Acórdão Nº 5010004-68.2021.8.24.0054 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 04-10-2022

Número do processo5010004-68.2021.8.24.0054
Data04 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5010004-68.2021.8.24.0054/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5010004-68.2021.8.24.0054/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: CECILIA BROERING KAMMKE (AUTOR) ADVOGADO: RAFAEL BRUDA (OAB SC058598) ADVOGADO: GUSTAVO BOGO VOLPATO (OAB SC048989) APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) ADVOGADO: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875)

RELATÓRIO

Cecília Broering Kammke ajuizou "ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c obrigação de fazer, restituição de valores em dobro e danos morais" (RMC) em face de Banco Bradesco S.A., ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo (n. 20160303557022023000) via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais (evento 1).

Concedido o benefício da gratuidade da Justiça (evento 4).

Contestação apresentada (evento 12).

Réplica no evento 17.

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento 19):

III- Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por CECILIA BROERING KAMMKE contra o BANCO BRADESCO S.A., nos termos do artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, bem como honorários de sucumbência, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, cuja cobrança fica sobrestada em razão da concessão dos benefícios da justiça gratuita, na forma do art. 98, § 3°, do CPC.

Reconheço a má-fé processual da autora e, por conseguinte, condeno-a ao pagamento da multa prevista no caput do art. 81 do CPC, no percentual de 5% sobre o valor atualizado da causa, observado o comando legal previsto no art. 98, 4º, do mesmo diploma legal.

Irresignada, a parte requerente interpôs recurso de apelação (evento 24), no qual alegou o desconhecimento acerca dos termos da pactuação e requereu: a) a declaração de nulidade da contratação de empréstimo (n. 20160303557022023000) via saque cartão de crédito (RMC); b) a condenação da instituição financeira ré ao pagamento de danos morais e repetição do indébito, em dobro; c) a inversão dos ônus sucumbenciais, com a condenação do banco demandado ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios.

Contrarrazões no evento 29.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que, no âmbito da presente "ação anulatória de contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável c/c obrigação de fazer, restituição de valores em dobro e danos morais" (RMC), julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial.

Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta a parte apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado ( via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário (n. 142.266.676-7).

Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento "Proposta completa para emissão de cartões de crédito consignados INSS e Poder Público", acostado no evento 12, documentação 3.

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura da ora parte recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que a parte autora foi induzida a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentada pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Oportunamente, cabe destacar que a casa bancária não acostou aos autos as faturas do cartão de crédito supostamente contratado pela parte autora, para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço da parte autora, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pela parte requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão da parte autora, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Com efeito: "O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção da requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade da parte requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que a ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

A propósito, em consonância com a Instrução da Normativa INSS/PRES, n. 100, de 28-12-2018, que alterou a Instrução Normativa do n. 28/2008, disciplinadoras da modalidade contratual sob enfoque, são necessários os seguintes requisitos:

"Art. 21-A Sem prejuízo das informações do art. 21, nas autorizações de descontos decorrentes da celebração de contratos de Cartão de Crédito com Reserva de Margem Consignável, o contrato firmado entre o beneficiário do INSS e a instituição consignatária deverá, obrigatoriamente, nos termos da decisão homologatória de acordo firmado na Ação Civil Pública n. 0106890-28.2015.4.01.3700, ser acompanhado de Termo de Consentimento Esclarecido - TCE, que constará de página única, reservada exclusivamente para tal documento, constituindo-se instrumento apartado de outros que formalizem a contratação do Cartão de Crédito Consignado, e conterá, necessariamente:

I - expressão "TERMO DE CONSENTIMENTO ESCLARECIDO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO", inserida na parte superior do documento e com fonte em tamanho quatorze;I

I - abaixo da expressão referida no inciso I do 'caput', em fonte com tamanho onze, o texto: "Em cumprimento à sentença judicial proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 106890-28.2015.4.01.3700, 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Luís/MA, proposta pela Defensoria Pública da União";

III - nome completo, CPF e número do beneficio do cliente;

IV - logomarca da instituição financeira;

V - imagem em tamanho real do cartão de crédito contratado, ainda que com gravura meramente ilustrativa;

VI - necessariamente como última informação do documento, espaço para preenchimento de local, data e assinatura do cliente;

VII - as seguintes inscrições, todas registradas em fonte com tamanho doze e na ordem aqui apresentada:

a)"Contratei um Cartão de Crédito Consignado";

b)"Fui informado que a realização de saque mediante a utilização do meu limite do Cartão de Crédito Consignado ensejará a incidência de encargos e que o valor do saque, acrescido destes encargos, constará na minha próxima fatura do cartão"; c)"A diferença entre o valor pago mediante consignação (desconto realizado diretamente na remuneração/beneficio) e o total da fatura poderá ser paga por meio da minha fatura mensal, o que é recomendado pelo (nome da instituição financeira), já que, caso a fatura não seja integralmente paga até a data de vencimento, incidirão encargos sobre o valor devido, conforme previsto na fatura"...

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