Acórdão Nº 5012405-85.2021.8.24.0039 do Quarta Câmara de Direito Comercial, 19-07-2022
Número do processo | 5012405-85.2021.8.24.0039 |
Data | 19 Julho 2022 |
Tribunal de Origem | Tribunal de Justiça de Santa Catarina |
Órgão | Quarta Câmara de Direito Comercial |
Classe processual | Apelação |
Tipo de documento | Acórdão |
Apelação Nº 5012405-85.2021.8.24.0039/SC
RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER
APELANTE: JOSE SERGIO RIBEIRO CAMARGO (AUTOR) APELADO: BANCO DAYCOVAL S.A. (RÉU)
RELATÓRIO
José Sérgio Ribeiro Camargo interpôs Apelação Cível (evento 43) contra a sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na 1ª Vara Cível da Comarca de Lages - doutor Joarez Rusch - que, nos autos da ação revisional ajuizada pelo Recorrente em face do Banco Daycoval S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial nos seguintes termos:
Isto posto, nos autos de Ação Revisional de Contrato c/c Tutela de Urgência, em que é Autor JOSE SERGIO RIBEIRO CAMARGO, e Réu BANCO DAYCOVAL S.A., JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para o fim de limitar os juros remuneratórios em 12,53% ao ano, condenando-se o banco réu à devolução na forma simples dos valores pagos a maior pelo autor a esse respeito.Eventuais valores pagos a maior pelo autor deverão ser atualizados com juros de 1% ao mês a contar da citação e correção monetária pelo INPC/IBGE (CGJ/SC) a contar de cada desembolso.O saldo, credor ou devedor, portanto, deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença, observando-se o disposto no art. 509, § 2º do CPC, onde o apontado credor poderá ver-se ressarcido, apontando o valor correto, observado o disposto no REsp 1552434 e REsp 1579250 conforme fundamentação.Ante a sucumbência recíproca, CONDENO ambas as partes ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 86, caput, do CPC), estes arbitrados em R$1.500,00, nos termos do art. 85, §8º, do CPC, divididas as obrigações igulitariamente.
(evento 32, grifos no original)
Houve a oposição de Embargos de Declaração pelo Banco (evento 37), os quais foram rejeitados (evento 40).
Em suas razões recursais, o Apelante argumenta, em síntese, que: (a) "o contrato em questão, embora seja um típico contrato de adesão, não aponta de forma clara e precisa o sistema de amortização de juros, o que lesa profundamente o consumidor, por ausência de informação"; (b) "a manutenção da "amortização PRICE" no contrato entabulado entre as partes destoa de todos os preceitos princípios lógicos norteadores dos negócios jurídicos, especialmente os princípios normatizados da boa-fé objetiva (artigo 113 do Código Civil), boa-fé subjetiva (artigo 422 do Código Civil) e da própria função social do contrato (artigo 421 do Código Civil)"; (c) "não se sustenta a tese de primeiro grau, no sentido de permitir a manutenção de um método que nitidamente gera a incidência de juros sobre juros, sob o argumento de que a Medida Provisória 2.170-36/01 autoriza os Bancos a praticarem usura"; (d) "há de se falar em abusividade da cobrança da tarifa de registro de contrato devendo ser declaradas nulas de pleno direito"; (e) "a cobrança de tarifas por abertura de cadastro, avaliação do bem, registro de contrato que tinha e por seguro é '' obviamente '' abusiva, conforme já reconheceu o próprio Superior Tribunal de Justiça, dai, que nulas e sem nenhum valor"; e (f) haja a redistribuição dos ônus sucumbenciais.
Empós, com o oferecimento das contrarrazões (evento 51), o feito ascendeu a este grau de jurisdição e foi distribuído para esta relatoria por sorteio.
É o necessário escorço.
VOTO
Esclareço que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz de origem se deu em 3-3-22, posterior à vigência do CPC/15.
1 Do Recurso
1.1 Da capitalização de juros e do sistema de amortização
Defende o Autor que: (a) "o contrato em questão, embora seja um típico contrato de adesão, não aponta de forma clara e precisa o sistema de amortização de juros, o que lesa profundamente o consumidor, por ausência de informação"; (b) "a manutenção da "amortização price" no contrato entabulado entre as partes destoa de todos os preceitos princípios lógicos norteadores dos negócios jurídicos, especialmente os princípios normatizados da boa-fé objetiva (artigo 113 do Código Civil), boa-fé subjetiva (artigo 422 do Código Civil) e da própria função social do contrato (artigo 421 do Código Civil)"; e (c) "não se sustenta a tese de primeiro grau, no sentido de permitir a manutenção de um método que nitidamente gera a incidência de juros sobre juros, sob o argumento de que a Medida Provisória 2.170-36/01 autoriza os Bancos a praticarem usura".
