Acórdão Nº 5011731-15.2021.8.24.0005 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 18-08-2022

Número do processo5011731-15.2021.8.24.0005
Data18 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5011731-15.2021.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN

APELANTE: BANCO OLE CONSIGNADO S.A. (RÉU) APELADO: WALDIR ADOLFO HANNEMANN (AUTOR)

RELATÓRIO

1.1) Da inicial

WALDIR ADOLFO HANNEMANN ajuizou Ação Declaratória e Indenizatória em face de BANCO OLÉ CONSIGNADO S.A., alegando, em suma, que tomou empréstimo pessoal consignado com o réu, que indevidamente reservou a margem consignável (RMC) destinada a cartão de crédito e efetuou descontos a esse título em seu benefício previdenciário.

Aduziu que nunca solicitou ou autorizou a emissão de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC).

Requereu a declaração de nulidade da contratação do cartão de crédito consignado com o retorno ao status quo ante ou a conversão em empréstimo pessoal consignado, a repetição de indébito em dobro ou a compensação, a indenização por dano moral e a atribuição da sucumbência ao réu.

Pediu a concessão da justiça gratuita, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova e a exibição de documentos pelo réu.

Valorou a causa e juntou documentos (evento 1).

1.2) Da resposta

Citado, o réu ofertou resposta, em forma de contestação (eventos 10, 11 e 13). Defendeu a licitude da reserva de margem consignável (RMC) para cartão de crédito e do respectivo desconto no benefício previdenciário do autor, pois este os autorizou no momento da contratação do cartão de crédito consignado, utilizando-o para saque. Apontou o não cabimento da repetição de indébito, a falta de prova do alegado dano moral indenizável e a impossibilidade de inversão do ônus da prova. Requereu a improcedência dos pedidos formulados na inicial e a condenação do autor nas verbas sucumbenciais. Pleiteou, no caso de procedência, o arbitramento do quantum indenizatório em patamar razoável e a devolução do montante creditado ao autor ou a compensação.

Juntou documentos (eventos 12/13).

1.3) Do encadernamento processual

Deferida a justiça gratuita, reconhecida a aplicação do CDC, invertido o ônus da prova e ordenada ao réu a exibição de documentos com advertência acerca da presunção do art. 400 do CPC (evento 5).

Réplica (evento 20).

1.4) Da sentença

Prestando a tutela jurisdicional, o Juiz Osmar Mohr proferiu sentença resolutiva de mérito para julgar procedentes os pedidos formulados na inicial (evento 22), nos seguintes termos:

Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE a presente Ação Declaratória de Nulidade de contrato e indenização por Danos Morais proposta por WALDIR ADOLFO HANNEMANN em face de BANCO OLE CONSIGNADO S.A. para declarar a nulidade do contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC) e, em consequência:a) condenar o réu a restituir em favor da parte autora, na forma simples, os descontos indevidamente promovidos do benefício previdenciário do mutuário, acrescidos de juros moratórios de 1% do trânsito em julgado (efeito ex nunc da anulabilidade - art. 177 do Código Civil) e de correção monetária pelo INPC/IBGE a partir de cada desconto (pagamento/desembolso);b) condenar o réu ao pagamento de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais em favor da parte autora, acrescido de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação (ilícito contratual) e correção monetária pelo INPC/IBGE a partir da data desta sentença (súmula 362 do STJ);c) determinar à parte autora a restituição ao réu dos valores sacados e/ou utilizados do limite do cartão de crédito, acrescidos de juros moratórios de 1% ao mês da data do trânsito em julgado (efeito ex nunc da anulabilidade - art. 177 do Código Civil) e correção monetária pelo INPC/IBGE da data do saque ou utilização do crédito;d) autorizar a compensação na forma do art. 368 do Código Civil;e) condenar a instituição financeira ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação - montante dos valores descontados da parte autora e do dano moral, forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. (grifos do original)

1.5) Do recurso

Inconformado, o réu interpôs recurso de Apelação Cível (evento 30). Reitera argumentos lançados na origem, com o que pretende a reforma da sentença para que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados na inicial e, de forma subsidiária, a redução do quantum indenizatório. Aponta a prática de litigância de má-fé pelo advogado do autor ante o ajuizamento de diversas demandas com pedido e causa de pedir similares, de modo a ensejar maior dilação probatória para aferição do interesse processual.

