Acórdão Nº 5010707-83.2020.8.24.0005 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 05-10-2021

Número do processo5010707-83.2020.8.24.0005
Data05 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5010707-83.2020.8.24.0005/SC

RELATORA: Desembargadora REJANE ANDERSEN

APELANTE: ANGELA BEATRIZ BOSIO (AUTOR) ADVOGADO: ALFREDO MARIN JUNIOR (OAB SC006253) APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB SC007478)

RELATÓRIO

ANGELA BEATRIZ BOSIO ajuizou ação declaratória de nulidade de desconto em folha de pagamento/ausência do efetivo proveito c/c repetição de indébito e danos morais (RMC) em face de BANCO BMG S.A, ao argumento de que, em síntese, está sofrendo descontos indevidos em seu benefício previdenciário, os quais são realizados a título de reserva de margem consignável oriunda de contrato de cartão de crédito que aduz ter sido contratado mediante um desvirtuamento da real operação de crédito que pretendia contratar.

Diante dessas circunstâncias, requereu, em suma: 1) a declaração de inexistência da contratação de empréstimo via cartão de crédito com RMC; 2) a restituição do indébito em dobro; e, 3) a condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais.

Valorou a causa e postulou a gratuidade da justiça, a inversão do ônus da prova e a exibição de cópia do contrato objeto da lide e outros documentos relacionados.

Contestação apresentada (evento 11).

Sobreveio sentença de mérito, nos seguintes termos (evento 19):

"Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil, reconheço a decadência do direito do autor de anular o negócio jurídico e, em consequência, JULGO EXTINTO o presente feito movido por ANGELA BEATRIZ BOSIO em desfavor de BANCO BMG SA, razão pela qual condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica sobrestada em virtude da concessão da gratuidade judiciária (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil)".

Irresignada, a requerente interpôs recurso de apelação (evento 24), rechaçando os argumentos expostos em primeiro grau, eis que deve ser reconhecida a nulidade da contratação, com o retorno retorno das partes ao status quo ante e a condenação da ré, por conseguinte, à indenização por danos morais e repetição do indébito em dobro. Por fim, requereu a inversão dos ônus sucumbenciais.

Contrarrazões no evento 26.

Este é o relatório.

Este é o relatório.

VOTO



Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, no âmbito da presente ação, julgou improcedentes os pleitos formulados na peça exordial. Realizada a admissibilidade recursal, passa-se à análise das insurgências levadas ao duplo grau de jurisdição.

Prescrição

Sustenta a decisão vergastada que a pretensão da parte autora está acobertada pelo manto da prescrição, tendo em vista que, no caso concreto, se aplica o prazo prescricional de 3 (três) anos, previsto no artigo 206, § 3º, IV e V, do Código Civil de 2002.

Cabe salientar que o caso envolve relação de consumo, razão pela qual tem aplicação o art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual "prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria".

Assim sendo, o prazo começa a fluir a partir do último desconto indevido, "porquanto em se tratando de relação de trato sucessivo, no qual, a cada desconto indevido, surge uma nova lesão, o prazo prescricional começa a fluir a partir da data do última dedução realizada no benefício previdenciário da autora" (Apelação n. 5000286-05.2020.8.24.0047, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 25-5-2021).

Afasto a prescrição nesses termos.

1 Legalidade do contrato firmado entre as partes

Sustenta o apelante que a sentença singular deve ser reformada para declarar a inexistência da contratação de empréstimo consignado via cartão de crédito, o qual originou os descontos a título de reserva de margem consignável, realizados no seu benefício previdenciário. Para tanto, alega que sua intenção era apenas a de fazer um empréstimo consignado simples e jamais a de contratar cartão de crédito, o qual aduz nunca sequer ter utilizado ou desbloqueado. Argumenta, ainda, que a manutenção dos termos do contrato sub judice implicará em uma dívida vitalícia e impagável, a qual representa obrigação totalmente desproporcional ao consumidor.

Depreende-se, portanto, que a celeuma principal cinge-se na verificação da (i)legalidade da contratação de empréstimo de numerário, por meio de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, também, na averiguação da existência de eventual vício de consentimento em relação à referida contratação.

Compulsando detidamente o caderno processual verifica-se por incontroverso, que houve uma transação formalizada pelas partes para realização de empréstimo de dinheiro, o qual se consolidou por meio do documento denominado "Termo de Adesão ao Cartão de Crédito Consignado e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento".

Entretanto, apesar de o referido documento estar formalmente perfeito e possuir a assinatura a rogo do ora recorrente, o contexto fático-probatório coligido nos autos, revela uma ilicitude na referida contratação, a qual se materializa no fato de que o autor foi induzido a contratar o cartão de crédito em questão com o fim único e exclusivo de viabilizar uma operação financeira de mútuo, qual seja, o empréstimo na modalidade consignado, o qual lhe é disponibilizado em razão da sua condição de aposentado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

Oportunamente, cabe destacar que, conforme infere-se das faturas acostadas pela própria casa bancária, o cartão de crédito supostamente contratado jamais fora utilizado pela parte autora para fins de aquisição de produtos ou pagamento de serviços. Pelo contrário, os únicos lançamentos que constam nas mencionadas faturas são aqueles referentes à encargos contratuais e impostos oriundos da operação financeira firmada entre as partes.

Doutro vértice, dessume-se dos autos que a instituição financeira recorrida sequer comprovou o envio ou a efetiva entrega do aludido cartão no endereço do autor, o que poderia ser facilmente provado por meio da apresentação de documento idôneo assinado pelo requerente.

Sendo assim, tem-se por evidente que a pretensão do autor, ora apelante, era firmar, tão somente, o denominado "empréstimo consignado puro e simples", com parcelas fixas e preestabelecidas e não a de adquirir cartão de crédito que, conforme já salientado, não foi sequer utilizado para aquisição de produtos e serviços de consumo (fim específico de um cartão de crédito).

Importante destacar, também, que diante das especificidades concernentes a quaestio ora debatida, torna-se imprescindível elucidar a diferença existente entre o empréstimo consignado simples e o empréstimo de numerário via cartão de crédito, o qual se dá por meio de reserva de margem consignável (RMC). A esse respeito, tem-se excerto extraído do voto proferido pelo eminente Desembargador Robson Luz Varella, nos autos da Apelação Cível n. 0301157-67.2017.8.24.0042, o qual esclarece as características e diferenças pertinentes as mencionadas operações financeiras. Vejamos:

"Sobre essas duas modalidades de mútuo bancário, o Banco Central do Brasil define como "empréstimo consignado aquele cujo desconto da prestação é feito diretamente em folha de pagamento ou benefício previdenciário. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente" (http://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).

Já a jurisprudência esclarece que no empréstimo por intermédio de cartão de crédito com margem consignável, coloca-se "à disposição do consumidor um cartão de crédito de fácil acesso ficando reservado certo percentual, dentre os quais poderão ser realizados contratos de empréstimo. O consumidor firma o negócio jurídico acreditando tratar-se de um contrato de empréstimo consignado, com pagamento em parcelas fixas e por tempo determinado, no entanto, acaba por aderir a um cartão de crédito, de onde é realizado um saque imediato e cobrado sobre o valor sacado, juros e encargos bem acima dos praticados na modalidade de empréstimo consignado, gerando assim, descontos por prazo indeterminado [...]" (Tribunal de Justiça do Maranhão, Apelação Cível n. 043633, de São Luis, Rel. Cleones Carvalho Cunha). [...]" (Apelação Cível n. 0300673-62.2018.8.24.0092, da Capital, rel. Des. Robson Luz Varella, Segunda Câmara de Direito Comercial, j. 20-11-2018).

Tendo em vista os esclarecimentos alhures, é muito improvável que o consumidor submeter-se-ia a um contrato de cartão de crédito sem a intenção de fazer uso deste, simplesmente porque não o queria ou porque não saberia da sua finalidade. Ora, se a intenção do requerente era empréstimo de pecúnia, não haveria razão lógica para contratar um cartão de crédito com desconto de margem consignável apenas para esse fim específico.

De mais a mais, não é crível que a casa bancária demandada tenha prestado informações claras e adequadas sobre a viabilidade do requerente formalizar contrato de empréstimo por outros meios (menos onerosos), destacando as diferenças dos custos e encargos. Fosse assim, não haveria dúvidas que o ora apelante iria utilizar-se do meio menos custoso, ou seja, o empréstimo consignado "simples", com juros reduzidos, números de prestações e, principalmente, com termo final.

Logo, em que pese a parte autora ter lançado sua assinatura no documento mencionado, sobressai límpida a existência de mácula na manifestação de vontade deste (apelante), porquanto há fortes indícios de que a casa bancária requerida não prestou informações claras e adequadas acerca da modalidade contratual firmada entre as partes (empréstimo de dinheiro por meio de contratação de cartão de crédito), a qual é extremamente mais onerosa para...

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