Acórdão Nº 5010521-55.2020.8.24.0039 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 21-07-2022

Número do processo5010521-55.2020.8.24.0039
Data21 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5010521-55.2020.8.24.0039/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ALCEDINO LOURENCO COELHO (AUTOR) APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Banco BMG S/A interpôs recurso de apelação independente, e Alcedino Lourenço Coelho interpôs recurso adesivo, da sentença que, proferida pelo juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Lages, que julgou procedentes os pedidos formulados pela autora na "ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento cumulada com restituição de valores e indenização por danos morais", nos seguintes termos (evento 17, autos do 1º grau):

ALCEDINO LOURENCO COELHO promoveu contra BANCO BMG S/A a presente Ação Declaratória de Nulidade de Desconto em Folha de pagamento/ausência de Efetivo Proveito c/c Repetição de Indébito e Danos Morais, afirmando que firmou com a ré contrato de cartão de crédito. Ocorre que não almejou essa forma de contratação, mas sim de empréstimo consignado, salientando que em nenhum momento teve intenção de contratar cartão de crédito consignado e nem recebeu informações a esse respeito. Destacou que não conseguirá quitar o contrato em razão da taxa de juro praticada. Após outras considerações, pugnou pela concessão de tutela de urgência, para que o réu se abstenha de reservar margem consignável e empréstimo, sob pena de multa. Concluiu pedindo a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC, igualmente a RMC, condenando o réu a restituir em dobro os descontos realizados. Que seja o réu intimado a apresentar cópia do contrato, bem como faturas emitidas no período. Ainda, seja o réu condenado em prestar indenização por danos morais. Requereu também a inversão do ônus da prova.

Citado, o requerido contestou. Alegou que o autor utilizou o cartão para sacar os valores que lhe foram disponibilizados, aderindo espontaneamente ao contrato de cartão de crédito consignado. Asseverou tratar-se de contratação expressa, que não ofende dispositivos legais, tendo a demandante pleno conhecimento da modalidade de contratação e taxa de juros e encargos cobrados. Articulou sobre a impossibilidade de alteração da modalidade contratada para simples empréstimo e acrescentou que os danos morais não estão configurados, pois não houve conduta ilegal a ser imputada ao banco réu, além de indemonstrados elementos indicativos do abalo alegado. Alegou ser descabida a repetição de indébito, não se podendo falar em devolução do dobro, inexistente má-fé. Concluiu pela improcedência.

Houve réplica.

É o relatório.

Julgo antecipadamente o mérito, nos termos do art. 355, I do CPC, pois a prova documental carreada ao processo é suficiente para a solução do litígio.

A alegação do requerente de que ao contratar com o banco réu sua intenção era aderir a um contrato de empréstimo consignado padrão, e não a um empréstimo pela via cartão de crédito com reserva de margem consignável, mostra-se verossímil.

Isto porque em que pese a liberação dos recursos financeiros e provável entrega do cartão, certo é que o consumidor não fez uso do cartão como de crédito, dado que nenhuma compra efetuou por via do cartão e as faturas carreadas ao processo isso demonstram de forma insofismável.

Eventual desbloqueio para obter o empréstimo não equivale à utilização do cartão.

Portanto, não obstante a adesão ao contrato de cartão de crédito, fato é que a não utilização pelo requerente para os fins normais está a demonstrar que pretendia tão somente o acesso ao empréstimo.

Vale anotar que "a essência do contrato de cartão de crédito não está atrelado a obtenção de recursos por meio de saque de valor em espécie, mas na aquisição de produtos e serviços" (Apelação Cível n.º 0302649-20.2016.8.24.0078, de Urussanga. Rel. Des. Guilherme Nunes Born, j. em 12.07.18). Assim, a cobrança do cartão de crédito é realizada após a sua utilização, com a realização de compras por parte do cliente, e não através de depósito de determinada quantia diretamente na conta corrente deste.

No mais, é de fácil compreensão que essa modalidade de contratação foi sugerida pela instituição financeira, pois mais vantajosa, dado que o consumidor, que pretendia apenas o recurso financeiro, poderia alcançar esse desiderato via contratação tradicional - empréstimo consignado.

Resulta da operação efetivada que o cliente fica vinculado ao contrato por período muito superior ao do consignado, pois os 5% do valor do seu benefício previdenciário, deduzida a taxa de juros praticada e outros encargos, resultará numa liquidação mensal mínima e praticamente incapaz de reduzir o valor do capital.

Deve-se considerar que a possibilidade de liquidação integral ou parcial da dívida, com o pagamento do valor total ou parcial da fatura, num contexto global é improvável, dado que a capacidade financeira dos aderentes, na maioria das vezes já endividados, não permitirá, salvo contratação de novo empréstimo, o levantamento de valores para satisfação do débito.

Em razão disso, tenho que essa modalidade de contrato, direcionada aos menos afortunados, apesar de inicialmente se mostrar benéfica, oculta a verdadeira face predatória ao eternizar a dívida do consumidor, dado que o valor mensalmente amortizado (deduzido o juro remuneratório) é ínfimo.

Nesse cenário, é evidente que a modalidade de contratação é extremamente onerosa ao consumidor, permitindo, de outro lado, vantagem exacerbada ao fornecedor.

É possível inferir, portanto, ante a ausência de comprovação de utilização do cartão de crédito para compras de produtos ou serviços, que a intenção do autor era apenas e tão somente realizar um empréstimo consignado e não a aquisição de um cartão de crédito, e como bem ponderou o em. Desembargador Robson Luz Varella ao decidir caso semelhante (Apelação Cível n.º 0002355-14.2011.8.24.0079, de Videira, j. em 17.04.2018, " O "modus operandi" utilizado pelas instituições financeiras foi assim descrito pelo Núcleo de Defesa do Consumidor da defensoria Pública do Estado do Maranhão, na ação civil pública ajuizada pelo órgão na defesa dos interesses dos "aposentados e pensionistas do INSS: O cliente busca o representante do banco com a finalidade de obtenção de empréstimo consignado e a instituição financeira, nitidamente, ludibriando o consumidor, realiza outra operação - a contratação de cartão de crédito com RMC." Assim, na folha de pagamento é descontado apenas um pequeno percentual do valor obtido por empréstimo e o restante desse valor é cobrado através de fatura de cartão de crédito, com incidência de juros duas vezes mais caros que no empréstimo consignado normal." (http: //condege.org.br/noticias/473-ma-defensoria-promove-ação-civil-pública-contra bancos-por-ilegalidades-em consignados.Html) (in TJSC, Apelação Cível n. 0300594-83.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 29-11-2018).

Acolhe-se, portanto, o pedido de inoponibilidade das cláusulas contratuais do cartão emitido pelo réu e, consequentemente, com o reconhecimento da inexistência da relação jurídica tal como estabelecida, afastada resta a pretensão de conversão para contrato de mútuo e a adequação da taxa de juros remuneratórios.

Registra-se, de todo modo, não obstante julgados do Tribunal de Justiça no sentido de determinar nova configuração do contrato, que se mostra tecnicamente inviável a conversão do contrato de cartão de crédito para contrato de empréstimo consignado.

No caso, não sendo conhecido o grau de comprometimento de renda do autor, bem como o percentual da margem consignável ainda disponível, a conversão pura e simples do contrato para empréstimo consignado pode gerar impasse intransponível para o credor receber o quanto lhe é devido.

A solução mais satisfatória, acredita-se, é a declaração de inexistência da relação jurídica tal qual como estabelecida, com a devolução, pelo réu, dos valores recebidos e compensação dos valores disponibilizados com a indenização por danos morais.

Dentre as recentes decisões destaco:

NULIDADE DE CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO, RESTITUIÇÃO DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPROCEDÊNCIA NA ORIGEM. APELO DO AUTOR. DESCONTOS, EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, CONCERNENTES À RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC) PARA PAGAMENTO MÍNIMO DE FATURA DE CARTÃO DE CRÉDITO NÃO CONTRATADO, TAMPOUCO UTILIZADO. PRÁTICA ABUSIVA. VIOLAÇÃO DAS NORMAS PROTETIVAS DO CONSUMIDOR. NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA. Nos termos do CDC, aplicável ao caso por força da Súmula n. 297 do STJ, é direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os produtos e serviços que adquire (art. 6º, inciso III). À vista disso, a nulidade da contratação se justifica quando não comprovado que o consumidor - hipossuficiente técnicamente perante as instituições financeiras - recebeu efetivamente os esclarecimentos e informações acerca do pacto, especialmente que contratava um cartão de crédito, cujo pagamento seria descontado em seu benefício mediante a reserva de margem consignável, com encargos financeiros de outra linha de crédito, que não a de simples empréstimo pessoal, com taxas sabidamente mais onerosas. Vale dizer, ao violar o dever de informação e fornecer ao consumidor modalidade contratual diversa e mais onerosa do que a pretendida, o banco demando invalidou o negócio jurídico entabulado, na medida em que maculou a manifestação de vontade do contratante. IMPERIOSO RETORNO DAS PARTES AO STATUS QUO ANTE. CONSEQUÊNCIA LÓGICA DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA CONTRATAÇÃO. Não obstante a constatação de que o consumidor jamais optou por efetuar empréstimo consignado pela via de cartão de crédito, o reconhecimento da nulidade de tal pacto importa, como consequência lógica, o retorno das partes ao status quo ante, ou seja, o consumidor deve devolver montante que recebeu (apesar de não haver contratado), sob pena de enriquecer-se ilicitamente, ao passo que ao banco cumpre ressarcir os descontos indevidamente realizados no benefício...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT