Acórdão Nº 5011563-79.2019.8.24.0038 do Sétima Câmara de Direito Civil, 03-02-2022

Número do processo5011563-79.2019.8.24.0038
Data03 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5011563-79.2019.8.24.0038/SC

RELATORA: Desembargadora HAIDÉE DENISE GRIN

APELANTE: MARIA DE FATIMA DOS SANTOS (AUTOR) ADVOGADO: JEFFERSON LAURO OLSEN (OAB SC012831) APELANTE: COMPANHIA ÁGUAS DE JOINVILLE (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Forte no princípio da celeridade e utilizando das ferramentas informatizadas, adota-se o relatório da sentença recorrida, por sintetizar o conteúdo dos autos, in verbis:

Trata-se de ação de indenização de danos morais, promovida por MARIA DE FATIMA DOS SANTOS em face de COMPANHIA ÁGUAS DE JOINVILLE, partes qualificadas.

Aduziu a parte autora, em síntese, que reside em imóvel localizado nas imediações da estação de tratamento de esgoto do bairro Paranaguamirim, nesta Comarca. Aproximadamente no ano de 1984, a CASAN construiu a mencionada estação e, desde então, os moradores da região são obrigados a conviver com mau cheiro, insetos, roedores e doenças, além da vergonha e do constrangimento de residir em local nessas condições. Sustentou que, embora decorridos muitos anos desde a instalação da aludida ETE (Estação de Tratamento de Esgoto), a requerida, até o momento, não tomou providências para solucionar tal problema. Requereu a reparação de danos morais e a concessão da Gratuidade da Justiça. Juntou documentos.

Recebida a inicial, deferiu-se o benefício da gratuidade da justiça e foi reconhecida a relação de consumo existente entre as partes, invertendo-se o ônus da prova (evento 9).

Citada, a ré apresentou contestação (evento 15). Arguiu, em preliminar, a ilegitimidade ativa, sob a alegação de que a parte autora não comprovou residir no local, bem como a ilegitimidade passiva, ao argumento de que, por aproximadamente 32 anos, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário do Município de Joinville estiveram a cargo da CASAN, antiga concessionária, de modo que não poderia responder pelos atos praticados por ela ou pelo Município. Como prejudicial de mérito, sustentou que a pretensão da parte autora fora atingida pela prescrição trienal, vez que os fatos tiveram início em 1984. No mérito, afirmou ser uma empresa distinta da CASAN. Defendeu, ainda, a inexistência de prestação de serviços e de relação de consumo no caso concreto; que a ETE Jarivatuba é a principal estação de tratamento do Sistema de Esgotos Sanitários de Joinville; que o sistema de tratamento foi concebido sob a forma de "lagoas de estabilização", constituído por seis lagoas em série, duas anaeróbias, uma facultativa e três de maturação. Com o crescimento da cidade, a área em torno da referida ETE passou a ser ocupada pela população, sendo natural a existência de odores; que as concentrações de sulfato constituem a maior causa dos odores emitidos pela dita estação, vez que em condições anaeróbicas o sulfato é reduzido a sulfeto e, dependendo do pH do meio, é liberado para a atmosfera na forma de gás sulfídrico, o qual possui forte odor. Em razão disso, foi instalado um Sistema Neutralizador de Odores, ao passo que a construção de uma estação de tratamento de esgoto mais moderna está em vias de ocorrer, o que reduzirá a emanação de odor. Sustentou que a estação de tratamento de esgoto proporciona qualidade de vida à população e que doenças, roedores e insetos não são observados nas adjacências. Aduziu não haver prova de que o odor e a aludida estação tenham causado a proliferação de doenças, de roedores e de insetos, ou de qualquer problema de saúde para a população local ou mesmo à parte autora. Ao final, requereu o acolhimento das preliminares e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos iniciais. Juntou documentos.

Houve réplica (evento 18).

No saneador, foi reconhecida a conexão instrumental com os Autos n. 5017535-30.2019.8.24.0038, e as preliminares foram afastadas. Na dita decisão, também fora deferida a utilização da prova pericial produzida nos Autos n. 0302016-66.2015.8.24.0038, nos termos do art. 372 do Código de Processo Civil.

Os laudos periciais foram juntados (evento 25 dos Autos n. 5017535-30.2019.8.24.0038), sobre os quais ambas as partes se manifestaram (eventos 35 e 37).

O Juiz de Direito Rafael Osorio Cassiano julgou procedente o pedido, constando da parte dispositiva do decisum:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a pretensão inicial, para o fim de CONDENAR a requerida ao pagamento de R$ 6.000,00 (seis mil reais), a título de danos morais, acrescido de correção monetária, pelos índices estabelecidos pela Corregedoria Geral de Justiça, a partir da presente data (Súmula 362 do STJ), e de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação, nos termos do art. 405 do Código Civil.

Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor atualizado da condenação, atendendo-se aos parâmetros estabelecidos no art. 85, §2°, do CPC.

