Acórdão Nº 5011972-81.2020.8.24.0018 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 14-12-2021

Número do processo5011972-81.2020.8.24.0018
Data14 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5011972-81.2020.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador TORRES MARQUES

APELANTE: SCHUMANN MOVEIS E ELETRODOMESTICOS LTDA EM RECUPERACAO JUDICIAL (AUTOR) APELANTE: ANDRE LEONARDO SCHUMANN (AUTOR) APELANTE: COOPERATIVA DE CREDITO UNICRED DESBRAVADORA LTDA - UNICRED DESBRAVADORA (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações cíveis interpostas por SCHUMANN MÓVEIS E ELETRODOMÉSTICOS LTDA. (EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL) e COOPERATIVA DE CRÉDITO UNICRED DESBRAVADORA LTDA. - UNICRED DESBRAVADORA da sentença proferida nos autos da "Ação de Revisão de Cláusulas Contratuais c/c Repetição de Indébito e Pedido de Tutela de Urgência" n. 5011972-81.2020.8.24.0018, ajuizada pela primeira apelante em conjunto com ANDRÉ LEONARDO SCHUMANN. O decisório recorrido contou com a seguinte parte dispositiva (evento 48):

58. Isso posto, JULGO PARCIAL PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial e, com fulcro no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, resolvo o mérito, pondo fim à fase cognitiva do procedimento, na forma do artigo 203, §1º, do mesmo diploma legal, a fim de; (a) afastar a incidência da CDI como índice de correção monetária e, em seu lugar, determinar que seja aplicado o INPC/IBGE; (b) declarar a abusividade da cobrança de tarifa de liberação de crédito no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais); (c) condenar a ré à repetição de indébito simples, permitida eventual compensação, na forma simples, após apuração do saldo devedor, com correção monetária pelo INPC/IBGE, a contar de cada desembolso, e juros de mora de 1% a.m. (um por cento ao mês) a contar da citação.

59. Houve SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA (CPC, art. 86, caput), razão pela qual condeno parte autora e requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, ambos na mesma proporção (50%), fixada a verba sucumbencial em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, conforme artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil. Quanto à autora Schumann Ltda, exigibilidade suspensa em virtude da justiça gratuita (CPC, art. 98, §3º).

58. Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Houve oposição de embargos de declaração, porém rejeitados (evento 59).

A cooperativa ré sustenta, em síntese, que: a) a apelada é empresa de renome nacional no ramo de comercialização de móveis e eletrodomésticos e não há motivos para a concessão da gratuidade da justiça; b) é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor, porquanto o objeto da demanda decorre de ato cooperado; c) a utilização do CDI, desde que respeitada a taxa média de mercado, não é abusiva; d) não há falar em lucros excessivos ou desequilíbrio contratual, tornando possível a aplicação do CDI nas relações entre a cooperativa de crédito e seus cooperados; e) a taxa contratada está muito abaixa da média de mercado, o que novamente demonstra a legalidade do CDI; f) a própria apelada teria "aprovado" a utilização do CDI, pois é dever do cooperado participar das assembleias e sugerir o aprimoramento das operações creditícias; g) seus cooperados são pagos pelo mesmo índice (CDI) quando da utilização de seus recursos; h) não houve cobrança de TAC e TEC, devendo ser reformada a sentença no ponto, bem como ser a apelada condenada por litigância de má-fé, por distorcer a realidade dos fatos; i) o indeferimento da repetição do indébito, mesmo que de forma simples (evento 66).

A autora, por sua vez, alega que: a) a mora está descaracterizada ante o reconhecimento da ilegalidade da utilização do CDI como fator monetário; b) os valores indevidamente cobrados devem ser restituídos em dobro; c) os ônus sucumbenciais devem ser readequados para que a parte apelada arque com o pagamento integral das custas processuais e honorários advocatícios (evento 76).

Contrarrazões apenas da parte autora (evento 78).