Pois bem.
Ab initio é preciso enfatizar que o caso concreto diz respeito à Cédula de Crédito Bancário, tornando indispensável trazer à baila a Lei n. 10.931/04, que, em seu inciso I do § 1º do art. 28, encarta a seguinte regra:
§ 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação.
Além da legislação específica, acerca do tema também há posicionamento proclamado pela "Corte da Cidadania", em sede de julgamento repetitivo no REsp n. 973.827/RS, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 8-5-12, com o seguinte teor:
3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:- 'É permitida a capitalização dos juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.'- 'A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada'.
A leitura tanto da Lei n. 10.931/04 quanto do aludido julgamento repetitivo permite concluir há possibilidade de cobrança da capitalização, considerando-se estar expressamente avençada a cobrança do anatocismo quando verificado que a taxa de juros anual é superior ao duodécuplo da taxa mensal.
Vale ainda ressaltar que qualquer alegação acerca da constitucionalidade da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP n. 2.170-36/2001) cai por terra frente à adoção do posicionamento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, não se devendo perder de vista que a controvertida constitucionalidade está sob o enfoque do Excelso Pretório.
In casu, esmiuçado o negócio particular firmado entre as Partes, vislumbro o enquadramento aos ditames da lei e do posicionamento suso apontado, porquanto presente indicação dos percentuais mensal e anual dos juros remuneratórios, devendo ser considerada, portanto, expressa a previsão de estipulação do cômputo exponencial de juros - evento 1, anexo 7, fl. 1, cláusula III, alínea "d", dos autos de origem.
Noutro giro, é sabido e consabido que a Tabela Price se constitui em um sistema francês que possui como característica intrínseca a capitalização de juros, resultando em percentual superior à taxa nominal de juros, e somente poderá ser aplicada aos contratos cuja sua natureza permita o cômputo exponencial de juros, e desde que expressamente pactuada, sob pena de afronta ao princípio da transparência nas relações de consumo, albergado pelos arts. 6º, inciso III e 52, ambos da Lei n. 8.078/90.
A despeito da existência de...
RELATOR: Desembargador JOSÉ CARLOS CARSTENS KOHLER
APELANTE: JOSE SERGIO RIBEIRO CAMARGO (AUTOR) APELADO: BANCO DAYCOVAL S.A. (RÉU)
RELATÓRIO
José Sérgio Ribeiro Camargo interpôs Apelação Cível (evento 43) contra a sentença prolatada pelo Magistrado oficiante na 1ª Vara Cível da Comarca de Lages - doutor Joarez Rusch - que, nos autos da ação revisional ajuizada pelo Recorrente em face do Banco Daycoval S.A., julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial nos seguintes termos:
Isto posto, nos autos de Ação Revisional de Contrato c/c Tutela de Urgência, em que é Autor JOSE SERGIO RIBEIRO CAMARGO, e Réu BANCO DAYCOVAL S.A., JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, para o fim de limitar os juros remuneratórios em 12,53% ao ano, condenando-se o banco réu à devolução na forma simples dos valores pagos a maior pelo autor a esse respeito.Eventuais valores pagos a maior pelo autor deverão ser atualizados com juros de 1% ao mês a contar da citação e correção monetária pelo INPC/IBGE (CGJ/SC) a contar de cada desembolso.O saldo, credor ou devedor, portanto, deverá ser apurado em fase de liquidação de sentença, observando-se o disposto no art. 509, § 2º do CPC, onde o apontado credor poderá ver-se ressarcido, apontando o valor correto, observado o disposto no REsp 1552434 e REsp 1579250 conforme fundamentação.Ante a sucumbência recíproca, CONDENO ambas as partes ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios (art. 86, caput, do CPC), estes arbitrados em R$1.500,00, nos termos do art. 85, §8º, do CPC, divididas as obrigações igulitariamente.
(evento 32, grifos no original)
Houve a oposição de Embargos de Declaração pelo Banco (evento 37), os quais foram rejeitados (evento 40).
