Acórdão Nº 5012459-17.2021.8.24.0018 do Quarta Câmara Criminal, 22-07-2021

Número do processo5012459-17.2021.8.24.0018
Data22 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão










Agravo de Execução Penal Nº 5012459-17.2021.8.24.0018/SC



RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO


AGRAVANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVANTE) AGRAVADO: GESIEL DOS SANTOS (AGRAVADO)


RELATÓRIO


Trata-se de agravo em execução penal interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC), inconformado com a decisão (Seq. 9.1 SEEU) proferida pelo Juízo da 3ª Vara Criminal da comarca da Chapecó, que, nos autos do PEP n. 0007954-73.2018.8.24.0018, deferiu o pedido formulado pela defesa técnica constituída em favor do reeducando Gesiel dos Santos e retificou o atestado de penas a cumprir, aplicando, então, o percentual de 40% (2/5) em vez de 60% (3/5) para progredir de regime em relação ao crime equiparado a hediondo a partir do advento da Lei n. 13.964/2019.
Em suma, o Parquet argumentou o seguinte: [a] "a reincidência é uma condição pessoal que afeta a totalidade da pena em cumprimento. Assim, muito embora ela seja reconhecida apenas nos crimes posteriores, deverá refletir seus efeitos sobre todos os demais"; [b] "a redação do artigo 112, inciso VII, da Lei de Execução Penal não caracteriza, por si só, a reincidência específica, já que a expressão "reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado" permite concluir, sem qualquer prejuízo, que o legislador quis fazer referência ao condenado que se tornou reincidente por ter incorrido na prática de crime hediondo ou equiparado a hediondo"; [c] "se o objetivo era enrijecer as sanções, incoerente passar a exigir a reincidência específica para aplicar a fração mais gravosa de 3/5 (60%), que já vinha sendo utilizada no caso de apenado reincidente, inclusive sob o entendimento pacificado acerca da desnecessidade da reincidência específica"; [d] "tendo em vista o caráter pessoal de reincidente do(a) agravado(a) e, sobretudo, a suficiência da reincidência genérica para se aplicar a fração mais gravosa, este órgão de execução entende que deve ser utilizada a fração de 3/5 (três quintos) para o crime equiparado a hediondo".
Concluiu requerendo o provimento do recurso, "para o fim de indeferir o pedido de aplicação da fração de 2/5 (40%) ao crime equiparado a hediondo, tendo em vista o caráter pessoal de reincidente do(a) apenado(a), mantendo-se, portanto, a previsão de aplicação de 3/5 (60%) para a obtenção da benesse" (Evento 1 - petição inicial 1).
Com as contrarrazões (Evento 8), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao disposto no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 10), os autos formados por instrumento ascenderam a este Tribunal.
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Fábio Strecker Schmitt, que se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso (Evento 11 - promoção 1)

VOTO


O agravo é próprio (artigo 197 da LEP), tempestivo (artigo 586 do CPP), encontra-se regularmente processado e presente se faz o legítimo interesse recursal, motivos por que deve ser conhecido.
Como visto, o reeducando GESIEL DOS SANTOS foi condenado, somadas as sanções, ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 9 anos, 9 meses e 21 dias de reclusão, em regime inicial fechado, por infração aos art. 33, "caput", da Lei n. 11.343/2006, art. 155, "caput e § 4º, inc. III, do Código Penal, reconhecida a reincidência geral (Evento 8 - Relatório de Situação Carcerária).
No caso, a controvérsia tratou da interpretação e dos impactos da Lei n. 13.964/2019 no processo de execução penal, notadamente no requisito objetivo para progressão de regime.
O Ministério Público (MPSC) entende que a decisão proferida pelo Juízo da Vara de Execuções Penais da comarca da Capital deve ser revista, para aplicar a fração 3/5 (60%), nos termos do inc. VII do art. 112 da Lei de Execução Penal, para o caso de progressão de regime atinente ao crime hediondo ou a ele equiparado.
Razão não lhe assiste, adiante-se.
Oportuno destacar desde logo que a posição vigente na Quarta Câmara Criminal deste Tribunal era no sentido de, mesmo com o advento da Lei n. 13.964/2019, exigia-se do sentenciado, reconhecida a reincidência seja ela específica ou geral, no caso de crime hediondo ou equiparado, o cumprimento de 60% (3/5) da pena para progredir de regime.
A título exemplificativo: Agravo de Execução Penal n. 5016373-69.2020.8.24.0036, rel. José Everaldo Silva, j. 18-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 0002344-93.2020.8.24.0038, de minha relatoria, j. 11-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 5023286-76.2020.8.24.0033, rel. Sidney Eloy Dalabrida, j. 4-2-2021; Agravo de Execução Penal n. 0001028-60.2020.8.24.0033, rel. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, j. 8-10-2020.
Porém, a compreensão desta Câmara Criminal modificou-se a partir da unificação da jurisprudência das Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, que ocorreu a partir do julgamento, em 9-12-2020, pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça do AgRg no HC 613.268/SP, de relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. VIA INADEQUADA. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME). PROGRESSÃO DE REGIME. PACIENTE CONDENADO POR TRÁFICO DE DROGAS. REINCIDÊNCIA EM CRIME COMUM (FURTO QUALIFICADO). HIPÓTESE NÃO ABARCADA PELA NOVATIO LEGIS. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. CUMPRIMENTO DE 40% DA PENA. ORIENTAÇÃO REVISTA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. CONCESSÃO DE HC DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. Firmou-se nesta Superior Corte o entendimento no sentido de ser irrelevante que a reincidência seja específica em crime hediondo para a aplicação da fração de 3/5 na progressão de regime, pois não deve haver distinção entre as condenações anteriores (se por crime comum ou por delito hediondo). Interpretação da Lei 8.072/90. Precedentes.
3. Com a entrada em vigor da Lei 13.964/19 - Pacote Anticrime-, foi revogado expressamente o art. 2º, §2º, da Lei n. 8.072/90 (art. 19 da Lei n. 13.964/19), passando a progressão de regime, na Lei de Crimes Hediondos, a ser regida pela Lei n. 7.210/84.
4. A nova redação dada ao art. 112 da Lei de Execução Penal modificou por completo a sistemática, introduzindo critérios e percentuais distintos e específicos para cada grupo, a depender especialmente da natureza do delito.
5. No caso, o paciente foi sentenciado pelo delito de tráfico de drogas, tendo sido reconhecida sua reincidência devido à condenação definitiva anterior pelo crime de furto qualificado (delito comum). Para tal hipótese, inexiste na novatio legis percentual a disciplinar a progressão de regime ora pretendida, pois os percentuais de 60% e 70% foram destinados aos reincidentes específicos (sem destaque no original).
6. Em direito penal não é permitido o uso de interpretação extensiva, para prejudicar o réu, devendo a integração da norma se operar mediante a analogia in bonam partem. Princípios aplicáveis: Legalidade das penas, Retroatividade benéfica e in dubio pro reo.
- A lei penal deve ser interpretada restritivamente quando prejudicial ao réu, e extensivamente no caso contrário (favorablia sunt amplianda, odiosa restringenda) - in NÉLSON HUNGRIA, Comentários ao Código Penal, v. I, t.I, p. 86.
Doutrina: HUMBERTO BARRIONUEVO FABRETTI e GIANPAOLO POGGIO SMANIO, Comentário ao Pacote Anticrime, Ed. Atlas, 2020; RENATO BRASILEIRO DE LIMA. Pacote Anticrime: Comentários à Lei 13.964/19, Ed.
JusPodium, 2020; PAULO QUEIROZ, A nova progressão de regime - Lei 13.964/2019, https://www.pauloqueiroz.net; ROGÉRIO SANCHES CUNHA, Pacote Anticrime: Lei n. 13.964/2019 - Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodvim, 2020; e PEDRO TENÓRIO SOARES VIEIRA TAVARES e ESTÁCIO LUIZ GAMA LIMA NETTO; NETTO LIMA, Pacote Anticrime: As modificações no sistema de justiça criminal brasileiro. e-book, 2020.
Precedentes: HC n 581.315/PR, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR e HC n. 607.190/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, ambos julgados em 06/10/2020.
7. Agravo regimental provido, concedendo habeas corpus de ofício para que se opere a transferência do paciente a regime menos rigoroso com a observância, quanto ao requisito objetivo, do cumprimento de 40% da pena privativa de liberdade a...

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