Acórdão Nº 5010276-64.2020.8.24.0000 do Terceira Câmara de Direito Público, 29-09-2020

Número do processo5010276-64.2020.8.24.0000
Data29 Setembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Instrumento Nº 5010276-64.2020.8.24.0000/SC



RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS


AGRAVANTE: 356 DISTRIBUIDORA, IMPORTADORA E EXPORTADORA EIRELI AGRAVADO: Diretor de Administração Tributária - ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis AGRAVADO: ESTADO DE SANTA CATARINA


VOTO DIVERGENTE


Trata-se de agravo de instrumento interposto por 356 Distribuidora, Importadora, Exportadora Eireli da decisão proferida pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital que, no mandado de segurança impetrado em face de ato atribuído ao Diretor de Administração Tributária - DIAT, indeferiu o pedido liminar atinente ao gozo da isenção fiscal concedida pela Lei Estadual n. 17.930/2020 a produtos destinados ao enfrentamento da pandemia do coronavírus (COVID-19).
O relator originário, eminente Des. Jaime Ramos, votou pelo desprovimento do recurso, com base no fundamento de que o diploma isentivo está pendente de regulamentação pelo Governador do Estado de Santa Catarina, não produzindo efeitos concretos sem a edição do decreto previsto no art. 2º da Lei Estadual n. 17.930/2020.
Ouso divergir de Sua Excelência, com base nas razões a seguir declinadas.
Primeiramente, cabe anotar que, de fato, a pretensão liminar no mandado de segurança originário encontra óbice no art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009: "Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza."
Logo, independentemente da relevância da fundamentação e do periculum in mora, o deferimento da medida de urgência na exata extensão postulada (sobretudo o imediato desembaraço aduaneiro) é defesa por expressa restrição legal.
Todavia, sopesando as particularidades do caso concreto e considerando o estado de emergência de saúde pública decorrente da pandemia do coronavírus (COVID-19), com efeitos sanitários, econômicos e fiscais severos, reputo aplicável ao caso concreto a norma contida na parte final do art. 7º, III, da Lei n. 12.016/2009 ("sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica") - capaz de equacionar provisoriamente, de forma segura e célere, o deslinde da controvérsia, tal como já manifestei no mandado de segurança n. 5015295-51.2020.8.24.0000, com objeto idêntico ao desta lide.
A solução proposta deriva, sobretudo, da identificação da forte plausibilidade do direito invocado pela agravante.
A isenção, hipótese legal de exclusão do crédito tributário, encontra suporte no art. 150, § 6º, da Constituição Federal ("Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, g.") e é assim regulada pelo Código Tributário Nacional:
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.
Parágrafo único. A isenção pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares. (destaquei).
A respeito do instituto, precisa a doutrina de Leandro Paulsen:
A norma de isenção sobrevém justamente porque tem o legislador a intenção de afastar os efeitos da incidência da norma impositiva que, de outro modo, implicaria a obrigação de pagamento do tributo. O afastamento da carga tributária, no caso da isenção, se faz por razões estranhas à normal estrutura que o ordenamento legal imprime ao tributo, seja em atenção à capacidade contributiva, seja por razões de cunho extrafiscal. (Curso de Direito Tributário Completo. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 297, sem grifo no original).
No limite, a controvérsia do mandado de segurança originário reside na interpretação da Lei Estadual n. 17.930/2020, especificamente quanto à sua eficácia e à natureza do ato regulamentar nele previsto.
É dizer: a isenção concedida no art. 1º possui eficácia plena e imediata ou, para produzir efeitos, depende da edição do decreto previsto no art. 2º?
Eis o teor da Lei Estadual n. 17.930/2020:
Art. 1º Ficam isentos de recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), inclusive sobre importação, os medicamentos, produtos e equipamentos médicos e hospitalares que estejam relacionados à pandemia do coronavírus, até o mês de setembro de 2020.
Parágrafo único. A isenção a que se refere o caput deste artigo não implica em direito à restituição de quantias eventualmente já recolhidas.
Art. 2º O Governo do Estado editará decreto contendo as NCM - Nomenclatura Comum do Mercosul dos medicamentos, produtos e equipamentos médicos e hospitalares beneficiados. (sem grifo no original).
Ao examinar o texto normativo estadual à luz dos pressupostos estatuídos pela Constituição Federal e pelo CTN, não vejo como afastar a compreensão de estarem presentes todos os elementos necessários para a sua imediata aplicação.
A Lei Estadual n. 17.930/2020, primeiramente, é específica, tendo por conteúdo único a concessão da isenção fiscal debatida.
O art. 1º delimita o objeto da isenção fiscal, indicando o tributo a que se refere ("ICMS, inclusive sobre importação"), especificando os requisitos objetivos de incidência ("medicamentos, produtos e equipamentos médicos e hospitalares que estejam relacionados à pandemia do coronavírus") e delimitando o prazo de duração ("até o mês de setembro de 2020").
Trata-se, à toda evidência, de isenção concedida em caráter geral, compreendida enquanto "benefício que atinge a generalidade dos sujeitos passivos, independentemente de qualquer comprovação de alguma característica pessoal e particular que dote o beneficiário de certo exclusivismo para fruir o benefício" (Eduardo Sabbag. Manual de Direito Tributário. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 1136).
A Exposição de Motivos declinada no projeto de lei ressalta o nítido propósito de conferir ampla isenção aos produtos destinados ao enfrentamento da pandemia do coronavírus:
O Projeto visa isentar de pagamento de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, inclusive sobre importação, os medicamentos, produtos e equipamento médicos e hospitalares que estejam relacionados à pandemia do coronavírus, até o mês de setembro de 2020.
A isenção pretendida está em consonância com a medida adotada pelo Governo Federal em isentar de imposto de importação o medicamentos, produtos e equipamentos médicos e hospitalares que estejam relacionados à pandemia do coronavírus até o mês de setembro de 2020, conforme aprovado na 168ª Reunião do Comitê Executivo de Gestão - Gecex, em 18 de março de 2020.
Pelas razões expostas, o Projeto de Lei possui o mais amplo interesse público, pois poderá beneficiar empresas que comercializem produtos e em especial medicamentos que se façam necessários à população para tratamento ou prevenção do surto de coronavírus, reduzindo custos de aquisição desde a importação. [...] (Disponível em: . Acesso em 21.09.2020).
A finalidade da Casa Legislativa está em harmonia com os esforços empreendidos pelo Poder Público em todo o território nacional para viabilizar o acesso a equipamentos de proteção individual e insumos necessários para a prevenção ao contágio e o enfrentamento da doença, mediante a redução da carga tributária incidente sobre esses produtos a fim de enfrentar o problema de desabastecimento identificado nos primeiros meses da pandemia.
Nesse desígnio, a União Federal promoveu, dentre outras medidas, a revisão de procedimentos alfandegários para diminuir a burocracia e o tempo despendido em despachos aduaneiros de importação (Instrução Normativa n. 1.936/2020 do Ministério da Economia), a proibição de exportação de produtos médicos e hospitalares essenciais ao combate à pandemia (Lei n. 13.993/2020), a redução das exigências de certificações para comercialização de EPIs de proteção respiratória (Portaria n. 9.471/2020 do Ministério da Economia), a suspensão de pagamentos de dívidas dos entes federados com a União (Lei Complementar n. 173/2020) e a redução da alíquota de tributos federais: Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, Imposto de Impostação - II e PIS/Pasep (Decreto n. 10.285/2020, Resoluções n. 17/2020 e n. 22/2020, Decreto n. 10.318/2020, respectivamente).
Vale destacar, a propósito, a obrigatoriedade de utilização de máscaras de proteção individual por todos os cidadãos, imposta pelo Governo do Estado de Santa Catarina desde 08 de abril de 2020 (Portaria SES n. 235/2020 e Decreto n. 562/2020) e implementada em âmbito nacional em 02 de julho (Lei n. 14.019/2020).
Por outro lado, a previsão da edição de decreto pelo Governador do Estado, prevista no art. 2º, possui nitidamente a finalidade de discriminar, no âmbito administrativo, os produtos alcançados pela isenção, mediante a especificação da NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul) - regulando, portanto, os aspectos formais e burocráticos para o exercício do direito, em atenção aos protocolos de comércio exterior observados pelo Brasil e aos procedimentos aduaneiros pertinentes; sem alcançar, contudo, o aspecto material do direito à isenção de ICMS, ao contrário do que defende a autoridade impetrada e a Fazenda Estadual.
Destaque-se, nesse diapasão, as informações fornecidas pela Receita Federal acerca da NCM:
A Nomenclatura é um sistema ordenado que permite, pela aplicação de regras e procedimentos próprios, determinar um único
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