Acórdão Nº 5010797-82.2020.8.24.0008 do Sétima Câmara de Direito Civil, 08-12-2022

Número do processo5010797-82.2020.8.24.0008
Data08 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5010797-82.2020.8.24.0008/SC

RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR

APELANTE: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU) APELADO: IEDA MARIA DE AZEVEDO AMORIM (AUTOR)

RELATÓRIO

Ieda Maria de Azevedo Amorim ajuizou ação declaratória de inexistência de relação jurídica com pedido de repetição do indébito e indenização por danos morais em face do Banco Bradesco S.A.

A autora argumentou que foram realizados descontos em seu benefício previdenciário, em razão de empréstimo consignado no valor de R$ 56.287,53, jamais celebrado entre as partes.

Requereu a condenação do banco requerido à repetição do indébito, em dobro, a inversão do ônus da prova e ao ressarcimento dos danos morais, no valor mínimo de R$ 20.000,00.

A justiça gratuita à demandante restou indeferida no evento n. 8, enquanto a tutela provisória de urgência fora concedida no despacho do evento n. 17.

Citado, o réu apresentou contestação no evento n. 25. Aduziu, em síntese, a validade da contratação e consequente legalidade dos serviços controvertidos, bem como a inexistência de ato ilícito indenizável. Ainda, defendeu a não incidência do Código de Defesa do Consumidor no caso concreto e, consequentemente, a não inversão do ônus da prova.

Houve réplica no evento n. 32.

Após, sobreveio sentença proferida pela magistrada Jadna Pacheco dos Santos Pinter (evento n. 49), que julgou procedente a pretensão autoral, nos termos assim sintetizados na parte dispositiva da decisão:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS da parte autora IEDA MARIA DE AZEVEDO AMORIM em face da ré BANCO BRADESCO S.A., o que faço com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e, como corolário disso:

a) DECLARO inexistente a dívida retratada na inicial com denominação de "BRADESCO FINANC", descontada do benefício previdenciário da requerente, referente ao contrato nº 812967859;

b) CONDENO a instituição ré a restituir à parte autora, de forma dobrada, os valores descontados de seu benefício previdenciário, de denominação "BRADESCO FINANC" (R$ 4.380,00, consoante Ev. 1, OUT9, referente as parcelas de outubro/2019, novembro/2019 e dezembro/2019, cada qual no valor de R$ 1.460,00), com juros de mora a contar da citação e correção monetária a contar do desembolso.

c) CONDENO a ré a pagar à parte autora indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), acrescido de juros de mora de 1% a.m. (um por cento ao mês) com termo inicial do evento danoso e correção monetária (INPC) a partir da publicação desta sentença.

Constatada a sucumbência exclusiva da ré, condeno-a ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação (art. 85, § 2º, Código de Processo Civil).

Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, o banco réu interpôs apelação (evento n. 57), apresentando prova nova e defendendo a existência de elementos suficientes ao julgamento de improcedência da demanda. Nesse sentido, alega restar comprovada a legítima contratação dos empréstimos, de modo que agiu no exercício regular de direito.

Pretende, dessa maneira, a reforma da sentença, para que seja reconhecida a regularidade de sua conduta, com o consequente afastamento das condenações por danos materiais e morais. Subsidiariamente, pleiteia a minoração da verba compensatória.

Com as contrarrazões (evento n. 65), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça e vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

1. ADMISSIBILIDADE

Quanto ao requisitos extrínsecos de admissibilidade, noto que o prazo para a interposição da apelação foi respeitado (evento n. 50), e o apelante recolheu o necessário preparo recursal (evento n. 57, COMP3).

Quanto aos aspectos intrínsecos, no entanto, adianto que o reclamo comporta conhecimento apenas parcial.

É que, no que se refere à nova prova produzida (evento n. 57, OUT4) - contrato de empréstimo pessoal consignado em benefício previdenciário hipoteticamente formalizado com a autora da presente ação -, não verifico qualquer justificativa apta a aceitá-la neste momento processual, a teor do que prevê o art. 435, parágrafo único, do Código de Processo Civil. O demandado foi encontrado e citado em 28-7-2020 (evento n. 21), tendo apresentado sua contestação (evento n. 25), além de ter informado, no petitório acostado ao evento n. 38, não haverem provas adicionais a serem produzidas, "tendo em vista a documentação juntada aos autos serem suficientes para o julgamento da lide". Logo, verifica-se inexistirem motivos plausíveis a justificar o porquê tal documento não fora apresentado no momento oportuno.

Assim, inviável conhecer da prova apresentada, bem como da fundamentação lançada sobre ela no apelo.



2. MÉRITO

2.1 (ir)regularidade da contratação

A controvérsia inicial cinge-se em verificar a (i)licitude dos descontos efetuados pelo réu no benefício previdenciário da autora, circunstância inconteste na lide.

A princípio, é importante ressaltar que se aplicam ao caso em tela as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, conforme acertadamente consignou o togado singular, uma vez que as partes envolvidas na demanda condizem com os conceitos de consumidor e fornecedor apontados, respectivamente, pelos arts. e do referido diploma legal.

Ao contrário do Código Civil, a Lei n. 8.078/90 optou pela responsabilidade objetiva, retirando a necessidade de comprovação do elemento subjetivo, em razão da manifesta vulnerabilidade do consumidor. Dessarte, basta que este comprove o dano e o nexo de causalidade com o serviço oferecido para que o fornecedor responda pelos prejuízos causados, ainda que não tenha incidido em uma das formas de culpa. A responsabilidade somente poderá ser afastada quando comprovada a inexistência de defeito no serviço ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Em análise dos substratos probatórios colacionados aos autos, verifico que a autora alegou não ter realizado a contratação que ocasionou o desconto em seu benefício previdenciário.

A fim de corroborar suas premissas, apresentou junto à inicial o mínimo que era de sua incumbência, carreando aos autos elementos que comprovam o fato constitutivo do seu direito.

Diante da impossibilidade em produzir prova de fato negativo, incumbia ao banco réu atestar a regularidade na cobrança da dívida, expondo causa que excluísse a sua responsabilidade (art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor) e apresentando, assim, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do requerente, nos moldes do art. 373, II, do Código de Processo Civil.

Nesse cenário, constato que o recorrente não acostou o contrato de empréstimo questionado pela recorrida, de modo que não logrou comprovar a origem e a regularidade dos abatimentos efetuados no benefício previdenciário desta.

Sendo assim, foi acertada a sentença que declarou a ilicitude dos descontos formulados pela instituição bancária, motivo pelo qual o apelo do réu, neste ponto, não merece atenção.

2.2 DANOS MORAIS

A instituição financeira se insurge, também, contra a parte da sentença que reconheceu a existência de abalo anímico sofrido pela requerente em virtude dos descontos indevidos.

Pois bem.

É cediço que, conforme determina o art. 5º, X, da Constituição da República, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

O Código Civil, em seu art. 186, preceitua que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e, em razão disso, consoante prevê o art. 927 do mesmo diploma, "fica obrigado a repará-lo".

No mesmo diapasão, o art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, também dispôs acerca do assunto, asseverando que constitui direito básico do consumidor "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

Conforme já previamente fundamentado, as relações norteadas pelo diploma consumerista são disciplinadas pela responsabilidade civil objetiva, bastando que fique comprovado o dano sofrido pelo consumidor e o nexo de causalidade deste com o produto ou serviço oferecido pelo fornecedor para que sobrevenha a obrigação de indenizar.

No presente caso, resta analisar a (in)ocorrência do dano.

Não obstante a existência de entendimento contrário, esta Sétima Câmara de Direito Civil adotou recentemente a tese de que o abalo anímico decorrente de desconto indevido em benefício previdenciário ou reserva de margem consignada não é presumido. Nestes casos, deve-se analisar o conjunto probatório dos autos afim de perquirir a ocorrência do dano.

E assim sendo, registro não ser qualquer melindre que se configura apto a justificar a compensação pecuniária a título de danos morais, sob pena de banalização do referido instituto, uma vez que a ofensa, muitas vezes, pode ser tão insignificante que sequer gere prejuízo imaterial.

O abalo anímico somente restará caracterizado quando houver uma ofensa aos direitos da personalidade do sujeito, em virtude da colocação deste diante de situação vexatória que chegue ao ponto de lhe perturbar o íntimo, intensificando a naturalidade dos fatos cotidianos, provocando fundadas aflições e angústias.

Nesse diapasão, leciona Antônio Jeová Santos:

Diante da possibilidade de um ganho fácil, pessoas se colocam como vítimas de danos morais e tudo fazem par lograr o intento principal, que é a indenização. [...] Ocorrem certas situações em que a primeira indagação do juiz quando tem contato com a demanda é a de saber até que ponto a vítima contribuiu para que o dano (ou suposta lesão) acontecesse? A moda do dano moral é tão rútila que, não raro, em qualquer petição inicial, embute-se pedido de indenização por dano moral, sem que exista a causa de pedir, ou fundamentos jurídicos do pedido. O requerimento é feito apenas para seduzir e impressionar a parte...

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