Em suas razões recursais, o Apelante argumenta, em síntese, que: (a) "o contrato em questão, embora seja um típico contrato de adesão, não aponta de forma clara e precisa o sistema de amortização de juros, o que lesa profundamente o consumidor, por ausência de informação"; (b) "a manutenção da "amortização PRICE" no contrato entabulado entre as partes destoa de todos os preceitos princípios lógicos norteadores dos negócios jurídicos, especialmente os princípios normatizados da boa-fé objetiva (artigo 113 do Código Civil), boa-fé subjetiva (artigo 422 do Código Civil) e da própria função social do contrato (artigo 421 do Código Civil)"; (c) "não se sustenta a tese de primeiro grau, no sentido de permitir a manutenção de um método que nitidamente gera a incidência de juros sobre juros, sob o argumento de que a Medida Provisória 2.170-36/01 autoriza os Bancos a praticarem usura"; (d) "há de se falar em abusividade da cobrança da tarifa de registro de contrato devendo ser declaradas nulas de pleno direito"; (e) "a cobrança de tarifas por abertura de cadastro, avaliação do bem, registro de contrato que tinha e por seguro é '' obviamente '' abusiva, conforme já reconheceu o próprio Superior Tribunal de Justiça, dai, que nulas e sem nenhum valor"; e (f) haja a redistribuição dos ônus sucumbenciais.
Empós, com o oferecimento das contrarrazões (evento 51), o feito ascendeu a este grau de jurisdição e foi distribuído para esta relatoria por sorteio.
É o necessário escorço.
VOTO
Esclareço que a decisão recorrida se subsome ao regramento processual contido no Novo Código de Processo Civil, porquanto a publicidade do comando judicial prolatado pelo Estado-Juiz de origem se deu em 3-3-22, posterior à vigência do CPC/15.
1 Do Recurso
1.1 Da capitalização de juros e do sistema de amortização
Defende o Autor que: (a) "o contrato em questão, embora seja um típico contrato de adesão, não aponta de forma clara e precisa o sistema de amortização de juros, o que lesa profundamente o consumidor, por ausência de informação"; (b) "a manutenção da "amortização price" no contrato entabulado entre as partes destoa de todos os preceitos princípios lógicos norteadores dos negócios jurídicos, especialmente os princípios normatizados da boa-fé objetiva (artigo 113 do Código Civil), boa-fé subjetiva (artigo 422 do Código Civil) e da própria função social do contrato (artigo 421 do Código Civil)"; e (c) "não se sustenta a tese de primeiro grau, no sentido de permitir a manutenção de um método que nitidamente gera a incidência de juros sobre juros, sob o argumento de que a Medida Provisória 2.170-36/01 autoriza os Bancos a praticarem usura".
Pois bem.
Ab initio é preciso enfatizar que o caso concreto diz respeito à Cédula de Crédito Bancário, tornando indispensável trazer à baila a Lei n. 10.931/04, que, em seu inciso I do § 1º do art. 28, encarta a seguinte regra:
§ 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados:I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação.
Além da legislação específica, acerca do tema também há posicionamento proclamado pela "Corte da Cidadania", em sede de julgamento repetitivo no REsp n. 973.827/RS, de relatoria da Ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 8-5-12, com o seguinte teor:
3. Teses para os efeitos do art. 543-C do CPC:- 'É permitida a capitalização dos juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada.'- 'A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada'.
A leitura tanto da Lei n. 10.931/04 quanto do aludido julgamento repetitivo permite concluir há possibilidade de cobrança da capitalização, considerando-se estar expressamente avençada a cobrança do anatocismo quando verificado que a taxa de juros anual é superior ao duodécuplo da taxa mensal.
Vale ainda ressaltar que qualquer alegação acerca da constitucionalidade da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP n. 2.170-36/2001) cai por terra frente à adoção do posicionamento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça, não se devendo perder de vista que a controvertida constitucionalidade está sob o enfoque do Excelso Pretório.
In casu, esmiuçado o negócio particular firmado entre as Partes, vislumbro o enquadramento aos ditames da lei e do posicionamento suso apontado, porquanto presente indicação dos percentuais mensal e anual dos juros remuneratórios, devendo ser considerada, portanto, expressa a previsão de estipulação do cômputo exponencial de juros - evento 1, anexo 7, fl. 1, cláusula III, alínea "d", dos autos de origem.
Noutro giro, é sabido e consabido que a Tabela Price se constitui em um sistema francês que possui como característica intrínseca a capitalização de juros, resultando em percentual superior à taxa nominal de juros, e somente poderá ser aplicada aos contratos cuja sua natureza permita o cômputo exponencial de juros, e desde que expressamente pactuada, sob pena de afronta ao princípio da transparência nas relações de consumo, albergado pelos arts. 6º, inciso III e 52, ambos da Lei n. 8.078/90.
A despeito da existência de...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO