Acórdão Nº 5012485-06.2020.8.24.0000 do Terceira Câmara de Direito Público, 24-08-2021

Número do processo5012485-06.2020.8.24.0000
Data24 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualAgravo de Instrumento
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Instrumento Nº 5012485-06.2020.8.24.0000/SC

RELATOR: Desembargador JÚLIO CÉSAR KNOLL

AGRAVANTE: INDUSTRIA E COMERCIO DE LACTICINIOS FORTUNA LTDA AGRAVADO: COOPERATIVA DE ELETRIFICACAO DE BRACO DO NORTE

RELATÓRIO

Indústria e Comércio de Lacticínios Rio Fortuna Ltda, devidamente qualificada, interpôs agravo de instrumento em face de decisão interlocutória que, nos autos da Ação de Obrigação de Não Fazer, ajuizada em desfavor da Cooperativa de Eletrificação de Braço do Norte, indeferiu a tutela de urgência almejada.

Narrou, em síntese, que atua no ramo do setor alimentício, mais especificamente na produção de derivados de leite, como queijos, cremes e manteigas.

Afirmou que a atividade enquadra-se como serviço essencial, em virtude da pandemia ocasionada pela Covid-19, que ocasionou, ainda, severa crise financeira, especialmente no setor produtivo.

Desta forma, asseverou que necessita do fornecimento ininterrupto de energia elétrica para dar continuidade à sua produção, todavia, haja vista o atraso no pagamento das faturas, até mesmo por estar atravessando dificuldades financeiras, encontra-se na iminência de ter os serviços suspensos, em afronta ao disposto na Lei Estadual n. 17.933/20.

Pugnou, assim, pela concessão da tutela de urgência, a fim de determinar que a agravada abstenha-se de efetuar o corte da energia elétrica, sob pena de multa.

Intimada, a recorrida apresentou contrarrazões.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Dr. Paulo Cezar Ramos de Oliveira, opinando "pelo não conhecimento do agravo de instrumento em exame, extinguindo-se o procedimento recursal diante da perda superveniente do seu objeto."

Vieram conclusos em 09/07/2021.

Este é o sucinto relatório.

VOTO

Porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do inconformismo.

Inicialmente, oportuno destacar, no que diz respeito à perda superveniente do interesse recursal, aventado pelo Procurador de Justiça em seu parecer, tal controvérsia não foi enfrentada na origem, nem tampouco nesse recurso, de forma que sua análise poderia incorrer em supressão de instância, prática vedada pelo nosso ordenamento jurídico.

Com efeito, cediço, ainda, que em sede de agravo de instrumento analisa-se tão somente o acerto ou desacerto da decisão objurgada.

Ademais, apenas como reforço argumentativo, imperativo salientar que a legislação não apenas determinou a proibição da suspensão do fornecimento de energia elétrica, como também postergou a cobrança dos débitos tarifários, sem imposição de encargos financeiros, de modo que o provimento dos pedidos iniciais poderia acarretar efeitos pretéritos.

No mérito propriamente dito, cuida-se de agravo de instrumento, interposto por Indústria e Comércio de Lacticínios Rio Fortuna Ltda, em face de decisão interlocutória que, nos autos da Ação de Obrigação de Não Fazer, ajuizada em desfavor da Cooperativa de Eletrificação de Braço do Norte, indeferiu a tutela de urgência consistente na determinação de que a concessionária seja proibida de efetuar o corte de energia.

Adianto que a insurgência não comporta provimento.

A Lei Estadual n. 17.933/2020, que embasou o pedido autoral, previa a proibição do "corte dos serviços de energia elétrica, água, esgoto e gás, até 31 de dezembro de 2020, no âmbito do Estado de Santa Catarina" (Art. 1º).

Esta Corte de Justiça, todavia, através do Órgão Especial, declarou a inconstitucionalidade material da mencionada legislação, uma vez que a Constituição Federal atribuiu à União a competência para legislar sobre energia elétrica, concessão da prestação do serviço e, ainda, a política tarifária atinente.