Extingo o processo com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC).

Irresignados, ambos os litigantes veicularam recurso de apelação.

Em suas razões recursais, o autor defendeu que o valor arbitrado a título de danos morais é irrisório em razão do tempo a que ficou exposta ao mau cheiro insuportável advindo do local, mesmo havendo tecnologia para sua mitigação com o tratamento dos resíduos. Ressaltou que o problema existe há mais de 20 (vinte) anos, com várias promessas de solução, infrutíferas, expondo-a à condição degradante. Defende que se mantido o valor fixado em primeiro grau, a apelada nada fará para resolução da situação, acreditando que uma mudança só ocorrerá quando "sentir os efeitos financeiros de sua conduta". Aduziu não haver dúvidas sobre a saúde financeira da apelada e seu grande potencial econômico. Outrossim, como parâmetro, apontou que em casos envolvendo indenizações por dano moral diante de inscrição indevida no rol de devedores, este Tribunal tem fixado valores entre vinte e trinta mil reais, de modo que a "convivência com o mau cheiro repugnante emanado da estação de tratamento da apelada" autoriza a majoração do valor para o patamar pretendido de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). No que pertine aos consectários legais, asseverou inadequado a fluência dos juros moratórios a contar da citação, quando deveria incidir do evento danoso, nos termos da Súmula n. 54 do Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, desde o momento em que comprovadamente passou a residir no local "e concomitantemente a existência da ETE". Alternativamente, aventou que os juros de mora fluam do evento danoso, tendo como marco inicial: a) janeiro de 2005, "quando a apelada passou a administrar a ETE; b) desde três anos antes da propositura da ação. Sustentou a necessidade de majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais de 15% (quinze por cento) para 20% (vinte por cento) do valor da condenação, em vista a prática de diversos atos processuais, tais como audiência de conciliação, audiência de instrução com oitiva de testemunhas, comparecimento em reuniões com o magistrado e a parte contrária para a realização de negócio processual, apresentação de quesitos para prova técnica, acompanhamento do perito, elaboração de quesitos e alegações finais. Em arremate, propugnou o conhecimento e provimento do recurso, com a fixação de honorários recursais, na forma do artigo 85, §§ 11 do CPC.

A Companhia de Águas de Joinville, em seu apelo, esclareceu inicialmente que responde a mais de seiscentas ações com idêntica pretensão indenizatória face a emissão de odores no processo de tratamento de esgoto da ETE Jarivatuba e que, durante a instrução processual, realizou-se negócio jurídico processual para a produção de prova pericial. Assim, encerrada a instrução, "as ações foram dividas em grupos de acordo com a incidência de odor, partindo do ponto central (lagoa de tratamento) até sua dispersão total (raio de aproximadamente 500m). Isso resultou em três grupos de ações de acordo com sua localização: (i.) fora da pluma de odor, (ii.) faixa lilás; e (iii.) faixa azul". No mérito propriamente dito, defendeu a inexistência de dano moral indenizável, porquanto a atividade praticada é despoluidora, tendo a perícia judicial demonstrado que "a concentração de gases que extrapolam os limites da estação de tratamento não são suficientes para gerar incomodo à população do entorno". Aduziu que "a verificação do dano moral, no presente caso, é extremamente subjetiva, pois a percepção de odor varia de pessoa a pessoa, em razão disso que deve ser regrado o que seria passível de dano ao 'homem médio', nessa linha a OMS recomendou que a concentração de H2S não ultrapasse 7,0 µg/m³ a fim de evitar a reclamação da comunidade, o que restou cumprido pela recorrente". Desse modo, inexiste a prática de ato ilícito (arts. 186, 187 e 927 do CC/2002), pois atua dentro dos parâmetros da Organização Mundial da Saúde. Teceu considerações sobre o laudo pericial produzido, ressaltando que "em que pese a existência de odor que ultrapasse os limites da ETE, segundo recomendação da OMS, a concentração verificada está dentro dos parâmetros que não causam incomodo, o que afasta o dever de indenizar". Sustentou estar a ETE - Jarivatuba instalada no local desde os anos 80 e que a comprovação de residência da autora é posterior à instalação, fato que afasta ou mitiga o dever de indenizar em razão do que já decidido pela Segunda Câmara de Direito Civil deste Tribunal de Justiça na Apelação Cível n. 20120763460, relator Des. Monteiro Rocha, j. 6-11-2013). Em caso de manutenção da condenação, defendeu que o valor deve ser reduzido, pois "a substituição da forma de tratamento está sendo implementada, mas que a conclusão da obra é complexa", e porque desproporcional ao dano, afetando "a universalização do esgotamento sanitário no Município de Joinville". Em relação aos consectários legais, insurge-se à fixação dos juros moratórios desde a citação, entendendo que o termo inicial deva fluiur a partir do arbitramento, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 903258/RS, com incidência da Taxa...

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