QUANTO A PARCELA REMANESCENTE, COM CONSEQUÊNCIAS FINANCEIRAS DÍSPARES E MAIS GRAVOSAS EM RELAÇÃO ÀQUELA QUE INICIALMENTE INTENCIONAVA A CONTRATANTE. CONTEXTO FÁTICO QUE AUTORIZA A CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PROVIMENTO MODIFICADO. VALOR INDENIZATÓRIO. QUANTUM ARBITRADO DE ACORDO COM AS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. JUROS DE MORA. INCIDÊNCIA A PARTIR DA CITAÇÃO, POR SE TRATAR DE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. CORREÇÃO MONETÁRIA A CONTAR DO PRESENTE JULGAMENTO (SÚMULA N. 362 DO STJ). ÔNUS SUCUMBENCIAIS. NECESSÁRIA RECALIBRAGEM FACE A MODIFICAÇÃO DO DECISÓRIO. DEMANDANTE QUE DECAIU DE PARTE MÍNIMA DOS PEDIDOS. RESPONSABILIDADE ATRIBUÍDA INTEGRALMENTE À RÉ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO SEGUNDO OS CRITÉRIOS DO ART. 85, § 2º, INCISOS I, II, III E IV DO NCPC E DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. DECISÓRIO MODIFICADO. REBELDIA DO BANCO PARCIALMENTE CONHECIDA E INACOLHIDA E RECURSO DA CONSUMIDORA PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5002166-64.2019.8.24.0080, de TJSC, rel. Des. JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER, 4ª Câmara de Direito Comercial, j. 16-06-2020) (grifo nosso).

Dito isso e considerando que o(s) documento(s) acostado(s) ao evento 45, DOCUMENTACAO2 indica(m) que quando do ajuizamento da demanda ainda vinha sendo descontado o valor discutido, deve ser afastada a proemial aventada.

Do mérito

Destaco, de antemão, que o vínculo jurídico existente entre as partes consiste em relação de consumo, pois elas se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor previstos nos artigos 2.º e 3.º, respectivamente, do CDC.

Sustentou a parte autora que, a despeito de ter firmado empréstimo consignado (com desconto das parcelas diretamente de seu benefício previdenciário perante o INSS), jamais teria contratado empréstimo por meio de cartão de crédito com desconto de reserva de margem consignável - RMC, o que teria lhe causado prejuízos. Em razão disso, objetiva a declaração de inexistência dessa contratação, com a devolução dos descontos promovidos, além da indenização decorrente de danos de natureza extrapatrimoniais.

Inicialmente, friso que o contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável tem previsão na Lei n. 10.820/03, a qual em seu art. 1º, §1º, II estabelece que o desconto em folha de pagamento ou na remuneração disponível pode atingir até o limite de 35%, sendo 5% destinados exclusivamente para "a utilização com a finalidade de saque por meio de cartão de crédito".

No art. 6º do mesmo diploma legislativo, dessume-se que:

Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1º e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

(...)

§ 5º Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)...

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