Acórdão Nº 5010865-62.2021.8.24.0019 do Sétima Câmara de Direito Civil, 10-11-2022

Número do processo5010865-62.2021.8.24.0019
Data10 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5010865-62.2021.8.24.0019/SC

RELATOR: Desembargador OSMAR NUNES JÚNIOR

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: CRISTIANA NEPOMUCENO DE SOUSA SOARES (OAB MG071885) APELADO: LAURI FORTE DAROS (AUTOR) ADVOGADO: VENIER ANTONIO COLLA (OAB SC048670)

RELATÓRIO

Trato de recurso de apelação interposto por Banco BMG S/A contra a sentença que, nos autos de ação declaratória de inexistência de relação contratual c/c indenização por danos morais e materiais, julgou procedentes os pedidos formulados por Lauri Forte Daros em seu desfavor, nos termos assim sintetizados na parte dispositiva da decisão (evento 26):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por LAURI FORTE DAROS em face do BANCO BMG S.A, resolvendo o mérito, com arrimo no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para, confirmando a decisão do evento 4:

a) DECLARAR inexistente(s) a(s) contratação(ões) relativa(s) ao(s) "Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado" (n. 8630423 e n. ADE 5244688), bem como à "Cédula de Crédito Bancário" (n. 66474532), determinando que a parte autora promova a devolução, de forma atualizada pelo INPC e desde o pagamento, dos valores liberados pelo réu em sua conta bancária, nos moldes da fundamentação;

b) CONDENAR o réu a restituir em dobro os valores indevidamente descontados por força do contrato indicado no item "a", acrescidos de juros de mora de 1%, a contar da citação (art. 405 do Código Civil), e de correção monetária segundo o INPC, desde o desembolso/desconto de cada quantia;

c) CONDENAR o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais em favor da parte autora, valor a ser acrescido de correção monetária segundo INPC, a partir da data do arbitramento, e juros de mora de 1%, a contar do evento danoso, qual seja, a data da contratação indicada no item "a" (súmula 54 do STJ);

d) AUTORIZAR a compensação dos valores a serem restituídos pela parte autora (item "a") com a condenação prevista nos itens "b" e "c", na forma do art. 368 e ss. do Código Civil.

Condeno o réu, ainda, ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor da condenação, com espeque no art. 85, §2º do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, arquivem-se os autos.

Em suas razões recursais (evento 35), o banco demandado reforça as teses de defesa, alegando que comprovou a legítima contratação dos empréstimos, de modo que agiu no exercício regular de direito. Nesse cenário, pretende a reforma da sentença, para que seja a regularidade da sua conduta reconhecida, com o consequente afastamento das condenações por danos materiais e morais. Subsidiariamente, pleiteia a restituição simples das quantias e a minoração da verba compensatória, com a adequação do termo inicial de incidência dos juros moratórios.

Com as contrarrazões (evento 40), os autos ascenderam a esta Corte de Justiça e vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

1. ADMISSIBILIDADE

Preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à sua análise.

2. mérito

2.1 (IR)REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO

A controvérsia inicial cinge-se em verificar a (i)licitude dos descontos efetuados pelo banco réu no benefício previdenciário do autor, circunstância inconteste na lide.

A princípio, é importante ressaltar que se aplicam ao caso em tela as disposições contidas no Código de Defesa do Consumidor, conforme acertadamente consignou o togado singular, uma vez que as partes envolvidas na demanda condizem com os conceitos de consumidor e fornecedor apontados, respectivamente, pelos arts. e do referido diploma legal.

Ao contrário do Código Civil, a Lei n. 8.078/90 optou pela responsabilidade objetiva, retirando a necessidade de comprovação do elemento subjetivo, em razão da manifesta vulnerabilidade do consumidor. Dessarte, basta que este comprove o dano e o nexo de causalidade com o serviço oferecido para que o fornecedor responda pelos prejuízos causados, ainda que não tenha incidido em uma das formas de culpa. A responsabilidade somente poderá ser afastada quando comprovada a inexistência de defeito no serviço ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Em análise dos substratos probatórios colacionados aos autos, verifico que o autor alegou não ter realizado a contratação que ocasionou o desconto em seu benefício previdenciário.

A fim de corroborar suas premissas, apresentou junto à inicial o mínimo que era de sua incumbência, carreando aos autos elementos que comprovam o fato constitutivo do seu direito.