Colhe-se da ementa do julgado:

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. LEI ESTADUAL N. 17.933/2020. PLEITO PARA QUE A AUTORIDADE COATORA DE ABSTENHA DE PRATICAR ATO QUE IMPONHA OBSTÁCULO À COBRANÇA REGULAR DAS FATURAS DE ÁGUA E ESGOTO E A REALIZAÇÃO DE SUSPENSÃO DE FORNECIMENTO DOS SERVIÇOS EM RAZÃO DO NÃO PAGAMENTO DAS RESPECTIVAS FATURAS. PANDEMIA DE COVID-19. PRECEDENTES. PRELIMINARES. IMPOSSIBILIDADE DE IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA LEI EM TESE. NÃO OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. LEI DE EFEITOS CONCRETOS, DIRETOS E IMEDIATOS. ILEGITIMIDADE DO GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA. AUTORIDADE COATORA, QUE SANCIONOU O DIPLOMA LEGAL EM EXAME, CONCRETIZANDO A POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO DIREITO LÍQUIDO E CERTO INVOCADO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PRESENTES NO ART. 114 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. MÉRITO. RECONHECIMENTO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 17.933/2020. DISPÕE SOBRE MATÉRIA QUE LHE É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE ENERGIA ELÉTRICA E CONCESSÃO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, NOS TERMOS DE SEUS ARTIGOS 21, 22 E 175. DEFINIÇÃO E CONTROLE DE PREÇOS E TARIFAS QUE COMPETE À ANEEL. CONCESSÃO DA SEGURANÇA PARA OBSTAR A APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA LEI INCONSTITUCIONAL À IMPETRANTE. É INCONSTITUCIONAL A LEI ESTADUAL N. 17.933/2020, E, PORTANTO, SEUS DESTINATÁRIOS NÃO ESTÃO SUJEITOS AOS SEUS EFEITOS CONCRETOS, DIRETOS E IMEDIATOS, POR VIOLAÇÃO AOS ARTS. 21, XII, "B", 22, IV, E 175, PARÁGRAFO ÚNICO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, E AOS ARTS. 8º E 137, § 2º, II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, QUE PROÍBE A SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA POR FALTA DE PAGAMENTO E POSTERGA O PRAZO PARA PAGAMENTO DAS TARIFAS DE ENERGIA ELÉTRICA, ÁGUA, ESGOTO E GÁS DE MARÇO E ABRIL DE 2020, OBRIGANDO AS EMPRESAS DO SETOR A PARCELAR OS DÉBITOS SEM JUROS E MULTA, TENDO EM VISTA SUA INDEVIDA INTERFERÊNCIA NA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA NORMATIZAR SOBRE ENERGIA ELÉTRICA, CONTRATOS DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS, POLÍTICA TARIFÁRIA E EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DOS RESPECTIVOS CONTRATOS, NÃO SE TRATANDO SIMPLESMENTE DE LEI REGULAMENTADORA DE DIREITO DE CONSUMIDOR (TJSC, DES. JAIME RAMOS). (TJSC, Mandado de Segurança Cível (Órgão Especial) n. 5019097-57.2020.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Pedro Manoel Abreu, Órgão Especial, j. 07-04-2021).

Do corpo do voto, extrai-se:

Portanto, a Lei n. 17.933, de 24/4/2020, do Estado de Santa Catarina, ao proibir o corte dos serviços de energia elétrica, dispôs sobre matéria que lhe é vedada pela Constituição Federal, haja vista que compete à União, e não ao Estado-membro, legislar sobre energia elétrica e a concessão da prestação do respectivo serviço, a política tarifária e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão (arts. 21, inciso XII, alínea "b"; 22, inciso IV; e 175, da CF), daí por que a lei estadual impugnada malferiu o art. 8º, da Constituição Estadual, segundo o qual "ao Estado cabe exercer, em seu território, todas as competências que não lhe sejam vedadas pela Constituição Federal".

Não se pode olvidar, ainda, que "o Direito do Consumidor, mercê de abarcar a competência concorrente dos Estados-Membros (artigo 24, V e VIII, da Constituição Federal), não pode conduzir à frustração da teleologia das normas que estabelecem as competências legislativa e administrativa privativas da União" (STF - ADI n. 5.610/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 20/11/2019).

Por isso, ao contrário do que sustenta o Governador do Estado de Santa Catarina, não subsiste o "suposto respaldo para o diploma impugnado na competência concorrente dos Estados-membros para dispor sobre direito do consumidor (CF, art. 24, V e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT