Acórdão Nº 5012806-10.2022.8.24.0020 do Quarta Câmara Criminal, 17-11-2022

Número do processo5012806-10.2022.8.24.0020
Data17 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualAgravo de Execução Penal
Tipo de documentoAcórdão
Agravo de Execução Penal Nº 5012806-10.2022.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

AGRAVANTE: FERNANDA GOULART (AGRAVANTE) AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AGRAVADO)

RELATÓRIO

Trata-se de agravo em execução penal interposto pela apenada Fernanda Goulart, inconformada com a decisão (seq. 276 SEEU) proferida pelo Juízo da Vara de Execuções Penais da comarca de Criciúma, que, nos autos do PEP n. 8003331-13.2021.8.24.0020, indeferiu o afastamento do caráter hediondo (por equiparação) referente à condenação pelo crime de tráfico de drogas após a vigência da Lei n. 13.964/2019 para o fim de progressão de regime.

Em síntese, a agravante, representada por defensores constituídos, alegou que "inexiste parâmetro próprio para a progressão de regime em relação ao tráfico de drogas. Subsiste tão somente a vedação da anistia, graça, indulto e fiança, isto em decorrência de previsão constitucional (art. 5º, XLIII) e do artigo 44 da Lei 11.343/06. Diferente do entendimento do juízo a quo, as mencionadas normatividades, como a constitucional, equiparam o tráfico aos delitos hediondos para fins específicos (anistia, graça, indulto), assim como a antiga lei o fazia para o caso da progressão de regime. E houve alteração a ser citada, isto porque o artigo 2º da Lei 8.072 previa expressamente o requisito diferenciado aos crimes hediondos e ao tráfico ilícito de entorpecentes. Já o artigo 112 da LEP, menciona crimes hediondos e equiparados".

Concluiu requerendo o provimento do recurso, "para promover a adequação do requisito objetivo para progressão de regime da agravante Fernanda Goulart" (Evento 1 - petição inicial 1).

Com as contrarrazões (Evento 9), e mantida a decisão impugnada por seus fundamentos em atenção ao preconizado no art. 589 do Código de Processo Penal (Evento 11), os autos formados por instrumento ascenderam a esta Corte.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Gercino Gerson Gomes Neto, que se manifestou pelo conhecimento e não provimento do recurso (Evento 10 - promoção 1).

VOTO

O agravo é próprio (art. 197 da LEP), tempestivo (art. 586 do CPP), encontra-se regularmente processado e presente se faz o legítimo interesse recursal, motivos pelos quais deve ser conhecido.

Como visto, a apenada FERNANDA GOULART, ora agravante, cumpre pena privativa de liberdade de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 33, "caput", da Lei 11.343/2006, e pretende seja afastada a natureza hedionda do crime de tráfico de drogas, ao argumento de que, com a vigência da Lei n. 13.964/2019, referido dispositivo não foi incluído no rol de crimes hediondos. E, assim, requer a alteração da fração necessária para a progressão de regime, como se crime comum fosse.

Razão não lhe assiste, adiante-se.

De início, cumpre salientar que recentemente diversos agravos têm surgido com a tese defendida pelo agravante. Essa tese jurídica está baseada em artigo publicado no site https://canalcienciascriminais.com.br/o-afastamento-da-hediondez-do-crime-de-trafico-ilicito-de-entorpecentes/, de autoria de Carlo Velho Masi, em 9-11-2021, além de outros textos doutrinários.

Embora se reconheça a validade da abordagem teórica e a discussão no campo doutrinário, é certo que a Lei n. 13.964/2019 não retirou o caráter de equiparado a hediondo do crime de tráfico de drogas, pelo qual o agravante resgata sua pena, nem mesmo para o fim de progressão de regime penitenciário.

Apenas no caso do tráfico de drogas no qual incide a causa de diminuição de pena, por se tratar de agente primário, de bons antecedentes, que não se dedica a atividades criminosas e não integra organização criminosa (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06), é que se tem afastado a equiparação a hediondo, conforme já decidido pelo STF (HC 118.533/MS, j, 23-6-2016) e pelo STJ (AgRg no HC 455.227/SP, 13-11-2018).

Aliás, a tese jurídica ora posta em discussão já foi recentemente enfrentada - e rejeitada - por esta Corte, 09-11-2021, no julgamento do Agravo de Execução Penal n. 5004564-41.2021.8.24.0006, cujo relator foi o eminente Desembargador Sérgio Rizelo.

Eis a ementa do acórdão, que é autoexplicativa e aplica-se ao caso concreto:

RECURSO DE AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL. DECISÃO QUE INDEFERE RETIFICAÇÃO DO REQUISITO OBJETIVO DA PROGRESSÃO DE REGIME. RECURSO DO APENADO. TRÁFICO DE DROGAS (LEI 11.343/06, ART. 33, CAPUT). HEDIONDEZ EQUIPARADA (CF, ART. 5º, XLIII; LEI 8.072/90, ART. 2º, CAPUT). PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO OBJETIVO. PRIMARIEDADE. 40% DA PENA (LEP, ART. 112, CAPUT, V). O crime de tráfico de drogas é, por força de previsão constitucional e legal, equiparado a hediondo, e o requisito objetivo para a progressão de regime referente a delito dessa natureza, quando se tratar de condenado primário ou não reincidente específico em crimes hediondos ou equiparados sem resultado morte, é de 40% da pena, nos termos do art. 112, caput, V, da Lei de Execução Penal. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Do corpo do acórdão se extrai a seguinte fundamentação, que se adota, inclusive, como razão de decidir:

A afirmação de que a Lei 13.964/19 afastou a hediondez equiparada do crime de tráfico de drogas e que, assim, a progressão para este delito seria na mesma porcentagem dos crimes comuns é evidentemente equivocada.Aliás, se assim tivesse ocorrido, seria o caso de arguir ao Órgão Especial deste Tribunal a inconstitucionalidade da norma, uma vez que o crime de tráfico de drogas é equiparado aos hediondos por força do disposto no art. 5º, XLIII, da Constituição da República: "a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".A Lei 8.072/90 estabelece, em seu intocado art. 2º, caput, que "Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de" "anistia, graça e indulto" (inciso I) e "fiança" (inciso II).O crime de tráfico de drogas é, inegavelmente, equiparado a hediondo.Guilherme de Souza Nucci ensina:Figuras equiparadas aos delitos hediondos: a tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e o terrorismo somente não são considerados hediondos - embora sejam igualmente graves e repugnantes - porque o constituinte, ao elaborar o art. 5.º, XLIII, CF, optou por mencioná-los expressamente como delitos insuscetíveis de fiança, graça e anistia, abrindo ao legislador ordinário a possibilidade de fixar uma lista de crimes hediondos, que teriam o mesmo tratamento. Assim, essas três modalidades de infrações penais são, na essência, tão ou mais hediondas que os crimes descritos no rol do art. 1.º da Lei 8.072/90 (Leis penais e processuais penais comentadas. v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 534).Em 23.1.20, entrou em vigor a Lei 13.964/19, que expressamente revogou o art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90 (art. 19) e fixou novos percentuais para a progressão de regime na Lei de Execução Penal, a qual passou a centralizar a matéria. A exigência de maiores percentuais para a progressão quando a condenação decorrer da prática de crime hediondo ou equiparado, no entanto, persiste, e o art. 112, caput, I e V, da Lei de Execução Penal traz exatamente a situação do Agravante: "16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça" mais "40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime...

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