Acórdão Nº 5013233-47.2021.8.24.0018 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 02-06-2022

Número do processo5013233-47.2021.8.24.0018
Data02 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 5013233-47.2021.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A. (RÉU) ADVOGADO: RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA (OAB SC047610) APELADO: DENNIS CANEI TOLEDO (AUTOR) ADVOGADO: ALFREDO PATRICK MONTEIRO (OAB SC044038)

RELATÓRIO

Banco Bradesco Financiamentos S.A interpôs recurso de apelação cível da sentença do Evento 19 dos autos de origem, proferida pelo juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Chapecó, que julgou procedentes os pedidos formulados em ação Revisional ajuizada por Dennis Canei Toledo em face da instituição financeira apelante.

Cuida-se, na origem, de ação revisional aforada em 24-5-2021 por Dennis Canei Toledo, tendo por objetivo a modificação de contrato de financiamento de veículo (Cédula de Crédito Bancário n. 0165741790) pactuado com a instituição financeira demandada, na qual alegou a parte autora a existência de abusividade contratual referente à taxa de juros remuneratórios aplicada em valor superior à média de mercado divulgada pelo Bacen, pretendendo, por isso, a limitação à respectiva taxa média. Suscitou a aplicação do código consumerista com a inversão do ônus da prova, pugnando pelo afastamento das cláusulas reputadas abusivas e a devolução do valor que considera ter pago a maior.

Recebida a inicial, foi concedida a justiça gratuita pleiteada pela parte autora (Evento 10 dos autos de origem).

Devidamente citada, a instituição financeira demandada apresentou contestação (Evento 13 - CONT2 dos autos de origem), na qual alegou, preliminarmente, a inépcia da inicial extremamente genérica. No mérito, defendeu a legalidade dos encargos contratuais e das respectivas cobranças efetuadas, destacando, inicialmente, a impossibilidade de revisão contratual diante da necessidade de exato cumprimento do pacto voluntariamente contratado. Afirmou a ausência de abusividade na taxa de juros remuneratórios pactuada, ressaltando a inaplicabilidade da lei da usura a instituições financeiras. Indicou que a taxa média publicada pelo Banco Central não pode ser vista como um teto, mas como mero parâmetro de aferição da abusividade de taxas que dela discrepem consideravelmente, o que não seria o caso dos autos. Sustentou, ainda, a impossibilidade de repetição de valores à parte autora, porquanto nada teria cobrado de irregular. Pugnou, ao final, pela improcedência da demanda.

Réplica (Evento 17 dos autos de origem), na qual a parte autora reafirmou os termos da inicial, pugnando pela procedência da demanda.

Sobreveio sentença de mérito prolatada em 21-10-2021 pelo magistrado Marcos Bigolin, da 3ª Vara Cível da Comarca de Chapecó, julgando procedentes os pedidos formulados na inicial, o que se deu nos seguintes termos (Evento 19 dos autos de origem):

1. DENNIS CANEI TOLEDO ajuizou ação revisional em desfavor de BANCO BRADESCO FINANCIAMENTOS S.A..

2. Historiou que celebrou contrato bancário com a instituição financeira demandada.

3. Requereu, com base nas disposições do Código de Defesa do Consumidor, a revisão do contrato entabulado. Argumentou que a taxa de juros praticada pela ré é abusiva e deve ser readequada para a média de mercado. Aduziu que o valor pago indevidamente deve ser restituído.

4. Citado, o réu apresentou contestação no Evento 13. Preliminarmente, arguiu inépcia da inicial e ausência de interesse processual.

5. No mérito, aduziu que a pretensão da parte autora viola entendimentos consolidados pelo Superior Tribunal de Justiça e que não há abusividade nos encargos pactuados. Ao final postulou pela improcedência e a condenação do autor nos ônus sucumbenciais.

6. Houve réplica (EV17).

7. É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

8. Julgo antecipadamente, nos termos do artigo 355, inciso I do Código de Processo Civil, porquanto a controvérsia se limita à matéria de direito e o feito encontra-se suficientemente instruído, de sorte que se dispensa outras provas.

9. Ademais, a ação objetiva a adequação dos encargos reputados abusivos pela parte autora. Para a aferição de excessos em sede de ação revisional de contratos firmados com instituições financeiras é despicienda a realização de perícia contábil, pois os importes avençados entre os litigantes que encampam abusividades podem ser averiguados mediante simples cálculo aritmético, seguindo os parâmetros a serem estipulados, caso seja constatada abusividade (Precedente: TJSC. AC n. 2011.066813-6. Relª. Desª. Rejane Andersen. DJ 21/05/2013).

INÉPCIA DA INICIAL

10. A exordial indicou os encargos considerados excessivos e os ajustes que pretendia revisar (juros remuneratórios).

11. Revela-se, portanto, que foram expostos todos os elementos necessários à compreensão da controvérsia quanto à matéria de fato, sem que tenha havido qualquer prejuízo ao exercício da ampla defesa e do contraditório pela instituição financeira ao longo de todo o processo. Outrossim, a narrativa e os pedidos formulados pela autora mostram-se perfeitamente compreensíveis e em nenhum momento dificultaram a defesa da parte adversa que, diga-se de passagem, apresentou contestação e rebateu todos os termos da inicial. E nessa conformidade, ainda que se admitisse a existência da mácula, não se poderia indeferir a peça inaugural, já que não houve prejuízo. (Precedente: TJSC. 1ª Câmara de Direito Comercial. AC n. 2003.013443-3. Rel. Des. Ricardo Fontes. DJ 31/05/2007).

12. Desse modo, porque o autor expôs sua versão e seus pedidos de forma clara e inequívoca, não merece acolhida a tese preliminar suscitada pela casa bancária, pois atendidos os requisitos do art. 330, inc. I e parágrafo único do CPC.

12. Assim, afasto a preliminar aventada.

AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL

13. Para configuração do interesse de agir, não há que se falar em prévio requerimento administrativo, posto que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (CF, art. 5º, XXXV).

14. A reclamação extrajudicial trata-se de mera faculdade do consumidor e não constitui pressuposto para a configuração do interesse de agir, porquanto evidenciada a necessidade e a adequação do pedido.

MÉRITO

RELAÇÃO DE CONSUMO E MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA

15. A parte autora se enquadra no conceito de consumidor, disposto no artigo 2.º da Lei n. 8.078/90, e a instituição financeira requerida se enquadra na definição de fornecedor de produtos e serviços estatuída pelo artigo 3.º do referido diploma. Assim, é inafastável a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, esse entendimento, atualmente, está pacificado, o que levou o Superior Tribunal de Justiça a homologar a Súmula 297, na qual se confirmou que "o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

16. As cláusulas dos contratos bancários, em sua maioria, são uniformes e previamente estipuladas pelas instituições financeiras, daí por que têm caráter de contrato de adesão. Em razão da aplicação das normas de ordem pública e de interesse social do diploma consumerista, não procede a pretensão de incidência pura e simples das disposições dos contratos firmados entre as partes, já que, no regime da Lei n. 8.078/90, mitiga-se a aplicação do princípio pacta sunt servanda.

17. Na realidade, sabe-se que a Lei n. 8.078/90 em seu art. 6º, inciso V incluiu, entre os direitos básicos do consumidor, "a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas".

18. E ainda, o inc. VIII do mesmo dispositivo legal estabelece "a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".

19. No caso em apreço, a inversão está autorizada com base na hipossuficiência da parte autora, que se constata ante a pujança da empresa ré, instituição financeira. Isso, de per si, evidencia a profusão de aparatos de defesa em detrimento da parte mais fraca da relação. E baseada nas regras...

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