Acórdão Nº 5010544-67.2021.8.24.0038 do Terceira Câmara Criminal, 22-11-2022

Número do processo5010544-67.2021.8.24.0038
Data22 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 5010544-67.2021.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: LUANA APARECIDA GLASS (ACUSADO) APELANTE: TIAGO DE ALMEIDA DIAS BATISTA (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Joinville, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Luana Aparecida Glass e Tiago de Almeida Dias Batista, dando-os como incursos nas sanções do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

Infere-se do incluso Auto de Prisão em Flagrante que no dia 17 de março de 2021, por volta das 08 horas e 20 minutos, Policiais Militares deslocaram-se até a residência situada na Rua Pitaguaras, n. 20, Bairro Morro do Meio, neste Município de Joinville/SC, com o objetivo de averiguar denúncias de que na localidade ocorria intensa atividade de comercialização de drogas por um indivíduo de nome Tiago de Almeida Dias Batista.

Chegando ao local, os Policiais Militares visualizaram já na parte de fora da residência, isto é, na varanda, certa quantidade de droga.

Diante deste fato, logo em seguida, os integrantes da força policial adentraram na mencionada residência, oportunidade em que constataram que os denunciados LUANA APARECIDA GLASS e TIAGO DE ALMEIDA DIAS BATISTA guardavam e tinham em depósito, para comercialização e sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 1 (uma) porção da droga conhecida como "maconha", sem embalagem, apresentando a massa bruta de 93,2g (noventa e três gramas e dois decigramas) e 52 (cinquenta e duas) porções da droga conhecida como "cocaína", acondicionadas individualmente em microtubos de plástico vermelho, apresentando a massa bruta de 42,3g (quarenta e dois gramas e três decigramas).

Registra-se que as drogas que os denunciados guardavam e tinham em depósito, para comercialização, contêm substâncias capazes de causar dependência física e psíquica e são proibidas em todo o território nacional, de acordo com a Portaria n. 344/98 da ANV/MS.

Os integrantes da força policial lograram êxito, ainda, em apreender em poder dos denunciados 3 (três) aparelhos de telefone celular, a quantia de R$102,00(cento e dois reais) em espécie, quantia esta proveniente da narcotraficância, além de 1(uma) balança digital, 2(duas) facas com resquícios da droga conhecida como "maconha" e 1(um) rolo de plástico filme, utilizados para pesar, fracionar e embalar a droga, respectivamente, para posterior comercialização.

[...] (ev. 1).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar Luana às penas de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime fechado, além do pagamento de 667 (seiscentos e sessenta e sete) dias-multa, no valor mínimo legal, e Tiago às penas de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime semiaberto, além do pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, no valor mínimo legal, por infração ao disposto no art. 33, caput, e 33, § 4º, ambos da Lei n. 11.343/2006, respectivamente. A Tiago foi negado o direito de recorrer em liberdade (ev. 155).

Irresignada, a defesa de Luana interpôs recurso de apelação e pugnou pela absolvição face o reconhecimento do princípio in dubio pro reo. Subsidiariamente, pleiteou o reconhecimento do tráfico privilegiado na fração de 2/3 (dois terços), a fixação do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (ev. 11).

A defesa de Tiago arguiu, preliminarmente, a nulidade das provas face à violação de domicílio. Em relação à dosimetria, pugnou pela mitigação da pena base ao mínimo legal e pela majoração, à fração de 2/3 (dois terços), da figura do tráfico privilegiado. Por fim, requereu a fixação do regime aberto e o direito de recorrer em liberdade (ev. 46).

Juntadas as contrarrazões (ev. 49), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese, opinou pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (ev. 52).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pela defesa dos acusados, contra decisão que julgou procedente a denúncia e os condenou às sanções previstas no art. 33, caput, e 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, este último apenas em relação ao codenunciado Tiago.

Os apelos devem ser conhecidos, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Da inviolabilidade de domicílio

Preliminarmente, a defesa de Tiago busca a nulidade da prisão em flagrante, tal como das provas subsequentes, em decorrência da violação de domicílio, porque a diligência ocorreu sem ordem judicial.

A tese não procede.

Isso porque, no contexto que envolve o caso concreto, a polícia foi até o local em razão de denúncias de que Tiago estaria comercializando entorpecentes naquele imóvel.

Ao chegarem à frente da edificação, avistaram o usuário Alex no portão, e, na varanda, parte interna do ponto de venda, estava Tiago, e ao seu lado um torrão de maconha de aproximdamente 100g (cem gramas) exposto sobre uma mesa.

Como se melhor verá adiante quando da análise do mérito, os agentes públicos questionaram Alex a respeito de sua presença no local, tendo o mesmo afirmado que foi adquirir maconha com Tiago.

Desse modo, diante da evidente situação flagrancial do crime de tráfico de drogas - delito de natureza permanente -, era prescindível autorização judicial para realização de busca e apreensão, onde fora encontrado o restante do entorpecente e demais apetrechos para a prática do tráfico de drogas, pelo que as provas decorrentes da referida diligência não estão tomadas de nulidade.

O art. 5º, XI, da Constituição da República ressalva a possibilidade: "XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

O Supremo Tribunal Federal, em recurso representativo de controvérsia, confirmou a desnecessidade de autorização judicial para a violação domiciliar, nas hipóteses de crimes permanentes. Veja-se:

Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso (Recurso Extraordinário n. 603.616, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 05/11/2015, grifou-se).

E ainda:

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. WRIT SUCEDÂNEO DE RECURSO OU REVISÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DELITO DE NATUREZA PERMANENTE. EXISTÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES INDICATIVAS DA SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. DOSIMETRIA. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. REGIME PRISIONAL. BIS IN IDEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. Inadmissível o emprego do habeas corpus como sucedâneo de recurso ou revisão criminal. Precedentes. 2. A posse de drogas para fins de tráfico constitui crime permanente e autoriza, devido ao estado de flagrância, o ingresso no domicílio independentemente de mandado. 3. Para concluir em sentido diverso das instâncias anteriores quanto às circunstâncias do flagrante, imprescindíveis o reexame e a valoração de fatos e provas, para o que não se presta a via eleita. 4. Inviável o exame das teses defensivas não analisadas pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância. Precedentes. 5. Agravo regimental conhecido e não provido (HC 202344 AgR / MG, Primeira Turma, rel Min. Rosa Weber, j...

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