Acórdão Nº 5012715-33.2020.8.24.0005 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 26-10-2021

Número do processo5012715-33.2020.8.24.0005
Data26 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5012715-33.2020.8.24.0005/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: LOIVA REGINA LOHMANN (AUTOR) ADVOGADO: ALVARO LUCIANO DA CUNHA (OAB SC021744) ADVOGADO: ACYR JOSÉ DA CUNHA NETO (OAB SC011273) ADVOGADO: ACYR JOSÉ DA CUNHA NETO APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU) ADVOGADO: Gabriela Vitiello Wink (OAB RS054018)

RELATÓRIO

Loiva Regina Lohmann interpôs recurso de apelação cível em face da sentença que, proferida pelo juízo da Vara Regional de Direito Bancário da Comarca de Balneário Camboriú, julgou extinta a demanda, com fulcro no art. 487, II, do CPC.

Cuida-se, na origem, de "ação declaratória de nulidade de negócio jurídico com pedido de tutela de urgência e pedido indenização danos materiais e morais" aforada por Loiva Regina Lohmann contra Banco BMG S/A, na qual pede o reconhecimento da inexistência de contratação de empréstimo consignado na modalidade de cartão de crédito - ou, alternativamente, a conversão do crédito contratado em operação de empréstimo pessoal consignado -, bem como a condenação da instituição financeira ao ressarcimento dos valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário e a condenação ao pagamento de danos morais (evento 1/1G).

Ao receber a inicial (evento 5/1G), o juiz da causa concedeu a gratuidade da justiça à autora e indeferiu o pedido de tutela provisória de urgência.

Citado, o réu apresentou contestação (evento 12/1G, contestação 1), argumentando, em síntese: (a) a regularidade da contratação realizada entre as partes, na medida em que a autora tinha total ciência da natureza e forma de cobrança da operação pactuada, que se encontrava descrita de forma clara e expressa no contrato; (b) a parte autora não tinha a intenção de contratar empréstimo pessoal consignado no lugar do saque via cartão de crédito, sendo esta modalidade de crédito, que não constitui venda casada, a única operação viável para a concessão do valor perseguido, pois não possuía margem consignável; (c) a operação de saque via cartão de crédito com margem consignável e o empréstimo pessoal consignado tratam-se de operações distintas, sendo incabível a conversão da operação em crédito pessoal consignado; (d) a autora efetuou quatro saques complementares; (e) ausente o ato ilícito ensejador de dano moral indenizável; (f) a parte autora deve devolver ao banco os valores a ela disponibilizados. Ao final, juntou o contrato firmado com o autor, comprovante de disponibilização do valor sacado do cartão de crédito, bem como as faturas emitidas em relação ao referido cartão.

Réplica (evento 16/1G).

Sobreveio sentença de mérito, prolatada em 19-4-2021, que julgou extinta a demanda, o que se deu nos seguintes termos (evento 18/1G):

Ante o exposto, com fulcro no artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil, reconheço a decadência do direito do autor de anular o negócio jurídico e, em consequência, JULGO EXTINTO o presente feito movido por LOIVA REGINA LOHMANN em desfavor de BANCO BMG SA, razão pela qual condeno a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios à razão de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa forte no artigo 85, § 2º, do Código de Processo Civil, cuja exigibilidade fica sobrestada em virtude da concessão da gratuidade judiciária (art. 98, § 3º, do Código de Processo Civil).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitada em julgado, certifique-se e, uma vez recolhidas eventuais pendências, ou tomadas as providências neste sentido (GECOF), arquivem-se com baixa nos registros.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação (evento 22/1G), arguindo, preliminarmente, que não houve decadência do direito, bem como que o CDC garante ao consumidor o prazo de cinco anos para a reparação de danos causados pelo fornecedor. No mérito, argumentou, em resumo, que nunca pretendeu a contratação de cartão de crédito consignado, tendo sido ludibriada pela instituição bancária, motivo pelo qual a ação deve ser julgada procedente.

Contrarrazões (evento 26/1G).

Os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça e foram distribuídos por sorteio a este relator.

Este é o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Inicialmente, registra-se que se trata de recurso de apelação interposto contra sentença prolatada sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, motivo pelo qual é este diploma processual que disciplina o cabimento, o processamento e a análise do presente recurso, haja vista o princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais).

Feitas estas digressões, conheço do recurso de apelação porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

2. Fundamentação

Examinados os autos, denota-se que o magistrado de primeiro grau, ao prolatar a sentença terminativa, ex officio, reconheceu a decadência, julgando extinta a demanda nos termos do art. 487, II, do CPC, sem previamente dar oportunidade às partes para se pronunciarem acerca da matéria decidida.

Com efeito, cumpre observar que o moderno modelo processual civil brasileiro, para o qual o processo constitui instrumento para efetiva realização do direito material, ao juiz, como sujeito e partícipe do processo, incumbe, em obediência ao princípio fundamental da cooperação (art. 6º), no qual estão implícitos os deveres de consulta e de esclarecimento (art. 10), antes de decidir qualquer questão controvertida, ainda que de ordem pública, como a inépcia da inicial, consultar previamente as partes para manifestação específica sobre a matéria que pretende decidir.

O descumprimento de tal princípio processual importa em ofensa a outro postulado fundamental do direito constitucional e, portanto, de hierarquia máxima, consubstanciado no devido processo legal (gênero), que compreende, como espécies, as garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF). Vale dizer, pelo contraditório assegura-se ao autor a possibilidade de exercício do direito de ação em juízo, alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, para o réu, o direito de ser informado sobre a existência e teor do processo, para poder opor reação, fazendo-se ouvir, defender-se e produzir provas (ampla defesa).

Nesta esteira, no capítulo em que assenta as normas fundamentais do processo civil, o vigente Código de Processo Civil (Lei n. 13.105, de 16-3-2015) preceitua que "todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva" (art. 6º) e, pouco adiante, estabelece que "o juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício" (art. 10), regra que alicerça o princípio da vedação às decisões-surpresa.

Em reforço, o art. 9º do CPC também deixa expresso que:

Art. 9º. Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:I - à tutela provisória de urgência;II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;III - à decisão prevista no art. 701.

Como se vê, o legislador foi enfático e reiterativo ao expressar em...

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