Acórdão Nº 5011790-18.2021.8.24.0000 do Órgão Especial, 07-12-2022

Número do processo5011790-18.2021.8.24.0000
Data07 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoÓrgão Especial
Classe processualDireta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial)
Tipo de documentoAcórdão
Direta de Inconstitucionalidade (Órgão Especial) Nº 5011790-18.2021.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador ODSON CARDOSO FILHO

AUTOR: Procurador Geral - MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA - Florianópolis RÉU: CÂMARA DE VEREADORES - CÂMARA MUNICIPAL DE CRICIÚMA - CRICIÚMA RÉU: Prefeito - MUNICÍPIO DE CRICIÚMA/SC - Criciúma

RELATÓRIO

A Procuradoria-Geral de Justiça, representada pelo Coordenador do Centro de Apoio Operacional do Controle de Constitucionalidade (CECCON), e o Promotor de Justiça da 11ª Promotoria de Justiça da comarca de Criciúma ajuizaram Ação Direta de Inconstitucionalidade, tendo por objeto o art. 2º, § 1º, III, IV, V e VII, "a" e "b"; parte do parágrafo único do art. 3º; e os arts. 4º-B e 4º-C, todos da Lei n. 6.856/2017, alterada pela Lei n. 7.673/2020, ambas do Município de Criciúma, e por arrastamento as disposições contidas no Decreto Municipal n. 539/2021, diante de violação aos arts. 16, caput, e 21, caput, I e § 2º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, que guardam consonância com o art. 37, caput, II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Narra a exordial, em síntese, que a lei local encontra-se em desacordo com os regramentos constitucionais vigentes, bem como com o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento, em sede de repercussão geral, do Recurso Extraordinário n. 658.026/MG (Tema n. 612), no que concerne às hipóteses de contratação de pessoal em caráter temporário por tempo determinado, porquanto estabelecidas de maneira genérica, sem indicar a excepcionalidade da situação de interesse público que exige o recrutamento, possibilitando a celebração por período superior ao legalmente estabelecido e, quanto a aquelas "por até 90 (noventa) dias", ausente de critério e sem processo seletivo simplificado.

Buscam, liminarmente, a suspensão da eficácia dos dispositivos atacados e, ao final, "a procedência do pedido, a fim de se declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, incisos III, IV, V e VII, alíneas 'a' e 'b'; do parágrafo único do artigo 3º, na parte em quem prevê 'bem como as contratações até 90 (noventa) dias', e dos artigos 4º-B e 4º-C, todos da Lei n. 6.856, de 09 de março de 2017, alterada pela Lei n. 7.673, de 4 de março de 2020, ambas do Município de Criciúma, e por arrastamento as disposições contidas no artigo do Decreto n. 539, de 17 de março de 2021, de Criciúma, por violação aos artigos [sic] por afronta aos artigos 16, 21, caput, inciso I e § 2º da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989, e que guardam consonância com os artigos 37, caput, e incisos II e IX, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, afastando-se os efeitos repristinatórios" (Ev. 1, Inic. 1).

A suspensão cautelar do regramento combatido foi denegada (Ev. 8).

Após notificação (Ev. 12 e 13), a Câmara Municipal de Criciúma e o Prefeito Municipal apresentaram informações, ambos em defesa da legalidade do normativo, a primeira, especialmente diante da competência dos municípios de legislar sobre assuntos de interesse local e, ainda, de modo supletivo (Ev. 14), e o segundo em razão do atendimento aos requisitos constitucionais (Ev. 16).

Manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça no sentido da "procedência do pedido, para que seja declarado inconstitucional do artigo 2º, § 1º, incisos III, IV, V e VII, alíneas 'a' e 'b'; do parágrafo único do artigo 3º, na parte em quem prevê 'bem como as contratações até 90 (noventa) dias', e dos artigos 4º-B e 4º-C, todos da Lei n.6.856, de 09 de março de 2017, alterada pela Lei n. 7.673, de 4 de março de 2020, ambas do Município de Criciúma, e por arrastamento as disposições contidas no artigo do Decreto n. 539, de 17 de março de 2021, de Criciúma por violação aos artigos 16 e 21, caput, inciso I e § 2º da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1989, e afastados os efeitos repristinatórios" (Ev. 21).

É o relatório.

VOTO

A presente Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada por representantes do Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face do art. 2º, § 1º, III, IV, V e VII, "a" e "b"; parte do parágrafo único do art. 3º; e dos arts. 4º-B e 4º-C, todos da Lei n. 6.856/2017, alterada pela Lei n. 7.673/2020, ambas do Município de Criciúma, e por arrastamento das disposições contidas no Decreto Municipal n. 539/2021, em razão de, em síntese, estabelecerem de maneira genérica hipóteses de contratação de pessoal em caráter temporário por tempo determinado, configurando afronta aos arts. 16, caput, e 21, I e § 2º, da Constituição do Estado de Santa Catarina (Ev. 1, Inic1).

(i) Da inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, III, IV, V e VII, "a" e "b"; parte do parágrafo único do art. 3º; e dos arts. 4º-B e 4º-C, todos da Lei n. 6.856/2017, alterada pela Lei n. 7.673/2020, ambas do Município de Criciúma

Como cediço, os art. 16, caput, e 21, I e § 2º, da Constituição Estadual - reprodução literal do art. 37 caput, II e IX, da CRFB - assim preconizam:

Art. 16. Os atos da administração pública de qualquer dos Poderes do Estado obedecerão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.

[...]

Art. 21. Os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei, observado o seguinte:

I - a investidura em cargo ou a admissão em emprego da administração pública depende da aprovação prévia em concursos público de provas ou de provas e títulos de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

[...]

§ 2º A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

[...]

A exigência de realização de concurso público de provas ou de provas e títulos para preenchimento de cargos efetivos ou vagas de emprego público visa, dentre outros, resguardar os princípios constitucionais da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. E esta regra constitucional de universalização do acesso aos quadros da Administração Pública, por certo, não pode sofrer burla por meio de permissão para a indiscriminada e imotivada contratação temporária de pessoal.

O Supremo Tribunal Federal debruçou-se sobre a temática por ocasião do julgamento, com repercussão geral reconhecida, do Recurso Extraordinário n. 658.026/MG (Tema n. 612), assentando a tese no sentido de que "nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração" (destaquei).

O acórdão restou assim ementado:

Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face de trecho da Constituição do Estado de Minas Gerais que repete texto da Constituição Federal. Recurso processado pela Corte Suprema, que dele conheceu. Contratação temporária por tempo determinado para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público. Previsão em lei municipal de atividades ordinárias e regulares. Definição dos conteúdos jurídicos do art. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal. Descumprimento dos requisitos constitucionais. Recurso provido. Declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Modulação dos efeitos.1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, "à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, [d]a constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos".2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.5. Há que se garantir a instituição do que os franceses denominam de la culture de gestion, a cultura de gestão (terminologia atualmente ampliada para 'cultura de gestão estratégica') que consiste na interiorização de um vetor do progresso, com uma apreensão clara do que é normal, ordinário, e na concepção de que os atos de administração devem ter a pretensão de ampliar as potencialidades administrativas, visando à eficácia e à transformação positiva.6. Dá-se provimento ao recurso extraordinário para o fim de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT