Acórdão Nº 5012727-79.2019.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 24-06-2021

Número do processo5012727-79.2019.8.24.0038
Data24 Junho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 5012727-79.2019.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador GUILHERME NUNES BORN


APELANTE: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU) APELADO: FELIPE LUCIO MENDES (AUTOR)


RELATÓRIO


1.1) Da inicial.
Felipe Lucio Mendes ajuizou ação revisional de contrato bancário em face de Aymore Credito, Financiamento e Investimento S.A. alegando, em síntese, que firmou um mútuo bancário a ser pago em 48 prestações mensais consecugtivas, cada qual de R$ 1.002,13, tendo como garantia fiduciária o veículo de placas MLA-0366.
Aduziu a ocorrência de onerosidade excessiva da obrigação, pois as cobranças ilegais e abusivas tornaram as prestações incertas e ilíquidas, e portanto, inexigíveis.
Diante desses fatos, requereu a concessão de antecipação de tutela, para consignar em juízo os valores incontroversos; determinar que o requerido se abstenha de inscrever o seu nome junto aos órgãos cadastrais de restrição de crédito; e mantê-lo na posse do bem.
Quanto ao mérito, pugnou pela: I) limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano, ou, alternativamente, à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN à época da contratação; II) vedar a capitalização dos juros; III) afastar as tarifas administrativas - TAC, TEC, de avaliação, de registro e de cadastro; IV) impedir a cobrança de comissão de permanência e o uso da TAbela Price; (V) afastar o IOF excedente; (VI) determinar a repetição de indébito dos valores pagos indevidamente.
Ao final, pugnou pela condenação do requerido ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios e a concessão da Justiça Gratuita.
1.2) Da contestação.
Devidamente citado, o requerido apresentou resposta, na forma de contestação (evento 7) alegando, preliminarmente, a inépcia da inicial e a ilegitimidade para debater o IOF. No mérito, defendeu a licitude do contrato, a legalidade dos juros e das demais taxas pactuados. Pugnou pela improcedência dos pedidos iniciais, com a condenação do autor nas verbas sucumbenciais e impugnou o pedido de justiça gratuita.
1.3) Do encadernamento processual.
Deferidos os pedidos de Justiça Gratuita e de tutela de urgência antecipada (evento 4).
Impugnação à contestação (evento 21).
1.4) Da sentença.
Prestando a tutela jurisdicional, o Dr. Maurício Cavallazzi Povoas prolatou sentença resolutiva de mérito para julgar parcialmente procedente a pretensão inicial deduzida, nos seguintes termos:
III - Posto isso, julgo procedente em parte o pedido formulado por FELIPE LUCIO MENDES contra AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. para revisar o contrato encartado no evento 1, contrato 6, e evento 7, contrato 3 da seguinte forma:
1. No período da normalidade:
a) reduzir os juros pactuados para 23,925% ao ano e 1,815% ao mês, o que corresponde à média das taxas tabeladas pelo Bacen para a época da contratação + 10%;
b) afastar a incidência da capitalização diária na cédula de crédito bancário em discussão, declarando como legal a cobrança da taxa de juros capitalizados em periodicidade mensal, uma vez que subsidiariamente pactuada;
c) afastar a utilização da Tabela Price, adotando-se a regra de imputação estabelecida pelo art. 354 do Código Civil, porque admitida a cobrança de juros capitalizados mensalmente;
2. No período da mora: afastar a tese relativa à comissão de permanência, uma vez que não foi prevista contratualmente e porque não restou comprovada a cobrança deste encargo pela instituição financeira;
3. Demais pedidos:
a) admitir a cobrança das tarifas de cadastro e de registro do contrato;
b) afastar a cobrança da tarifa de avaliação do bem;
c) acolher o pedido de repetição do indébito, determinando seja restituído, deduzido ou compensado do valor do débito, de forma simples, as quantias eventualmente pagas a maior por conta da cobrança dos encargos ora expurgados, acaso apurada a existência de crédito em favor da parte autora, nos termos dos arts. 368, 876 e 940 do Código Civil de 2002, além do art. 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/90;
4. Em virtude da sucumbência recíproca, as despesas processuais deverão ser suportadas na proporção de 70% pela parte ré e 30% pela parte autora, arbitrando-se os honorários em 30% do proveito econômico obtido com a presente demanda, cabendo 70% desse valor ao procurador da parte autora e 30% ao procurador da parte ré. Anoto que os honorários foram arbitrados nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, levando-se em conta a sucumbência recíproca e a simplicidade da causa, que foi julgada antecipadamente com base em fundamentos pacificados na jurisprudência. Ainda, não há que se falar em descumprimento do limite máximo previsto em tal dispositivo, pois os honorários estão sendo repartidos.
5. Tendo em vista o item III-1 do despacho constante do evento 4, onde foi deferido o benefício da justiça gratuita à parte autora, suspendo a exigibilidade das verbas de sucumbência por cinco anos contados do trânsito em julgado, caso a parte credora demonstre que deixou de existir a situação de hipossuficiência, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações (art. 98, § 3º, do CPC).
1.5) Do recurso.
Inconformado com a prestação jurisdicional, a parte apelante interpôs o presente recurso de Apelação Cível (evento 31), defendendo a legalidade dos juros remuenratórios, da capitalização diária e do uso da Tabela Price. Ainda, falou que a mora encontra-se caracterizada e requereu a reforma do julgado.
1.6) Das contrarrazões
Ausente.
Este é o relatório

VOTO


2.1) Do objeto recursal.
Compulsando os anseios recursais, observa-se que o cerne da celeuma em comento está atrelado a legalidade das cláusulas firmadas entre as partes.
2.2) Do juízo de admissibilidade.
Conheço de parte do recurso porque presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, eis que ofertado a tempo e modo, recolhido o devido preparo e evidenciado o objeto e a legitimação.
2.2.1) Do princípio da dialeticidade
A incidência da Tabela Price no presente caso foi afastada em razão da parte apelante em nenhum momento ter comprovado sua incidência e/ou pactuação.
Vejamos:
[...] Portanto, diante da ausência de previsão contratual expressa, afasto a aplicação da Tabela Price. (evento 24).
Em contrapartida, a parte sustenta em seu recurso que "A sentença afastou o uso da tabela price, alegando ser a mesma abusiva, contudo, esse não é o caso dos autos."(evento 31, fl. 23).
Ora, em momento algum se falou em abusividade do encargo no ato compositivo da lide, ficando claro sua exclusão se deu em razão da ausência de pactuação.
Logo, fica claro que a tese recursal encontra-se diversa da realidade processual, carecendo de impugnação específica sobre o assunto.
Portanto, não emrece ser conhecido esta parte do recurso, haja vista que encargo inexistente não pode ser exigibdo.
2.3) Do mérito
2.3.1) Juros Remuneratórios
Sustenta a parte apelante que a parte apelada, quando da vigência do contrato, praticou a cobrança de juros remuneratórios em patamar superior ao limite de 12% ao ano, ferindo disposição constitucional e se enquadrando na Lei de Usura.
Para facilitar o raciocínio a seguir estampado, convém registrar que é de conhecimento de todos os operadores jurídicos que o art. 192, § 3º da Constituição Federal, que outrora estabeleceu a limitação dos juros em 12% ao ano, restou revogado pela Emenda Constitucional n. 40 de 29/05/2003, ao argumento de que sua aplicabilidade estava condicionada à edição de legislação infraconstitucional.
É o que dispõe a Súmula 648 do STF e a Súmula Vinculante n. 07:
A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.
Neste condão, tendo em vista a ausência de legislação específica a disciplinar a aplicabilidade dos juros remuneratórios no patamar de 12% ao ano, inconcebível sua incidência no caso em comento.
Em verdade, a limitação dos juros remuneratórios, frente a omissão constitucional e legislativa está pautada na existência ou não de índices que reflitam abusividade capaz de macular/afrontar o equilíbrio contratual e gerar uma onerosidade excessiva ao consumidor e consequentemente um enriquecimento do banco.
Por fim, convém contemplar na presente decisão a inaplicabilidade dos termos legais constantes do Decreto 22.626/33 frente as instituições financeiras. Inteligência encartada na Súmula n. 596 do Superior Tribunal Federal, in verbis:
As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.
Nesse...

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