Diante da impossibilidade em produzir prova de fato negativo, incumbia ao banco réu atestar a regularidade na cobrança da dívida, expondo causa que excluísse a sua responsabilidade (art. 14, § 3º, do Código de Defesa do Consumidor) e apresentando, assim, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do requerente, nos moldes do art. 373, II, do Código de Processo Civil.

Constato que a instituição financeira requerida trouxe aos autos o contrato que teria sido supostamente assinado pelo requerente (evento 12, contrato 3).

Todavia, o autor impugnou a veracidade da marca aposta no instrumento. E, assim sendo, consoante acertadamente fundamentou o togado singular, é pacificado o entendimento de que o ônus de comprovação de autenticidade de assinatura impugnada pelo consumidor é do fornecedor.

A respeito, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1846649, Tema 1.061, definiu que "na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. , 369 e 429, II)".

Sendo assim, coaduno com o entendimento do togado singular no tocante à declaração de ilicitude da cobrança, devendo a sentença ser mantida incólume no ponto.

2.2 danos morais

A instituição financeira se insurge, também, contra a parte da sentença que reconheceu a existência de abalo anímico sofrido pelo requerente em virtude dos descontos indevidos.

Pois bem.

É cediço que, conforme determina o art. 5º, X, da Constituição da República, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

O Código Civil, em seu art. 186, preceitua que "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito" e, em razão disso, consoante prevê o art. 927 do mesmo diploma, "fica obrigado a repará-lo".

No mesmo diapasão, o art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, também dispôs acerca do assunto, asseverando que constitui direito básico do consumidor "a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

Conforme já previamente fundamentado, as relações norteadas pelo diploma consumerista são disciplinadas pela responsabilidade civil objetiva, bastando que fique comprovado o dano sofrido pelo consumidor e o nexo de causalidade deste com o produto ou serviço oferecido pelo fornecedor para que sobrevenha a obrigação de indenizar.

No presente caso, resta analisar a (in)ocorrência do dano.

Não obstante a existência de entendimento contrário, esta Sétima Câmara de Direito Civil adotou recentemente a tese de que o abalo anímico decorrente de desconto indevido em benefício previdenciário ou reserva de margem consignada não é presumido. Nestes casos, deve-se analisar o conjunto probatório dos autos afim de perquirir a ocorrência do dano.

E assim sendo, registro não ser qualquer melindre que se configura apto a justificar a compensação pecuniária a título de danos morais, sob pena de banalização do referido instituto, uma vez que a ofensa, muitas vezes, pode ser tão insignificante que sequer gere prejuízo imaterial.

O abalo anímico somente restará caracterizado quando houver uma ofensa aos direitos da personalidade do sujeito, em virtude da colocação deste diante de situação vexatória que chegue ao ponto de lhe perturbar o íntimo, intensificando a naturalidade dos fatos cotidianos, provocando fundadas aflições e angústias.

Nesse diapasão, leciona Antônio Jeová Santos:

Diante da possibilidade de um ganho fácil, pessoas se colocam como vítimas de danos morais e tudo fazem par lograr o intento principal, que é a indenização. [...] Ocorrem certas situações em que a primeira indagação do juiz quando tem contato com a demanda é a de saber até que ponto a vítima contribuiu para que o dano (ou suposta lesão) acontecesse? A moda do dano moral é tão rútila que, não raro, em qualquer petição inicial, embute-se pedido de indenização por dano moral, sem que exista a causa de pedir, ou fundamentos jurídicos do pedido. O requerimento é feito apenas para seduzir e impressionar a parte contrária. De outra banda, o suposto dano é tão insignificante, aquilo representou tão pouco no espírito ofendido, que não deveria estar no estrado judicial. De minimis non curat praetor. Já foi afirmado neste trabalho que para o dano moral subsistir é necessário que ele tenha algum substrato, certa magnitude. O simples enfado não configura o dano moral. (Dano moral indenizável. 5. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2015. p. 87-88).

Na espécie, a parte ré realizou descontos indevidos no benefício previdenciário do autor a título de cartão não contratado. O valor dos descontos totalizava R$ 75,73, enquanto o valor do benefício daquele alcançava a monta de aproximadamente R$ 1.500,00. Isto é, os descontos indevidos representavam menos de 5% da remuneração do demandante.

Nesse contexto, entendo que o ato ilícito não foi, por si só, suficiente para gerar abalo anímico indenizável ao requerente. O autor também não logrou êxito em demonstrar que o infortúnio vivenciado tenha ultrapassado o mero dissabor.

Não ignoro que a situação possa ter sido desagradável...

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