Acórdão Nº 5010440-91.2019.8.24.0023 do Quarta Câmara de Direito Público, 19-08-2021

Número do processo5010440-91.2019.8.24.0023
Data19 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5010440-91.2019.8.24.0023/SC

RELATORA: Desembargadora VERA LÚCIA FERREIRA COPETTI

APELANTE: DANIELLE ZONATTO (AUTOR) ADVOGADO: RICARDO VIEIRA GRILLO (OAB SC021146) ADVOGADO: PRISCILA NUNES FARIAS (OAB SC029727) APELANTE: FELIPE ROSA (AUTOR) ADVOGADO: RICARDO VIEIRA GRILLO (OAB SC021146) ADVOGADO: PRISCILA NUNES FARIAS (OAB SC029727) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) MP: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (MP)

RELATÓRIO

Felipe Rosa e Danielle Zonatto ajuizaram "ação declaratória de reconhecimento de direito", que tramitou na Vara de Direito Militar da comarca de Florianópolis, em face do Estado de Santa Catarina, visando suas promoções na carreira de bombeiro militar em virtude de ato de bravura, nos termos da legislação estadual.

Sustentam os autores, em resumo, que são soldados do Corpo de Bombeiros Militar do Estado, atuando junto ao 1º Batalhão de Bombeiros Militar, de Florianópolis, e que, no dia 29 de maio de 2017, atenderam uma ocorrência, juntamente com a Sd. BM Stefania Veit, para atendimento de uma parada respiratória de um homem que estava em sua residência. Relatam que, ao chegar no local, a equipe realizou manobras de RCP (reanimação cardiopulmonar), com uso de desfibrilador, em razão do quadro de parada cardíaca, e que a mãe da vítima (Sra. Carla) se encontrava no ambiente acompanhando o atendimento. Minutos depois, descrevem que a Sra. Carla se ausentou, "encontrando, então, uma arma de fogo. Ao encontrar o objeto, sentou-se na cama e ameaçou cometer suicídio, uma vez que não aceitara a perda do filho". Nesse momento, dizem que a Sd. Stefania deu a volta na cama e conseguiu conter os braços da mãe do paciente e que a demandante, Sd. Zonatto, retirou a arma de suas mãos e entregou a uma funcionária da família. Na sequência, mesmo com a chegada de uma equipe da SAMU, foi declarado o óbito do paciente. Argumentam que os fatos narrados extrapolam os limites da atividade de bombeiro e que os envolvidos não tinham treinamento para enfrentamento de situação com arma de fogo mas que, mesmo assim, permaneceram com o procedimento RCP "na linha de tiro" da arma de fogo.

Relatam que, no julgamento do caso pela Comissão de Promoção de Praças (CPP), mesmo com parecer favorável do relator e estando os três agentes em risco de vida pela situação, apenas a Sd. Stefania obteve a promoção por ato de bravura, após interposição de recurso de reconsideração. Nesse sentido, alegam que a decisão da CPP fere o princípio da isonomia, ao julgar de forma distinta agentes que estavam nas mesmas circunstâncias. A decisão restou mantida em último grau recursal pela Corporação Militar.

Sustentam que, ao passo que a primeira decisão denegatória da CPP pautou-se na "falta de materialidade" a respeito do risco representado pela arma de fogo, na instância recursal restou demonstrada a materialidade (arma estava municiada e representava risco) e que a motivação da decisão apontou o descumprimento dos requisitos do artigo 62 da Lei estadual n. 6.218/1983. Na sequência, em novo recurso, o pleito foi mais uma vez denegado pela Corporação Militar. Discorrem, ainda, sobre o conceito de ato de bravura na jurisprudência e na doutrina e contestam a decisão final, pois defendem que o ato por eles praticado teria atendido todos os requisitos legais para a promoção da espécie, eis que, além de evitar o suicídio da mãe do paciente, atuaram sob o risco de disparo acidental de arma de fogo.

Ao final, requereram a procedência dos pedidos para determinar que o ente estatal proceda a sua promoção por ato de bravura.

Em contestação (Evento 37), o Estado de Santa Catarina impugnou, preliminarmente, o valor atribuído à causa. No mérito, afirmou que a promoção por ato de bravura é um ato administrativo discricionário, a ser aferido pela autoridade administrativa quanto aos requisitos de fundo subjetivo, constatados a partir da execução de ato de coragem e audácia que transpasse os limites ordinários do cumprimento do dever, não podendo o Poder Judiciário adentrar no mérito administrativo. Aponta a legalidade dos atos da Comissão de Promoção de Praças (CPP) que, em decisão fundamentada, examinou o caso e recomendou o indeferimento da promoção dos demandantes. Afirmou que os autores não praticaram ato de extrema coragem e audácia e nem ultrapassaram os limites normais do cumprimento do dever, já que procederam o socorro de vítima que estava em parada cardiorrespiratória e auxiliaram outra militar (Sd. Stefania) a manter a ordem e a tranquilidade da situação. Apontou, igualmente, que a pessoa que tentou suicídio não apontou em nenhum momento a arma de fogo em direção aos autores; ao contrário da Sd. Stefania que teria, de fato, praticado ato em circunstâncias especiais que mereceram tal promoção. Pugnou pela improcedência dos pedidos.

Os demandantes apresentaram réplica (Evento 41), acrescentando que a CPP teria descumprido o regramento interno do rito, eis que alguns membros contrários ao entendimento favorável do relator pela promoção não justificaram os motivos de sua discordância, ainda que a legislação exija tal motivação.

O órgão ministerial declinou de sua intervenção no feito (Evento 44).

Na sentença (Evento 46), os pedidos foram julgados improcedentes, estando o dispositivo assim redigido:

Diante do exposto, JULGAM-SE improcedentes os pedidos formulados por FELIPE ROSA e DANIELLE ZONATTO em face do ESTADO DE SANTA CATARINA e extingue-se o processo, com resolução de mérito, com fulcro no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil.

Condena-se a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, cujo montante será de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), fixados por apreciação equitativa (art. 85, §8º, do CPC).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Dispensado o reexame necessário, nos termos do art. 496, § 3º, inc. II, do CPC/2015.

Irresignados, os autores interpuseram, recurso de apelação (Evento 66), reforçando os argumentos lançados na inicial. Reiteraram a carência de motivação do ato administrativo exarado pela Comissão de Promoção de Praças, principalmente pela ausência de justificação dos membros julgadores que votaram contrariamente à promoção por ato de bravura. Apontaram que, na decisão do recurso de reconsideração, o regimento interno da Corporação Militar foi descumprido, pois também não foram apresentados os motivos dos votos divergentes dos membros do colegiado. Defendem, ainda, que a promoção por ato de bravura de apenas um dos militares que acompanharam a ocorrência (Sd. Stefania Veit) viola o princípio da isonomia, uma vez que os apelantes, tendo atendido a vítima sob a mira de arma de fogo, tiveram parecer desfavorável à promoção.

Por outra banda, os apelantes trouxeram argumento novo, a respeito do ferimento do princípio do juiz natural e do vício de "falta de confiança", eis que o recurso de reconsideração não foi distribuído à mesma autoridade que julgou inicialmente o feito administrativo.

O Estado de Santa Catarina apresentou contrarrazões (Evento 74).

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Sra. Dra. Eliana Volcato Nunes, que entendeu não ser hipótese a justificar intervenção ministerial (Evento 6).

Este é o relatório.

VOTO

Cuido de apelação cível, interposta por praças do Corpo de Bombeiros Militar, inconformados com a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação ordinária e considerou regular o ato administrativo que indeferiu o pleito autoral que visava apurar possível ato de bravura praticado no exercício de suas funções.

Quanto ao juízo de admissibilidade, verifico que a pretensão recursal preenche os pressupostos processuais intrínsecos e extrínsecos. Por outro lado, foi trazido questionamento que impede o conhecimento total do reclamo: diz respeito ao argumento, formulado na apelação, acerca da violação ao princípio do juiz natural e do vício de "falta de confiança" quando do julgamento do recurso de reconsideração pela autoridade administrativa competente.

Analisando a petição inicial e a réplica, verifico que uma das alegações da parte autora diz respeito à motivação distinta utilizada pelas autoridades durante o julgamento do pedido de promoção por ato de bravura e aquele suscitado na instância recursal administrativa (recurso de reconsideração). Nesse ponto, é mencionado que o relator do recurso de reconsideração era o Ten. Cel. BM Vandervan Nivaldo da Silva, um dos membros da CPP que havia sido desfavorável à promoção dos demandantes (especialmente, p. 4, da réplica); contudo, não há argumentação acerca da suposta irregularidade pela distribuição do recurso à autoridade distinta daquela que julgou inicialmente o feito administrativo, como sustentam agora os apelantes.

Diante disso, há violação do art. 1.013, § 1º, do Código de Processo Civil, o qual prevê: "Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que não tenham sido solucionadas, desde que relativas ao capítulo impugnado".

A inovação recursal foi enfrentada em diversas ocasiões por este e. Tribunal, consolidando-se o seguinte entendimento:

Proíbe-se a inovação no juízo de apelação, sendo permitido às partes somente o que foi objeto da matéria sujeita à discussão e decisão pelo juiz de inferior instância, segundo interpretação do art. 515, parágrafo 1º do CPC" (TJSC, AC n. 2008.061687-6, rel. Des. Ricardo Fontes, j. 4.12.08). (TJSC, Apelação Cível n. 2011.082613-0, da Capital, rel. Des. Subst. Francisco Oliveira Neto, j. em 30/10/2012).

E:

Matéria não sentencialmente decidida constitui-se em inovação recursal e, por isso, não pode ser conhecida, sob pena de supressão de instância, à luz do art. 515, § 1º, do Código de Processo Civil, para o qual apenas as questões suscitadas e discutidas no processo poderão ser apreciadas na instância ad quem. (TJSC, Apelação Cível 2009.051335-3, de Jaguaruna, Rel. Des. João Henrique Blasi).

Sendo assim, considerando que...

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