1.6) Das contrarrazões

Apresentadas (evento 36).

É o relatório.

VOTO

2.1) Do objeto recursal

A discussão versa sobre contratação de cartão de crédito consignado, dano moral indenizável, repetição de indébito, compensação, litigância de má-fé e sucumbência.

2.2) Da admissibilidade

Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos, porquanto oferecido a tempo e modo, recolhido o preparo e evidenciados o objeto e a legitimação.

2.3) Do mérito

2.3.1) Do cartão de crédito consignado

Dispõe o autor que contratou empréstimo pessoal consignado junto ao réu, que, não obstante sua vontade, intrumentalizou contratação de cartão de crédito consignado por meio da prática de venda casada, pelo que pretende a declaração de nulidade do negócio jurídico com o retorno ao status quo ante ou a conversão em empréstimo pessoal consignado, a repetição de indébito em dobro ou a compensação de valores e a indenização por dano moral.

Examinando os autos, tem-se por incontroversa a existência da relação jurídica entre as partes, mormente que representada por instrumento contratual com a assinatura do autor - "Proposta de Cartão de Crédito Consignado" - bem como o "Termo de Consentimento Esclarecido do Cartão de Crédito Consignado" (evento 13, DOC2, fls. 1/3).

Isso posto e sem maiores delongas, têm-se que a relação negocial que motivou a contenda judicial deve ser dirimida pelos ditames esculpidos no Código de Defesa do Consumidor, mormente porque o autor se amolda perfeitamente ao conceito jurídico de consumidora final - art. 2º, CDC - e o réu no de fornecedor de produtos e serviços - art. 3º, § 2º, CDC.

Inclusive, ante exaustivos debates jurídicos outrora travados, o e. STJ, visando pacificar a aplicação da norma consumerista em relações negociais firmadas com instituições financeiras, lançou mão do verbete sumular n. 297: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

A demanda que ensejou a propositura da ação repousa no vício de consentimento reduzido à termo, mormente que o autor afirma que se socorreu do réu visando a obtenção de empréstimo pessoal consignado, conquanto acabou sendo instrumentalizado contrato de cartão de crédito com reserva de margem consignável.

Para avançarmos na análise do suposto vício de consentimento, faz-se imprescindível debruçarmo-nos sobre as características que permeiam as duas modalidades de contrato - empréstimo consignado e cartão de crédito com reserva de margem consignável.

O "empréstimo consignado" é um contrato de mútuo feneratício em que a instituição financeira contratada disponibiliza um bem fungível (dinheiro) ao consumidor que opta em proceder o pagamento do débito mediante consignação mensal em sua folha salarial/benefício previdenciário.

Definição retratada pelo Banco Central do Brasil:

O que é empréstimo consignado?É uma modalidade de empréstimo em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante. A consignação em folha de pagamento ou de benefício depende de autorização prévia e expressa do cliente à instituição financeira concedente do empréstimo e da existência de convênio entre a fonte pagadora e a instituição financeira que oferece a operação. (https://www.bcb.gov.br/pre/bc_atende/port/consignados.Asp).

A modalidade de pagamento indireto em contratos desse jaez enseja uma garantia absolutamente maior de recebimento pela instituição financeira credora dos valores devidos, mormente que a cobrança/repasse dos valores não depende mais da anuência do devedor, incumbindo ao empregador/entidade de previdência o repasse do valor ajustado.

A diminuição drástica dos riscos a serem experimentados pela instituição financeira credora permite a oferta de condições mais atraentes que a grande maioria dos contratos, inclusive aqueles com alienação fiduciária. A taxa de juros remuneratórios, pelo baixo índice de inadimplemento dessa modalidade de contrato, é atraente, convidativa e amplamente difundida. Inclusive é a exposição de motivos que culminou na criação da legislação sobre a matéria.

O cartão de crédito, embora também represente um contrato de mútuo, ostenta características próprias e totalmente distintas do "empréstimo consignado", pois foi desenvolvido para estimular o mercado de consumo.

É uma espécie de contrato, porque voltado ao incremento do consumo, que não...

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