Após, os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Em 9/11/2021 após a Desa. Janice Goulart Garcia Ubialli relatar seu voto, acompanhado pelo Des. Sérgio Izidoro Heil, pedi vista para melhor compreensão da matéria relativa ao CDI, motivo pelo qual houve a designação de julgamento estendido.

VOTO

As partes interpuseram recursos de apelação cível contra a decisão que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzido na ação de revisão contratual proposta por SCHUMANN MÓVEIS E ELETRODOMÉSTICOS LTDA EM RECUPERACAO JUDICIAL e ANDRÉ LEONARDO SCHUMANN.

Em atenção à melhor técnica, passo à análise individual dos reclamos.

Recurso da cooperativa

Impugnação à gratuidade da justiça

Em contestação, a cooperativa impugnou a gratuidade à justiça concedida a Schumann Móveis e Eletrodomésticos Ltda. Mas, ao proferir a sentença, o juízo de origem manteve o benefício sob o fundamento de que "a parte requerente juntou aos autos documentação contábil que demonstra que a empresa acumula prejuízo financeiro (EV1, Anexo 2)".

Como cediço, "faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais" (Súmula 481 do STJ). Logo, se a pessoa jurídica "comprova que não reúne condições financeiras que lhe permitam arcar com as despesas do processo [...] e o impugnante não se desincumbe do ônus de derruir essa presunção, o benefício da Justiça gratuita não pode ser revogado" (Agravo de Instrumento n. 4001827-37.2020.8.24.0000, de São Carlos, rel. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público, j. 18/6/2020).

É do impugnante, portanto, o ônus de comprovar que o beneficiário não faz jus à gratuidade da justiça. Mas, na hipótese em apreço, a recorrente limitou-se a alegar que a apelada seria "empresa de renome nacional, não havendo motivos que bastem para a concessão da gratuidade de justiça". Todavia, não bastam ilações genéricas, de sorte que a apelante não se desincumbiu do encargo de impugnar especificamente os documentos contábeis que demonstram os prejuízos financeiros da apelada (evento 9), a qual, inclusive, encontra-se em recuperação judicial.

Portanto, deve ser afastada a impugnação aventada.

Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

A cooperativa apelante sustenta a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações entre cooperativas e cooperados.

A insurgência não comporta acolhimento. Isso porque não só a legislação pertinente ao Sistema Financeiro Nacional (Lei n. 4.595/1964) como também aquela voltada à regulamentação do Sistema de Crédito Cooperativo (Lei Complementar n. 130/2009) expressamente contemplam a possibilidade de constituição de instituição financeira sob a forma de cooperativa de crédito.

Dispõe o art. 18, § 1º, da Lei n. 4.595/1964:

Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.

§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras.

Ademais, colhe-se do art. 1º da Lei Complementar n. 130/2009:

Art. 1º As instituições financeiras constituídas sob a forma de cooperativas de crédito submetem-se a esta Lei Complementar, bem como à legislação do Sistema Financeiro Nacional - SFN e das sociedades cooperativas.

No caso, tendo em vista que a cooperativa prestou serviços financeiros ao associado/parte autora, inegável a sua equiparação a instituição financeira. Nesse sentido, é o enunciado da súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Sobre o tema, destaca-se julgado do Superior Tribunal de Justiça:

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. COOPERATIVA. ATIVIDADE FINANCEIRA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA Nº 168/STJ.1. A orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de se admitir a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações travadas entre cooperados e cooperativas quando estas desenvolvem atividades equiparadas às instituições financeiras. [...] (AgInt nos EAREsp n. 1.302.248/PR, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, j. 20-10-2020).

E desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C TUTELA DE URGÊNCIA. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. TOGADA DE ORIGEM QUE JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTE A PRETENSÃO INAUGURAL. INSURGÊNCIA DA RÉ. [...]

CÓDIGO DE DEFESA DO...

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