Acórdão Nº 5012815-05.2020.8.24.0064 do Primeira Câmara de Direito Civil, 06-10-2022

Número do processo5012815-05.2020.8.24.0064
Data06 Outubro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5012815-05.2020.8.24.0064/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: DAMASIO DISTRIBUIDORA EIRELI (AUTOR) ADVOGADO: LUCIANO RODRIGO POLLI MARTINS JUNIOR (OAB SC056298) ADVOGADO: GABRIEL PAULO THIESEN (OAB SC039589) ADVOGADO: VALDINEI DUARTE SEVERINO (OAB SC021190) ADVOGADO: FABIANA MARCANTE (OAB SC033902) ADVOGADO: Paulo Sergio Schveitzer (OAB SC021184) APELANTE: TELEFONICA BRASIL S.A. (RÉU) ADVOGADO: EVERALDO LUÍS RESTANHO (OAB SC009195) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na Comarca de São José, houve sentença de procedência da ação declaratória de inexistência de débito com indenizatória por danos morais, decorrentes de inscrição indevida, ajuizada por Damásio Distribuidora Eireli em face de Telefônica Brasil S.A., contra o que se insurgem ambas as partes (EVENTOS 50 e 57), argumentando as matérias a seguir expostas na fundamentação do voto.

Contrarrazões nos EVENTOS 64 e 66, pugnando pelo desprovimento do recurso da parte adversa.

VOTO

No que se refere ao juízo de admissibilidade, tem-se que preenchidos os pressupostos intrínsecos, pois os recursos são cabíveis e as partes tem legitimidade e interesse recursal, inexistindo fatos impeditivos ou extintivos do poder de recorrer.

De igual forma, atinente aos pressupostos extrínsecos, verifica-se que os reclamos são tempestivos, estão munidos de preparo e apresentam a regularidade formal, motivo por que segue a análise das insurgências.

1. Do recurso da ré

De início, defende a demandada a inexistência de ilícito quando da cobrança de multa rescisória. Todavia, adianta-se, a sentença desmerece retoques, leia-se (EVENTO 42):

I. RELATÓRIO

DAMASIO DISTRIBUIDORA EIRELI, devidamente qualificada nos autos, ingressou perante este Juízo com a presente AÇÃO DECLARATÓRIA E CONDENATÓRIA contra TELEFÔNICA BRASIL S.A. igualmente qualificada, pelos fatos e fundamentos descritos na petição inicial.

Alegou que, em 20-6-2017, fez a portabilidade de duas linhas telefônicas de sua titularidade para a empresa requerida, adquirindo, na oportunidade, outras seis linhas, mediante a celebração de contrato de pacote empresarial. Em 21-11-2019, contudo, a requerente optou por portar todas as linhas para empresa de telefonia distinta, sendo surpreendida pela cobrança de multa por quebra de fidelidade, no valor de R$2.616,00 (dois mil seiscentos e dezesseis reais), embora tenha permanecido como cliente da requerida pelo período de 29 (vinte e nove) meses, tempo superior à fidelização prevista na Resolução n. 632/2014 da ANATEL. Aduziu que, em que pese tenha o direito de rescindir o contrato após decorridos 12 (doze) meses por força daquela resolução, ainda permaneceu como cliente da requerida por prazo superior a 24 (vinte e quatro) meses, razão pela qual a multa é manifestamente indevida. Sustentou que, em razão do não pagamento da multa, foi inscrita em cadastros de proteção ao crédito, o que implicou em negativa de crédito solicitado ao PRONAMPE, necessário à manutenção de seu negócio durante a pandemia da Covid-19. Assim, a fim de minimizar os danos da negativação, efetuou o pagamento da multa e agora pretende o seu ressarcimento pela ré, além da condenação desta ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos.

Concluiu requerendo: a) o reconhecimento da inexistência de débito referente à multa de fidelidade ou, subsidiariamente, a redução do seu valor, a fim de que corresponda ao beneficio concedido; b) a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais; c) a devolução em dobro do valor de R$ 2.626,00, indevidamente pago à ré; d) a condenação da requerida nos ônus da sucumbência; e) a citação da ré para apresentar resposta e a inversão do ônus da prova. Valorou a causa e juntou documentos (evento 1).

Recebida a inicial (evento 11), foi determinada a citação da parte ré.

No evento 15, a autora emendou a exordial para a juntada de nova fatura paga à ré, no valor de R$ 304,47 (trezentos e quatro reais e quarenta e sete centavos), referente à cobrança de encargos em razão do pagamento com atraso da multa que entende indevida, cuja devolução em dobro também pretende por meio desta actio.

Citada (evento 25), a requerida apresentou contestação (evento 27) na qual suscitou, preliminarmente, a impossibilidade da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da inversão do ônus da prova, uma vez que a autora é pessoa jurídica que usa os serviços de telefonia em sua cadeia produtiva. No mérito, alegou, em suma, que houve alteração contratual em 25-6-2018, de modo que, solicitada a rescisão antecipada do contrato, é devida a multa aplicada, já que as partes pactuaram o prazo de fidelização de 24 (vinte e quatro) meses em troca de benefícios para a autora. Sustentou, no mais, que é indevida a indenização por danos morais postulada, visto que não houve ofensa à honra objetiva da autora. Por outro lado, não sendo este o entendimento, defendeu a necessidade de que o quantum indenizatório seja fixado com observância ao princípio da razoabilidade. Pugnou, ao final, pela improcedência dos pedidos e pela condenação da autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Juntou documentos.

Houve réplica (evento 31), na qual foram rechaçados os argumentos da contestação.

Intimadas para especificação de provas (evento 32), ambas as partes requereram o julgamento antecipado da lide (eventos 37 e 38).

Vieram os autos conclusos.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

II. FUNDAMENTOS

II. I. Julgamento antecipado da lide

Julgo antecipadamente o mérito, visto que não há necessidade de produção de outras provas e as partes assim requereram, incidindo na hipótese o disposto no art. 355, I, do Código de Processo Civil.

II. II. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor

Antes de adentrar na análise dos fatos, cumpre destacar que a autora e a ré caracterizam-se, respectivamente, como consumidora e fornecedora de serviços, consoante dispõem os arts. e do CDC, in verbis:

"Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

"Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".

Com efeito, depreende-se dos aludidos dispositivos que a pessoa jurídica pode se enquadrar no conceito de consumidora desde que seja verificada a sua hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica, bem como a sua condição de destinatária final, ou seja, daquela que utiliza o produto/serviço para atender à necessidade própria, sem incorporá-lo à cadeia produtiva, mediante atividades de transformação/incorporação/repasse a outrem, nos termos da teoria finalista.

Nesse sentido, já se manifestou o Sodalício Catarinense:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. [...] APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. COMPRA DE CAMINHÃO REALIZADA POR PESSOA JURÍDICA. CONDIÇÃO DE DESTINATÁRIA FINAL FÁTICA DO PRODUTO. INCIDÊNCIA DA TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA E FINANCEIRA EVIDENCIADAS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA CORRETAMENTE APLICADA. Enquadra-se na condição de consumidora, nos termos do art. 2º da Lei 8.078/90, a pessoa jurídica que adquire produto como destinatária final, não visando a sua transformação ou revenda, mas sim a utilização própria como forma de alcançar a consecução das suas finalidades sociais. [...]" (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2015.052632-8, de Gaspar, rel. Des. Jorge Luis Costa Beber, j. 07-04-2016).

Destarte, a matéria sub judice deve ser analisada sob a ótica do sistema de proteção e defesa do consumidor, tendo em vista que a autora, na qualidade de empresa individual de responsabilidade limitada, cujo objeto é o comércio de bebidas (contrato social 3, evento 1), pode ser considerada tecnicamente hipossuficiente em relação aos serviços de telefonia prestados pela requerida, sendo certo, outrossim, que a utilização das linhas contratadas seria destinada ao atendimento de necessidade própria.

Quanto ao pedido de inversão judicial do ônus probatório, saliento que o momento oportuno para sua análise é, em regra, a decisão de saneamento e organização do processo prevista no artigo 357, inciso III, do CPC/2015 -- quando serão resolvidas as questões processuais pendentes, se houver; delimitadas as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos; definida a distribuição do ônus da prova; delimitadas as questões de direito relevantes para a decisão do mérito; e designada, se necessário, audiência de instrução e julgamento --, pois seu deferimento no momento da prolação da sentença fere o contraditório, já que o fornecedor não terá mais oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído, situação vedada pelo artigo 373, §1º, do CPC/2015.

Ensina a doutrina:

"O fornecedor, como réu, precisa saber que está...

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