Acórdão Nº 5010972-80.2019.8.24.0018 do Primeira Câmara de Direito Público, 04-05-2021

Número do processo5010972-80.2019.8.24.0018
Data04 Maio 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5010972-80.2019.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU


APELANTE: LEOPOLDINO FLORES (RÉU) ADVOGADO: MICHELI ANDRESSA ALVES (DPE) APELANTE: MUNICÍPIO DE CHAPECÓ/SC (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) INTERESSADO: ALTAIR BACIN JUNIOR (RÉU) INTERESSADO: JULIANO BACIN (RÉU) ADVOGADO: JULIO CESAR MOMM FILHO INTERESSADO: SERGIO BELTZ (INTERESSADO) ADVOGADO: SIMONE VIEIRA


RELATÓRIO


A Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina e o Município de Chapecó interpuseram recursos de apelação contra sentença proferida nos autos da ação civil pública movida pelo Ministério Público Estadual em face do Espólio de Altair Bacin e Lisonete Bacin, Leopoldino Flores e os ora apelantes.
A decisão sob exame julgou procedentes os pedidos iniciais para condenar os réus Espólio de Altair Bacin e Lisonete Bacin, Leopoldino Flores às obrigações de não fazer consistentes em não realizar venda, entrega, ou doação do imóvel ou fração do imóvel de matrícula n. 8.569 até que seja possível regularizar o parcelamento da área, sob pena de multa no valor estimado na fração vendida, e o Município de Chapecó à obrigação de fazer consistente em afixar placas no local, informando se tratar de loteamento clandestino e da impossibilidade de edificação de novas obras, realizando levantamento do local para apurar as edificações e ocupantes, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), realizar efetiva e contínua fiscalização do imóvel, impedindo a edificação de novas obras e procedendo à imediata demolição caso edificadas, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), e de entregar a cada morador da área cópia da presente ação e da sentença proferida. Não houve condenação ao pagamento de custas processuais e honorários de advogado.
Irresignada, verberou a Defensoria Pública, em suma, que: a) após o processamento do feito, sobreveio sentença com resolução de mérito, deixando-se de apreciar as preliminares aventadas na contestação; b) a área objeto da ação consiste em área rural (art. 44, LCM n. 541/14), existindo interesse do INCRA, autarquia federal, que deve ser incluída no feito, motivo pelo qual a sentença merece ser anulada, para posterior envio à Justiça Federal; c) há diversos possuidores no local dos fatos, havendo necessidade de formação do litisconsórcio passivo necessário, pois a sentença lhes limita o exercício da posse e do domínio; d) o requerido Leopoldino Flores, por meio do contrato já juntado aos autos, firmado no ano de 2002, recebeu a fração equivalente a 53.767,95 m2 da área registrada na matrícula n. 8.569 do registro de imóveis deste município, pertencente ao Espólio de Altair Bacin e Lisonete Bacin, como pagamento de dívidas trabalhistas; e) no local construiu sua moradia e desconhecendo a legislação correlata, rateou a área entre seus filhos, consoante já informado na reunião realizada no dia 11 de fevereiro de 2019 no Gabinete da 9a Promotoria de Justiça daquela comarca; f) o requerido, em momento algum teve a intenção de burlar a legislação, que, face a sua especificidade, é ignorada pela maior parte da população, sobretudo, quando se considera a sua idade (72 anos), costumes vivenciados e hipossuficiência financeira; g) a única intenção de Leopoldino Flores foi deixar a seus filhos uma moradia digna; h) tais pessoas preciram ter assegurado o direito fundamental à moradia; i) a conduta do requerido está plenamente justificada.
Ao final, requereu o provimento do recurso, anulando-se a sentença.
O Município de Chapecó também apelou, aduzindo, em resumo, que: a) a sentença é nula, pois não determinada a citação de todos os réus, tendo-se indeferido o pedido de formação do litisconsórcio passivo; b) o Município não é parte legítima passiva para executar a fiscalização e a demolição de novas obras existentes no imóvel, isso porque, quem deu causa aos fatos foi o loteador; c) o Município não pode figurar no polo passivo da demanda, pois tem interesse na procedência do pedido inicial; d) a multa aplicada ao Município, somente incentiva o loteador a não fazer nada para a regularização do loteamento.
Por derradeiro, requereu a anulação da sentença e, no mérito, o provimento do recurso.
Em sede de contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo desprovimento dos recursos interpostos.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Carlos Alberto de Carvalho Rosa, manifestou-se pelo desprovimento dos apelos.
Este é o relatório

VOTO


De largada, afirmo que os recursos aqui trazidos e a matéria neles versada ostenta relevância e urgência, a ponto de sugerir o imediato julgamento do feito. Em jogo estão o meio ambiente, o planejamento urbano, o livre exercício da propriedade privada e o direito à moradia. Atrelado a tais debates, questões processuais carecem ser analisadas prontamente, tais como a alegação de nulidade da sentença por ausência de citação dos litisconsortes compradores de lotes. Afora a urgência da matéria, o julgamento das ações coletivas constitui a Meta 6, editada pelo CNJ.
Consta na inicial que a Promotoria de Justiça da comarca de Chapecó instaurou o Procedimento Administrativo n. 09.2019.00004692-7, em que organizou a formação de um grupo de trabalho, integrado pelas seguintes entidades: Polícia Militar Ambiental (2a Batalhão), Secretaria de Desenvolvimento Urbano de Chapecó, Secretaria de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente, Diretoria de Regularização Fundiária de Chapecó, Diretoria de Habitação de Chapecó, Casan - Companhia Catarinense de Águas e Saneamento de Chapecó, 1o Ofício de Registro de Imóveis de Chapecó e INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/Chapecó.
Referido Grupo de Trabalho identificou que a infração ambiental de maior impacto na cidade de Chapecó advém de loteamentos irregulares e clandestinos, principalmente em áreas rurais, e, por isso, entenderam que o assunto deveria ser tratado prioritariamente.
Sustenta o autor que a ocupação desordenada da cidade, notadamente em zoneamento em que não permitida a instalação de residências para fins urbanos, traz uma série de consequências danosas, não somente do ponto de vista urbanístico e ambiental, mas também do ponto de vista social. Ao fixar residência, para fins urbanos, em área de terras em que o Município não planejou estender suas políticas públicas voltadas eminentemente para as ocupações urbanas, as pessoas que lá residem passam a ter dificuldade de acesso a serviços públicos básicos, tais como rede de esgoto, água, energia elétrica, creche, transporte público, saúde etc, e seus moradores, obviamente, passam a exigir do Poder Público sua concessão. Assim, todo o planejamento de expansão de políticas públicas e da própria Cidade acaba por ser letra morta, uma vez que o Município terá que passar a atender essas outras localidades, não mapeadas para serem atendidas.
Verbera o Ministério Público, ainda, que a actio não busca a regularização dos parcelamentos, até porque, enquanto pertencentes ao zoneamento indicado no Plano Diretor de Chapecó, não poderão ser regularizadas à luz da Lei n. 6.766/79. Diz, ainda, que também não poderão ser regularizadas pelo Programa Lar Legal (Resolução CM n. 8/2014) ou pela Lei n. 13.465/2017 (Lei da REURB), já que o requisito de área (ou núcleo) consolidada, não está preenchido.
Argumenta, ainda, que não foram inseridos os compradores irregulares ou posseiros dos lotes no polo passivo, uma vez que não serão formulados pedidos contra estes e não serão atingidos com as medidas postuladas nesta ação civil pública. A situação deles permanecerá a mesma, já que, repita-se, o que se busca com esta ação é conter o...

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